quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Eleição da extrema direita não é onda reacionária da população

Polarização política e Contraofensiva conservadora

A despeito da vitória eleitoral da extrema direita, a opinião pública não concorda com suas pautas reacionárias. A pesquisa confirma quando dizíamos que a vitória era produto da polarização política, da ruptura das massas com o PT e cansaço com a corrupção e falta de integridade da classe política, e não de uma "onda" conservadora e/reacionária.

O que há sim é uma intensa polarização política do país. Em que a população, tradicionalmente despolitizada e apática, passou a se engajar, ao menos na tomada de opinião, sobre temas políticas e candentes da realidade. Uma parte vai às teses da Esquerda. Enquanto outra às teses da Direita.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Exploração, desigualdade e crescimento

Sociedades que crescem mais são as mais desiguais e com mais exploração? Ou o inverso?

por Almir Cezar Filho

Índice de Gini por país
Existe uma relação entre exploração e crescimento? Uma relação entre exploração e desigualdade? E entre desigualdade e crescimento? Sim, há, e muito. Por sua vez, qual sociedades crescem mais: as mais ou menos desiguais; ou com mais ou menos exploração?

Para a Teoria Econômica (não ideologizada de matriz liberal) há uma vasta produção científica que estabelece uma forte relação causal entre a taxa de exploração do trabalho (percentual de trabalho não pago sob a forma de salário), a taxa de crescimento econômico da economia nacional (variação % do PIB ou PNB anual) e a desigualdade econômica (diferença de renda e/ou patrimônio). Uma sociedade com altas taxas de exploração possuí altas taxas de crescimento. Por outro lado, uma sociedade com altas taxas de desigualdade social tendem a ter restrições nas suas taxas de crescimento.  Como responder esse paradoxo? 

Exploração e crescimento

As altas taxas de exploração tendem a proporcionar altas taxas de apropriação de excedente econômico, e portanto de garantia de acumulação de capital. Se, e somente se, essa acumulação de capital for efetivada em investimentos produtivos. Temos então a assim chamada "taxa garantida de crescimento".

Uma alta taxa de exploração não pode ser confundida com superexploração do trabalho, nem com alto percentual de pobreza e miséria. Superexploração é quando a apropriação do trabalho excedente é forçosamente garantida alta, mesmo à custa do rebaixamento do percentual de trabalho destinado à reprodução da força de trabalho. Isto é, superexploram a sua força de trabalho.

Na sociedade onde a força de trabalho é meramente explorada (exploração simples) a produtividade tende a ser alta, garantindo simultaneamente, tanto elevado patamar do trabalho apropriado destinado à reprodução social da força de trabalho, como também uma alta apropriação pelos controladores dos meios de produção, e portanto, se devidamente convertida em acumulação de capital, que pode ser revertida em ampliação das forças produtivas da economia local.

Na sociedade de exploração simples, ao contrário da de superexploração, há uma acumulação de capital internalizada no país: os proprietários dos meios de produção se veem sucessivamente dispensados de partilhar a parte do trabalho excedente apropriado por eles com os circuitos e as camadas externas da acumulação - os capitalistas estrangeiros.

Desigualdade e crescimento

No sentido oposto, a alta desigualdade econômica, especialmente de patrimônio, impede altas taxas garantidas de crescimento. Tanto devido a em geral diminuta produtividade do trabalho que essas sociedades promovem, como também a problemas na conversão de trabalho apropriado em acumulação de capital, principalmente a de tipo "garantida". De que forma?

A desigualdade alta desestimula produtividade geral do trabalho. Proprietários dos seus próprios meios de produção tendem a ser mais produtivos e buscar iniciativas que visam ampliar essa produtividade, especialmente se o incremento de trabalho excedente for possível ser apropriado por eles, se não em todo, em grande parte.

A desigualdade econômica ainda cria uma classe de proprietários de capital concentrada e pouco devotada ao desenvolvimento das forças produtivas. Voltam-se ao consumo conspícuo (luxos e supérfluos) ou a manter firme o status quo dominante. A tal ponto que, o desenvolvimento, o avanço das forças produtivas pode ser até encarados como possibilidades de instabilidade ao sistema. E de fato podem sim gerar desestabilização. O desenvolvimento das forças produtivas impõe como consequência uma pressão também pelo desenvolvimento das relações de produção que lhes correspondam, que lhe são compatíveis.

Uma menor desigualdade, mesmo apenas de renda, permite crescimentos mais estabilizados, menos suscetíveis as variações nas decisões de investimento dos grandes proprietários de meios, à medida que o padrão de demanda segue mais o menos estável ao longo do ciclo econômico. Os trabalhadores, especialmente aqueles que vivem acima do nível mínimo de vida, tendem a variar menos sua demanda por produtos.

Outra contradição das sociedades desiguais é que altas taxas de crescimento podem gerar elevação da da própria desigualdade. Uma sociedade que passa por crescimento acelerado pode passar por diminuição da desigualdade econômica a menos se houver simultaneamente apropriação do trabalho gerado aumentado pelo crescimento pela força de trabalho de proletários e de pequenos proprietários. Sociedades com menor desigualdade esse processo é mais fácil, ao contrário daquelas com maior desigualdade.

Por outro lado, a alta taxa de desigualdade limita a taxa de crescimento, exceto em períodos de surtos econômicos. Pelo contrário, nesses surtos na verdade a desigualdade lhe favorece a alta taxa de crescimento. Pois a acumulação de capital mais concentrada facilita a conversão do trabalho excedente apropriado em elevação de meios de produção e forças produtivas. Porém, intensifica a queda do produto geral no momento da reversão da acumulação.

E ainda, a desigualdade acaba ampliada ao final do ciclo, intensificando ainda mais a baixa taxa de crescimento.  Há portanto no Capitalismo uma histórica tendência decrescente sobre seu crescimento econômico, ou melhor dizendo, de crescimento decrescente no longo prazo.

Sociedades com superexploração do trabalho

Nas sociedades regidas pela superexploração o são assim porque os proprietários do capital se veem com a necessidade de rebaixar o percentual do trabalho retido à reprodução social da força de trabalho, a fim de manter, o percentual por eles apropriados em patamares similares ao padrão internacional. A produtividade não necessariamente é alta e uma parcela do trabalho excedente é destinada a ser acumulada fora do circuito interno de acumulação de capital; é acumulada pelo capital internacional.
Pirâmide de renda no Brasil. 
Apenas 5% da população tem renda superior a R$ 13.560,00
O PIB per capita alcançou R$ 31.587 em 2017 (fonte: IBGE).

Em geral, economias nacionais com superexploração são mais conhecidas pela literatura econômica (especialmente entre as décadas de 1940 e 1980) como "Subdesenvolvidas". Tendo em vista que em comparação aos países com acumulação internalizada possuem deficiências e incompletudes inclusive no conjunto da cadeia produtiva.

As sociedades nacionais com esse padrão de acumulação de capital são chamadas por parcelas da literatura econômica de "economias dependentes", principalmente pelas escolas econômicas identificadas como Teoria da Dependência (Marini, 2009; Santos, 2008).

A força de trabalho superexplorada é portanto explorada por duas camadas de acumuladores de capital. Essas duas camadas, em geral, não se veem em competição, ao menos frequentemente, mas se veem unidas na exploração desse contingente de força de trabalho. Eis o Sistema Imperialista, pelo menos em seu aspecto econômico.

Outro traço de sociedades de superexploração do trabalho e que parte do trabalho apropriado pelos controladores do capital ao consumo conspícuo acaba sendo artificialmente mantida em percentual alto. O que compromete ainda mais a acumulação de capital, pois o excedente não é convertido em investimento produtivo, e portanto em taxa de crescimento.

Sociedades baseadas em superexploração do trabalho tendem a ter alta desigualdade econômica. Inclusive é essa desigualdade que lhes permite a superexploração, ao proporcionar uma força de trabalho disponível e sujeita a desapropriação extrema do trabalho por eles gerados.

Porém, apesar disso, sua taxa de crescimento pode ser alta, garantida por meio da intensificação periódica do ritmo de exploração da sua força de trabalho disponível. Apenas periódica e/ou em surtos.

Mas como sociedades com alta grau de desigualdade econômica tendem a desenvolver superexploração do trabalho? E como sociedades muito desiguais tem baixas taxas de crescimento?

Surtos de crescimento em sociedades muito desiguais

Como e quando surge as condições desses surtos de crescimento? Quando e somente em limitadas situações abre-se uma janela de oportunidade. Quando está aumentada a margem apropriada pela camada interna ou retida no circuito interno.

Quando a camada externa da acumulação de capital está com problemas. Ou quando se descobre um negócio novo, desenvolve-se um circuito interno novo ainda autônomo, ou com baixa apropriação externa. Ou com baixa composição orgânica de capital - o que permite elevação do percentual apropriado internamente no circuito de acumulação.

E também quando há uma derrota histórica da força de trabalho que a torna suscetível e vulnerável a uma redução em seu percentual retido de trabalho. Ou um desenvolvimento sócio-técnico que reduz a necessidade de trabalho socialmente necessário à reprodução de sua força de trabalho, ampliando a margem disponível a ser apropriada pelos proprietários dos meios de produção.

Vale lembrar que, uma redução da desigualdade de renda sem desigualdade de patrimônio, mesmo em sociedades de superexploração, tem o mesmo efeito. Mas, nesse, como nos demais casos de alta desigualdade, os efeitos são temporários.

Leia a sequência: Educação não é suficiente para reduzir a desigualdade. Pesquisa derruba mito.

Referências bibliográficas
  • Azevedo, Marcelo. O consumidor de baixa renda: entenda a dinâmica de consumo da nova classe média. Marcelo Azevedo, Elyseu Margedan. Rio de Janeiro: Elvesier, 2009.
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  • Trotsky, Leon. O imperialismo e a crise da economia mundial. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008.
Revisado e atualizado em 07/01/2019