domingo, 1 de fevereiro de 2009

O Debate Marxista sobre 'ondas longas' e o desenvolvimento capitalista

por Almir Cezar Filho

A importância do debate sobre ciclo econômico e onda longa e, por sua vez, da vinculação entre as teses de onda longa e teorização à respeito do desenvolvimento econômico sob o Capitalismo na atual conjuntura ganhou uma suma importância. No início dos anos 1920, o economista russo Nicolai Kondratiev, pioneiramente produziu um estudo sobre a regularidade do desenvolvimento da economia capitalista e definiu com base em análises estatísticas que a uma fase dinâmica de expansão segue-se outra de contração. Freqüentemente marxistas, e mesmo não-marxistas, costumam analisar a dinâmica de longo prazo do capitalismo a partir da teoria das “ondas longas” de Kondratiev. Atualmente, o pensamento de Kondratiev, está sendo revisitada com a crise econômica mundial aparecida em 2007, finalizando um forte ciclo de prosperidade vivida pelo mundo desde o inicio da década de 2000.

A questão do desenvolvimento econômico e vários aspectos da dinâmica econômica, especialmente quanto ao longo prazo e a sua dimensão mundial, não puderam se desenvolvidas por Marx e Engels - embora constasse no escopo do plano de redação dO Capital. O que abriu uma lacuna para um longo e agudo debate sobre a concepção marxista sobre o fenômeno do desenvolvimento do capitalismo mundial. O confronto entre os marxistas e as correntes não-burguesas, ou mesmo no interior do marxismo sobre desenvolvimento do capitalismo, muitas vezes deu-se a partir da perspectiva da dinâmica de longo prazo do sistema e a questão das crises. Nesse sentido, o tema dos ciclos econômicos, especialmente no longo prazo, onde as "ondas longas" do capitalismo é uma das principais versões, é um importante pano-de-fundo do debate.

A partir de um breve resumo feitos com extratos do artigo “Crises Econômicas e Ondas Longas na Economia Mundial” (Universidade Federal Fluminense - Faculdade de Economia – GREMIMT. TD Série 1, Nº 5, 2002) veremos o que são a relação entre crise econômica, ciclos de longo prazo e economia mundial capitalista, segundo Theotonio dos Santos.

“Entre os temas que preocupam o mundo contemporâneo desde o século XIX, dos formuladores de política aos analistas econômicos, está a questão do ciclo econômico, das flutuações econômicas e das crises econômicas que se manifestam em períodos mais ou menos sucessivos e identificáveis nas economias nacionais e na economia mundial, seja nos países mais desenvolvidos, ou seja, no conjunto da economia mundial.”

“Devemos, contudo, constatar que a teoria da crise econômica e do ciclo econômico tem sua origem basicamente no pensamento marxista, passando por influências muito decisivas de historiadores econômicos que foram focalizando o fenômeno e buscando explicações para eles. Na verdade, a questão da crise e do ciclo econômico passou a ser fundamental para o pensamento marxista. Também o foi para alguns teóricos que seguiram um caminho mais próximo da história e dos fatos econômicos, como este conjunto de economistas que ficariam conhecidos como a Escola do Pensamento Institucional, e que tem em Schumpeter sua principal figura.”

“A questão das ondas longas se articula com uma visão mais global do funcionamento da economia mundial. Na sucessão dessas ondas longas identificam-se cada vez mais os períodos de retomada e crescimento econômico”. “As teorias dos ciclos econômicos longos ou ondas longas mostra que há mudanças estruturais no final de cada ciclo longo, dando às crises dessa fase final um caráter estrutural, que as vinculam também com a introdução de novos paradigmas produtivos e organizativos que se identificam não somente pela predominância de novos setores e ramos de produção dentro da economia, como também por mudanças no próprio processo de trabalho, no próprio sistema de produção.” Esta visão permite pensar o próprio ciclo no longo prazo como aquele que traz no seu interior o desenvolvimento do capitalismo.

“Contudo, quem vai incorporar a problemática da crise no interior do seu sistema de pensamento será Marx. Isto justifica realizar uma revisão, ainda que geral, sobre o enfoque marxista das crises econômicas, que conduzem inclusive à idéia dos ciclos e flutuações econômicas mais ou menos permanentes, e com a temporalidade.”

“O esquema teórico de Marx, portanto, parte dessa noção de que o próprio processo de circulação carrega dentro de si a possibilidade da crise, possibilidade que se fez real na história em várias circunstâncias. Mas o que nos interessa não é a possibilidade da crise em geral (que existe em todo sistema mercantil), mas de um tipo de crise que se repete sistematicamente e que está associada aos processos de produção, reprodução e de circulação.” “Essa visão nos permite pensar o próprio movimento do capital como aquele que traz no seu interior as possibilidades da crise.”

Os ciclos de longo prazo em Kondratiev e Trotsky

a) Em Kondratiev:

Sucessivos ciclos econômicos expansivos e contrativos de 25 anos (ciclo K) que explicava como um efeito do tempo de maturação das grandes inversões de capitais.

b) Em Trotsky:

Só que indicou que períodos longos de auge e declínio econômico deviam estudar como “curvas do desenvolvimento capitalista”. Por isso, diagramou um esquema tentativo destas fases e aclarou que a teoria do ciclo não servia de explicação, porque nos processos de longa duração influem decisivamente acontecimentos sociais e históricos de grande envergadura, como por exemplo, as guerras, os inventos ou os descobrimentos de ouro.

Trotsky não objetou a existência das ondas longas, senão sua interpretação com o simples ciclos de longo prazo resultantes da dinâmica interna da acumulação. Apresentou que as guerras, as revoluções ou os descobrimentos naturais eram desencadeadores das curvas ascendentes e Mandel completou esta reflexão, teorizando a dinâmica contemporânea destes “impactos exógenos” na configuração das etapas do capitalismo.

Ciclo e onda longa

Kondratiev utiliza as categorias ciclo e onda longa. Trotsky utiliza as flutuações cíclicas e fases do capitalismo. Trotsky define ciclos como flutuações cíclicas ou flutuações periódicas e recorrentes. Ondas longas seriam fases do desenvolvimento do capitalismo.

Mandel faz uma vinculação entre ondas longas e lei do valor, contudo não muito eficiente. Por outro lado, Preobrazhensky faz uma vinculação entre desenvolvimento e lei do valor, tal qual, entre crise e lei do valor.

Elo entre ciclo e tendência

O que é o elo entre tendência e ciclo não é o progresso técnico, como sugerem Schumpeter e os neoschumpeterianos, mas a lei do valor, como concluirá Mandel, e décadas antes, Preobrazhensky.

Trotsky faz uma vinculação entre ondas longas e fatores extra-econômicos. Os fatores extra-econômicos, primeiramente não são exógenos ao ciclo e, em segundo lugar, tem uma vinculação com a lei do valor. Em suma, o limite da exploração é dado pela luta de classe através da luta política.

Dinâmica e Desenvolvimento

Há um debate sobre a relação entre nível e/ou configuração (modelo, arranjo ou padrão) de desenvolvimento e a dinâmica econômica (“dinâmica” no sentido de conjuntura). Há um debate entre a relação de dinâmica econômica modelando o arranjo de desenvolvimento.

A explicação se encontra na dinâmica do desenvolvimento. E há uma relação entre os ciclos de longo prazo e a configuração econômica a periodização histórica do capitalismo mundial.

Escola Teoria do Sistema-Mundo

Quem mais estuda atualmente a teoria do desenvolvimento capitalista é a Escola do Sistema-Mundo. Apresentando contribuições novas e relevantes. Mas reeditando velhas questões, algumas já superadas e solucionadas.

Só podemos falar de sistema mundial a parir do fim do século XIX, com o advento do assim chamo Imperialismo, que transformou todo o globo terrestre habitado em componentes do mercado mundial.

E, por isso, que a expressão de Arrighi está correta, vivemos o “longo século XX”, iniciado após 1871 e ainda em curso. À medida que, manifesta-se nesse instante dois fenômenos que marcaram o processo histórico dessa fase de desenvolvimento social, o grande confronto pré-imperialista, a Guerra Franco-Prussiana de 1871, e a primeira revolução proletária socialista, a Comuna de Paris.

Sistema-Mundo e Ondas longas

Os autores da Escola da Teoria do Sistema-Mundo acabam aderindo ou uma ou mais das quatro teses sobre ciclos de ondas longas (tese tecnologista, tese hegemonista, tese endogenista e tese institucionalista). Enquanto Wallerstein é mais adepto da tese tecnologista, por sua vez, Arrighi é mais adepto da tese hegemonista. 

Quanto à tese hegemonista, há uma adesão maior, onde muitos consideram resumir ou condensar as outras três teses. Assim o capitalismo mundial é entendido como uma sucessão de hegemonias (cidades-estados italianas, países ibéricos, Países Baixos, Inglaterra, Grã-Bretanha e Europa Ocidental e atualmente EUA).

A hegemonia é a forma de manifestação do problema das ondas longas, mas não sua causa. A hegemonia pode até sintetizar os elementos da onda longa, mas não revela seus mecanismos causais e as tendências, e por outro lado, não resume toda a dimensão dos ciclos.

Crítica a ideia de ondas longas

As fases/períodos do capitalismo entendidos como ondas longas. Na verdade, mostram configurações/arranjos de desenvolvimento.

Contudo, a onda longa e periodização revelam a face oposta da crise, os períodos de prosperidades do capitalismo, de sua estabilidade. Suas inflexões e viradas são manifestações da crise. As teses sobre ondas longas apenas trabalham com as quatro formas de manifestação da prosperidade, e não suas causas. Explicam as viradas, não a causa das viradas.

A solução do problema analítico encontra-se no estudo da regulação, direção e limite econômico da dinâmica do capitalismo enquanto análise de um sistema mundial. As quatro teses mostram o padrão/arranjo/configuração de desenvolvimento estabelecido e vivido na onda longa. Por outro lado, cada uma mostra a regularidade, o padrão/ comportamento/ de repetição da curva do ciclo, mas não os motivos de diferença entre elas na intensidade e na duração e mesmo de direção.

Por isso, Trotsky tem razão em falar em substituição ao emprego da categoria “ciclos K”, pela “curva de desenvolvimento capitalista”. Esta é assim chamada, porque analisa uma continuidade histórica no desenvolvimento secular do capitalismo, apontado nessa medição também seus reveses. Estudando inclusive os fatores extra-econômicos que atuam ao longo da “curva”. Os ciclos seriam suas várias fases do desenvolvimento dinâmico de longo prazo dom capitalismo mundial, ilustrando circunstâncias e momentos distintos do desenvolvimento capitalista.

Desta forma, os fatores extra-econômicos - inclusive são re-endogenizados à curva – são os fatores de direção da mesma; enquanto que, os fatores econômicos são fatores de regulação. Nesse sentido é preciso apresentar a distinção teórica entre direção e regulação econômica definida por Oskar Lange, como também, usar a relação entre regulação e desenvolvimento apresentada por Evgueni Preobrazhensky em A Nova Econômica e entre regulação e crise em O Declínio do Capitalismo. E entender o é e quais são os fatores extra-econômicos.

Mandel e as ondas longas

Estabelece critérios para a periodização do capitalismo a partir da combinação das leis de acumulação (determinações ou fatores “endógenos”) com desenlaces da luta de classes (“exógenos”). E desenvolve uma conceitualização do debate marxista s obre o problema das etapas do capitalismo. Havia segundo Mandel cinco abordagens diferentes para caracterizar cada etapa do capitalismo agregando o que preconiza várias teorias marxistas sobre o tema:

a) tipo de mais-valia extraída: absoluta na acumulação extensiva ou relativa na intensiva

b) modalidade predominantes de capital: financeira, industrial e comercial

c) forma do processo de trabalho: taylorista, fordista e toyotista

d) tipo de concorrência prevalecente: livre concorrência, monopólio e regulação pública

e) peculiaridade da intervenção estatal: liberalismo, keynesianismo e neoliberalismo

A caracterização das ondas longas constitui um fundamento teórico de sua visão de terceira etapa (“tardia”) do capitalismo. Compartilhou a conceitualização deste novo período com outros teóricos marxistas das ondas longas (Boccara, Fontvielle, Rasselet) e com autores que precederam destes recursos conceituais (Sweezy, Dumeil, etc). Com estes últimos, o terreno analítico de Mandel é com a todos esses autores que re-atualizaram a teoria clássica do imperialismo e não as distintas vertentes continuadoras de Kondratiev e Schumpeter.

Embora não se pretenda eclética a mistura Kondratiev-Trotsky) se passa sim, à medida que, Mandel não "entende" a relação (e a diferença) entre as determinações extra-econômicas e o ciclo (a regulação e a luta de classe na acumulação e crise). Porém a solução disso, se encontra em outra análise.

Bibliografia
  • ARRIGHI, Giovanni. "O Longo Século XX". Editora Unesp, São Paulo, 1996.
  • DOS SANTOS, Theotonio. “Crises Econômicas e Ondas Longas na Economia Mundial”. Universidade Federal Fluminense - Faculdade de Economia – GREMIMT. TD Série 1, Nº 5, 2002
  • KATZ, Cláudio. Ernest Mandel y la teoría de las ondas largas. Março, 2000
  • TROTSKY. La Curva del desarrollo capitalista, en Razón y Revolución nro. 7, verano de 2001, reedición electrónica. 
  • WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo Histórico e Civilização Capitalista. Editora Contraponto.

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