sábado, 13 de dezembro de 2025

“A Economia e a Revolução”: Uma teoria da crise e do desenvolvimento econômico, uma revisão metodológica em base a Trótski e Preobrazhenski

por Almir Cezar Filho

Introdução


Nessas quase uma década e meia, a crise econômica mundial surgida pelo estouro da bolha imobiliária estadunidense (2008) lembrou ao mundo que o Capitalismo sempre viveu imerso (ou sob a ameaça) a recorrentes crises. A relação entre crise e ciclos econômicos e o desenvolvimento do capitalismo é um tema palpitante, especialmente no período de uma crise. 

Por sua vez, todos aqueles que sonham e lutam contra esse regime social de produção sabem que nessas circunstâncias de fragilidade este fica mais vulnerável a questionamentos e ataques. Contudo, a superação do Capitalismo segundo o marxismo se faz no sentido de edificar a sociedade socialista e através da revolução proletária. Contudo, apesar dessa compreensão, um contingente de marxistas estabelece uma vinculação equivocada entre a crise e a revolução.

Esta compreensão gera, com certeza, distintas caracterizações sobre o momento histórico em que vivemos. Ainda mais, à medida que, apesar da conjuntura internacional ser de franca instabilidade, o cenário a favor dos socialistas aparentemente caminha no sentido oposto. Apesar de sabermos que em algum momento essas trajetórias se convergiram, fica aberto, por um lado, saber se a situação seria propícia a revolução ou não, e por outro lado, se as circunstâncias existentes atualmente no plano internacional abriram à perspectiva da revolução pelo mundo.

O revolucionário León Trótski sempre expressou a questão sobre a estabilidade e o equilíbrio dinâmico do Capitalismo e o papel dialético da crise e da revolução na dinâmica do desenvolvimento econômico e social desse. Em seus textos, particularmente nos anos subsequentes ao ano de 1921, momento em que parecia que o Capitalismo estava recuperando-se da Grande Guerra e da vaga revolucionária ao seu fim, ali ele exprime sua preocupação entre os rumos do Capitalismo Mundial e a relação dialética entre luta de classes, ciclos industriais e possibilidades de longo prazo do desenvolvimento capitalista. 

Os textos da década de 1920 dão uma compreensão distinta do que a militância socialista costuma supor entre a natureza da crise capitalista, a relação entre crise e boom, crise e revolução e o próprio papel da luta e organização proletária como deflagradora das crises (na trajetória inversa que o socialismo vulgar sempre supõe ser).

Nesse sentido, é importante apresentar metodologicamente a partir das passagens apanhadas dos vários textos, a análise mais abstrata de Trótski a respeito do equilíbrio dinâmico do capitalismo, o processo revolucionário e a circunstância do desenvolvimento econômico, e a partir daí possibilitar em um segundo momento uma análise mais concreta da presente situação mundial e nacional e de suas perspectivas a luta revolucionária.


I. Flutuações, ciclos e tendências no sistema socioeconômico


Uma abordagem marxista sobre crise capitalista sempre encontrou tratamento no fenômeno dos ciclos econômicos. Explicava-se assim que as flutuações da dinâmica do sistema se dão de maneira cíclica, numa sucessão de crise e boom, que ocorrem periodicamente. Dentro dessa perspectiva cíclica, a raiz encontra-se nas próprias obras de Marx e Engels. Mas como tudo desses dois autores, abre-se a interpretações, complementações, revisões, atualizações, e esse tema não seria diferente, muito pelo contrário.

Há fenômeno “místico” do Capitalismo: mais do que sua instabilidade e oscilação, há a sua possibilidade à predestinação, de gerar a seus analistas um prognóstico sobre o sistema. Tendo em vista, que além de se identificar tendências, há seu poder de repetir-se ao longo do tempo; apresentar padrões na oscilação, o assim chamado ciclos econômicos. Isto é, a capacidade do sistema de que seus indicadores, ao menos aqueles mais stricto sensu econômicos têm em seus números, apresentarem viés de altas e/ou baixas, mas em sucessão contínua, muitas vezes repetindo o padrão.

O volume produzido, o valor gerado, o consumo, etc., operam em ciclos. Início, meio e fim, para novamente reinício, meio e fim, etc. Esses indicadores não se mantêm continuamente em mesmo patamar ao longo do tempo, oscilando, flutuando, muitas vezes sob um “eixo”. Mesmo que esse eixo, essa linha tendencial, mostre ascensão ou queda. Isto é, num prazo mais longo apontem para uma, uma tendência, e portanto, uma direção (ascensão ou queda; crescimento ou decrescimento).

Outro aspecto da tendência, a sua temporalidade, especialmente de longo prazo. Deve-se ter em mente o longo prazo para a identificação da tendência: é um recorte analítico importante, pois tal como uma amostra estatística, quando maior pode interferir no resultado. Um recorte temporal de um ano, ou de dois, três, sete, vinte, cinquenta, etc., podem revelar trajetórias tendenciais diferentes. Mas, dentro do recorte temporal escolhido, verifica-se as forças atuando internamente ao sistema, ao ciclo do sistema, para conduzir ou para ascensão ou para o declínio.

A tendência aí não é apenas um apontamento geométrico de direção da curva de crescimento, da curva de evolução, mas a manifestação das forças internas que operam no sistema, que, por sua vez, o forçam ao viés identificado.

Como também, os sucessivos pontos, momentos e valores de evolução nada mais do que tração, uma média e uma linha média e trajetória de tendência. Assim, o valor ou ponto fora dessa linha tendencial, desse viés, é, por outro lado, apenas uma flutuação, quando não mesmo uma oscilação dessa tendência.

Logo se tem que a flutuação é quando os valores/pontos/momentos fluem rumando para acompanhar a tendência ao longo do tempo. A oscilação é quando esses valores/pontos/momentos estão ou acima ou abaixo da linha de trajetória da tendência, gravitando, “atraídos” justamente por essa linha. Flutuação avalia o quanto os pontos rumam no mesmo sentido da tendência. Oscilação, o quanto os pontos variam em relação a linha tendencial. O ciclo, portanto, é a capacidade do crescimento iniciar, se encerrar e reiniciar.

A questão subjacente - de que a oscilação/flutuação seriam ou não produto de contradições ou choques externos – deve ser refeita de outra forma, à medida que a curva vai se desenrolando, se desenvolvendo, cada ponto em si tem sua capacidade de gerar simultaneamente três aspectos: equilíbrio, resistência a interferência externa e dar vida a elementos “tóxicos” de interferência na própria posição do ponto subsequente temporalmente. Os próprios eventos e forças externas a curva nada mais que na maioria dos casos uma reação ao “metabolismo” do próprio ponto. Entendendo “externo” aqui a interferência proporcionada por forças de outra dimensão do próprio sistema, e não aquelas de outro sistema.

Por exemplo, uma crise parlamentar pode prejudicar o crescimento da economia, levando a uma recessão. O que por sua vez, esta crise parlamentar em si pode ter sido provocada pelos primeiros sinais dessa mesma crise econômica.

A tendência revela-se assim não apenas como sentido da trajetória e repetição, mas causalidade (causa-efeito). Não causalidade explicativa, mas preditiva. Ao menos correlação. Isto é, não aponta quem é a causa, quem é efeito, mas uma relação comum entre dois fatores, que presentes, adquirem a manifestação de fenômeno. Mesmo que não se saiba quem produz quem ou quem antecede quem. E que o fenômeno ocorre novamente ao menos probabilisticamente. Isto é, presente ambos os fatores ou elementos há forte chance de ocorrer novamente o fenômeno, a menos que não haja na proporção certa, com a presença de um catalisador certo (ainda desconhecido), ou que não esteja presente uma contratendência que impedirá ou enfraquecerá a ação da tendência.

Temos assim, a presença de contratendências. Tendências essas que vão em sentido contrário de outras, anulando ou enfraquecendo. Um fenômeno pode então não se efetivar no tempo e no espaço justamente porque houve a presença de sua contratendência equivalente. E, por sua vez, uma tendência pode ser contratendência de outra.

As contratendências não existem ao acaso. Vale lembrar que, em muitos casos, contratendências são eventos ou elementos colaterais de tendências que a antecedem temporalmente, atuando contra respectivamente na vez seguinte. Como também durante a ação da própria tendência.

Se não pode se efetivar, não se manifesta, ou se manifesta diferente. Como se fosse uma “soma dos paralelogramos”. 

Assim, os pontos da curva de crescimento vão aparecendo diferente da própria tendência, oscilando e flutuando. Como também, gerando que o ponto seguinte seja igualmente diferente do anterior, e assim sucessivamente. 

Formar-se assim, por sua vez, os ciclos. Quando um ponto futuro oscila/flutua para o mesmo patamar de um ponto antecessor a uma determinada escala de tempo. Manifestando como um fim de um mesmo padrão de ascensão (ou queda).

Por sua vez, a soma de ciclos formam, ou apontam, tendências. Ao menos dentro de uma mesma escala cronológica. Ciclos de curto prazo apontam a tendência de curto prazo. Ciclos de médio prazo a tendência de médio prazo, e assim sucessivamente. Assim, tem-se a relação entre ciclo e tendência.

Portanto, não à toa, as sucessivas dinâmicas conjunturais formam, quando somadas no longo prazo, aquilo que chamamos de “desenvolvimento”. Isto é o desenvolvimento como somatório da dinâmica. Mesmo que esse mesmo desenvolvimento limite, restrinja a dinâmica, tendo em vista que, a dinâmica é dada pela formação-social do sistema econômico, pela estrutura, pela forma que o sistema se permite operar de acordo com essa estrutura. Tem-se que a dinâmica como “funcionamento” do sistema; e o desenvolvimento tanto como “forma”, como “evolução”, “trajetória” de evolução desse sistema.

Assim, o desenvolvimento, é o longo prazo da dinâmica, é o que a dinâmica de longo prazo lega ao sistema. E a dinâmica é o legado de curto prazo do desenvolvimento, isto é, a dinâmica, tempo a tempo é determinada pelo grau e tipo de desenvolvimento. E o inverso: a dinâmica de longo prazo determina o desenvolvimento.


II. Ciclo econômico, longo prazo do sistema e revolução social no Marxismo


Um aporte marxista sobre ciclos econômicos muito importante é a chamada “ondas longas”, onde compreende os ciclos como um processo recorrente mas de longo prazo. Atualmente ressurgiu toda um vasto interesse por algumas teorias econômicas marxistas, entre elas as ondas longas ou “ciclos de Kondratiev”. Seriam ondas históricas de 40-50 anos, repartidas em duas fases de 20-25 anos cada, uma fase de ascenso econômico, chamada de “fase A”, onde o capitalismo operaria em boom, e uma fase de descenso, chamada de “fase B”, onde operaria em crise ou mais propícia a crises.

O economista russo N. D. Kondratiev (1892-1938) que foi um dos primeiros teóricos que tentou provar estatisticamente o fenômeno das “ondas longas”, movimentos cíclicos de aproximadamente 50 anos de duração, conhecidos posteriormente na Economia, como “ciclos de Kondratiev”, ou 'ciclos K'. A primeira referência de Kondratiev aos ciclos prolongados ocorreu em seu livro de 1922 “A economia mundial e sua conjuntura durante e depois da guerra”. 

O tema (os ciclos longos) no início da década de 1920 era popular, e premente - era importante aos marxistas de então, especialmente da Rússia Soviética, saber se a crise porque passava o sistema era irrecuperável no curto prazo e se a conjuntura pró-revoluções proletárias (desde 1917 haviam estourado revoluções na Alemanha em 1919 e naquele ano, Hungria, além de uma vaga de greve gerais, que iam de Londres, Nova Iorque, São Paulo e Nanquim) facilitada pela crise econômica mundial após fim da Grande Guerra se manteria por quanto mais tempo.

O conceito de ciclos prolongados foi introduzido nos últimos capítulos, e só na forma de uma generalização histórica mais bem tentada. Para ele, a natureza particularmente aguda da crise do pós-guerra se explica assim mediante ao fato de que marcava um ponto de viragem no ciclo prolongado e o começo de sua fase descendente.

O impacto da Revolução Russa e da ascensão do Estado Soviético permitiu uma liberdade inédita ao Marxismo e sua emergência como corrente teórica mais assertiva da realidade. E a necessidade de sobrevivência do Estado Soviética impunha o teste a esse mesmo Marxismo. Foram anos de grandes debates. Não à toa, que a elaboração teórica daquele tempo, como as ondas longas, influenciará pesquisadores décadas depois, de correntes diferentes, marxistas ou não, e se marxistas, de vários matizes, que vão do austríaco J. D. Schumpeter, seu maior divulgador no Ocidente, o belga Ernest Mandel, o estadunidense Immanuel Wallerstein, os brasileiros Theotonio dos Santos e Ignácio Rangel. 

Assim, a questão de ondas longas (da sua validade ou não) permeia desde então dois grandes flancos da teoria econômica marxista e da crítica marxista à Economia Política: o flanco em que se combina e relaciona entre si a questão da dinâmica, da crise capitalista e do desenvolvimento, e o outro flanco, da relação dessas com a luta de classes, da periodização histórica do Capitalismo e das crises políticas e revolucionárias. Mas a base marxiana das ondas longas e sua adesão por marxistas, mesmo que menos heterodoxos, não o circunscrevem suas conclusões como uma explicação marxista.

Mas não foi apenas Nikolai Kondratiev que introduziu ou tratou do vínculo entre crise e desenvolvimento no sistema capitalista. No longo desenvolvimento da teoria do desenvolvimento capitalista, em especial no Marxismo - a abordagem das várias correntes marxistas sobre desenvolvimento  se dá a partir da dinâmica de longo prazo, e no que a envolve: os ciclos econômicos, as determinações não-econômicas e as possibilidades de longo prazo do desenvolvimento.

Mas há que se rejeitar três aspectos flagrantemente desviantes a Marx-Engels quanto a dinâmica (e oscilações) do capitalismo, especialmente no longo prazo: a endogenização excessiva da causalidade do ciclo; o caráter determinista da crise econômica como deflagradora das revoluções políticas, o economicismo; a inversão entre causa da crise e manifestação da crise; e a desconexão entre dinâmica e desenvolvimento.

Ainda na década de 1920, Léon Trótski acaba por formular sua própria interpretação, do fenômeno dos ciclos de longo prazo do Capitalismo, divergente a de Kondratiev, como também desenvolve uma abordagem do estudo do fenômeno do desenvolvimento do sistema capitalista, tanto em sua dimensão mundial, como de suas economias nacionais, sob a perspectiva de uma dinâmica de longo prazo.

Os textos que expressam esse aspecto de maneira mais clara são os textos A Situação Mundial (1921), que antecede a divulgação por Kondratiev dos seus estudos e onde aparece pela primeira vez sua idéia de “curva de desenvolvimento capitalista”, exposta pela primeira vez em A Curva de Desenvolvimento Capitalista (1923), contemporâneo a divulgação dos estudos de Kondratiev, Sobre a questão da tendências no desenvolvimento da economia mundial (1926), onde responde em uma conferência pública as questões levantadas por uma grande obra de Kondratiev, e Sobre a questão da estabilização da economia mundial (1925), onde discute as várias visões sobre crise no capitalismo.

O artigo clássico do marxismo econômico, mas um pouco esquecido recentemente, A Curva do Desenvolvimento Capitalista, publicado originalmente na revista soviética Vestnik Sotsialisticheskoi Akademii (Revista da Academia Socialista) em seu nº 4, de 1923, é uma contribuição ao debate sobre a grave crise por que mergulhou mundial o Capitalismo logo após a Grande Guerra, e é em parte, uma resposta teórica a teoria das Ondas Longas, de Kondratiev, apresentada ao público da época no ano anterior. 

Na "curva" de Trotsky se conseguiria analisar os movimentos dinâmicos do desenvolvimento capitalista de crises e ascensos no produto agregado da economia, identificando as modificações (as inflexões) e determinações extra-econômicos (políticas governamentais, luta de classe, descobrimentos científicos e tecnológicos, conquista de novos mercados, guerras, etc), que forçam a entrada do capitalismo em suas várias e sucessivas fases.

Mesmo com o surgimento de empresas de alta tecnologia, até mesmo em países como o Brasil, na esteira da Quarta Revolução Industrial, e sua absorção gradativa por empresas maiores e estrangeiras, as crises capitalistas continuam aparecendo, inclusive mais do que nunca.


Se Kondratiev parte da idéia acertada que o ciclo econômico tem determinações endógenas do próprio processo de acumulação, confunde-se, estende-o tal abordagem ao desenvolvimento capitalista no longo prazo, onde sim, os fenômenos extra-econômicos, principalmente os políticos, especialmente o Estado, atuam determinando a dinâmica do desenvolvimento, como uma espécie de "direção", tal como Engels disse em Carta a Walther Borgius de 1894 e na Carta a Conrad Schmidt de 1890.


Em ambas Engels tem em preocupação de responder os economicistas e aos críticos do marxismo, que acusam de ser determinista e economicista, à medida que Marx e Engels reafirmavam o caráter central da determinação econômico nos processos sociais, muito embora ambos sempre reafirmaram, e nesses dois textos Engels destaca isso, que a situação econômico não é a “única causa ativa e todo o resto, apenas efeito passivo”, mas sim, que a necessidade econômico sempre se impõe, em "última instância". Assim as relações econômicas - muito embora possam também ser influenciadas pelas demais relações políticas e ideológicas - são porém as relações determinantes.


Como também, por outro lado, o efeito do poder por exemplo do Estado sobre o desenvolvimento econômico ser de 3 tipos:

- operar indo na mesma direção do desenvolvimento, tornando-o mais rápido

- pode ir de encontro, o que porém, destrói mais a frente o próprio poder do Estado; e

- pode truncar certas direções do desenvolvimento prescrevendo outras.


Nesse sentido, Trotsky quando fala nas que eu diria "determinações extra-econômicas", isto é, no caráter exógeno na dinâmica de longo prazo do capitalismo, não viola a explicação marxista sobre o caráter endógeno do processo de acumulação e sua manifestação sobre os ciclos, expressando com clareza dialética que os ciclos não podem ser a causa da própria acumulação (e logo, das crises), como a explicação de Kondratiev acaba expressando.


Por sua vez, a dinâmica de longo prazo não é pautada pelo ciclo, mas pela configuração estrutural do capitalismo, onde as determinações extra-econômicas são mais fortes, dessa maneira modelando o que seria assim as sucessivas "fases" do capitalismo enquanto sistema histórico, de concorrencial ao monopolístico. Os ciclos econômicos seriam determinados pela lei do valor, em termos de Day e Preobrazhensky dessa maneira sofreria a dinâmica da regulação pela lei do valor, mas por outro lado, a regulação seria delimitada pela direção do desenvolvimento, pautada pelas determinações extra-econômicas, especialmente a luta política entre as classes.


A dinâmica econômica de longo prazo, mais sujeita às limitações estruturais, as possibilidades do desenvolvimento seriam mais pautadas portanto pela direção, enquanto que a dinâmica de curto prazo, conjuntural, pautada pela regulação pela lei do valor.


Isto porém, não invalida, pelo contrário, reafirma o que Preobrazhensky disse em "A Nova Econômica", que a lei do valor é a lei fundamental do desenvolvimento capitalista, à medida que as determinações extra-econômicas apenas aceleram, freiam ou truncam as direções do processo de desenvolvimento do sistema capitalista. Desenvolvimento realizado a partir dos próprios imperativos do processo de acumulação de capitais, isto é, a lei do valor.


Havia portanto uma visão oposta entre eles na relação causal entre acumulação, ciclo e inovação. Há uma incompatibilidade entre Schumpeter e Kondratiev, justamente onde um influencia o outro, e que mesmo nos neoschumpeteriano, que apresentam vários aspectos diferentes do mestre, nesse ponto central para a tentativa de fusão não houve modificação.


A teoria de ondas longas de Kondratiev até que se ajustam bem às variações nas fases ou estágio histórico do capitalismo, mas não explicam as causas do suas aparições. Exporta mecanicamente a ideia dos ciclos econômicos (de negócios ou industriais) para o longo prazo. Enquanto Marx, Engels, e a partir desses, Lênin e Trotsky entre outros, falam em ciclos de 7 ou 9 anos no processo de acumulação, Kondratiev falava em ciclos de 10 e 25 e mesmo de 50 anos, mostrando inclusive tabelas estatística para isso.


Marx não fala da fase de crise como um momento de disrupção do equilíbrio do capitalismo, mas como momento componente obrigatório do processo temporal de acumulação. Não há uma oposição entre equilíbrio e desequilíbrio, entre momentos sucessivos de equilibrio e desequilibrio, mas sim de dinâmica regular ou normal, na perspectiva de auto e retro-acumulação ser sucedido periodicamente por momentos de crise da acumulação e da necessidade de destruição desse excedente de capital, que permitirá a próprio retomada da trajetória de acumulação. Nessa perspectiva, há um sentido lógico na dialética da acumulação ao ciclo, que é ignorado por Kondratiev.


Kondratiev não explica a causa do ciclo, apenas quando muito em termos de tempo de rotação do capital, isto é, período em que o capital fixo se deprecia economicamente (desgaste físico e/ou obsolência tecnológica) e é a necessidade de substituição, o que em vários sentidos lembra um pouco o que Kalecki falava sobre a teoria do ciclo pura, em sua "Teoria da Dinâmica Econômica".

Por um lado, para Kondratiev a crise que o capitalismo vivia entre 1920-22 era grave contudo momentânea pois era a fase de passagem a uma nova onda longa do capitalismo, portanto não anunciava como afirmava certos bolcheviques a abertura da derrocada final do capitalismo mas sim um novo momento de recorrentes e cíclicas crises que esse sistema tinha. 

Por outro lado, Trotsky, mesmo antes de debate direto com Kondratiev, afirmava oposto de vários bolchevique, colocava que essa crise era apenas mais uma sim, nada tendo de terminal, mas era mais grave que as anteriores, pois o capitalismo não havia passado por uma guerra mundial e se desorganiza de uma forma brutal a dinâmica regular do mesmo (“equilíbrio dinâmico”).


Essa desorganização demoraria muitos anos para terminar e dependeria de grande derrota dos movimentos dos trabalhadores e de um grande rearranjo internacional, o que abria espaço para organizar a luta revolucionária socialista e derrotar, e aí sim em definitivo o capitalismo - escreveria inclusive nessa perspectiva contra a visão etapa de crise final um artigo, 1925, que polemiza com economista soviético E. Varga, criador da linha oficialista de “colapso” do Capitalismo.


Por fim, é preciso ter em mente que a causa das crises é endógena, mas a superação dessas - e não digo reversão- é exógena ao processo de acumulação  muito embora resida ainda na necessidade econômica. A reversão do ciclo sim se dá autonomamente. Nesse sentido as determinações no Capitalismo, sistema histórico e mundial, enquanto sua dinâmica de longo prazo está também condicionada às determinações extra-econômicas.


Tal qual o desenvolvimento do capitalismo não é exclusivamente econômico, a dinâmica capitalista também o é, ela também é dinâmica na política e nas relações internacionais. O desenvolvimento do capitalismo é definido pela dinâmica de longo prazo, e este, na dialética entre ciclos industriais, luta de classe e possibilidades de longo prazo do capitalismo. Portanto, a crise do capitalismo como crise da humanidade - enquanto crise manifesta em desemprego, miséria, injustiça social, opressão política, cataclismo ecológico, guerra, estresse, alienação, etc - é uma crise na direção do desenvolvimento.


III. Economia, crise e revolução


A Crise, por sua vez, não leva automaticamente à Revolução. As crises estruturais do Capitalismo são períodos chave para a intensificação da luta de classes e aumento da consciencialização da classe operária e dos trabalhadores em geral. São momentos que potenciam o desenvolvimento da ação revolucionária. É necessário lembrar, aliás como Lênin, que “situações absolutamente sem saída não existem”, ou seja, o sistema não ruirá por si de forma automática, sem luta. O capitalismo tem encontrado formas de responder, não só revolucionando os instrumentos de produção, como intensificando a pressão para a flexibilização dos salários e das condições de trabalho, como forma de restabelecer as margens de lucro.


A iniciativa proletária é necessariamente – por um lado – interna ao mecanismo da acumulação. Um exemplo é que a luta por melhor salário é revertida em maior demanda de produtos das empresas, ou que, a legislação trabalhista não apenas protege os empregados, mas também os empregadores, e mesmo os sindicatos e os partidos operários são parte integrante do Estado burguês ou desse regime político.


Com a agudização da luta proletária, e mesmo com as revoluções, inicia-se, portanto, uma nova etapa histórica para as economias nacionais capitalistas em seu desenvolvimento estrutural-econômico, inicia-se uma “nova econômica”. Tanto ocorre quando a luta operária e popular alcança o seu cume, e se transforma em revolução proletária, ou quando consegue vencer uma tentativa revolucionária inicialmente eficaz, o capitalismo não se pode reapresentar com as vestes clássicas da “livre concorrência”. Mudava-se o sistema econômico, de burguês para transicional, proletário, que contudo foi em seguida freado pela ação do stalinismo ou do reformismo pequeno-burguês.


Tal qual, não há capitalismo sem o Estado, a concorrência entre os capitalistas no mercado está sempre intimamente ligada à luta sobre o controle da administração estatal; a correlação de forças entre os setores do capital (e estes sobre os trabalhadores), para determinar qual setor será protegido ou penalizado, sofrerá intervenção, apoio, coordenação ou sacrificado. A revolução, e seus desdobramentos, determinam assim a correlação de forças que conduzirá o Estado.


Apoiando-se em tentativas parciais de planificação e nas estruturas estatais que dela derivam o capitalismo, utilizando-se da burocracia, só pode apresentar-se como capitalismo de Estado, como domínio aparentemente “político” e “arbitrário” do capital total sobre as suas frações individuais e uma ação “paternal” sobre o proletariado. Uma “bonapartização” da economia. Fazem isso tanto regimes burgueses democráticos (políticas econômicas do tipo keynesianas, as nacionalizações, etc) como autoritários.


Por sua vez, o stalinismo e a socialdemocracia implantaram, na esfera econômica, apenas um “capitalismo de Estado”. Respectivamente, com uma estatização maior (quase, mas não total, e que não quer dizer automaticamente “socialização”) ou menor da economia, permitindo a manutenção das relações econômicas capitalistas em seu interior e um controle burocrático estatal da administração da produção. Nahuel Moreno (1982) lembra que se mantiveram na URSS as relações de distribuição capitalistas apesar da mudança nas relações de propriedade.


Consistindo assim, num freio, ou não-conclusão, da revolução econômico-social em curso (socialização geral da produção social), iniciada com a expropriação da grande burguesia. Limitando-se a estatização do grande capital, a coletivização do campo, planejamento estatal e o monopólio do comércio exterior. Porém, deixando seus desdobramentos naturais e necessários da expropriação inconclusos - as demais medidas de socialização consciente da produção social - como a socialização do trabalho abstrato (mecanização, tecnificação e integração total do aparato e dos processos produtivos), a gestão democrática operária da produção e a planificação e integração mundial das economias.


Pelo lado social-democrata, foi consequência do consciente ato de impedir, revogar ou frear a revolução político-social e bloquear a revolução econômico-social, impedindo assim a transformação da forma do Estado burguês para o proletário. Único tipo de Estado que requer a efetivação da revolução econômica-social, não apenas na estatização parcial da economia, mas na expropriação de toda grande burguesia e no início da socialização geral.


Muito embora implantem parcialmente os vários aspectos da revolução econômico-social, desde que não alterem o caráter do Estado e da propriedade. Essa "indolência" é uma decorrência do reflexo a sua base social, advinda da pequena-burguesia, das burocracias empresarial, estatal e sindical-partidária e da aristocracia operária, francamente dependentes do capitalismo monopolista de Estado, e, não menos importante, da própria influência forte da grande burguesia sobre si (através do financiamento eleitoral, suborno, cooptação ideológica, etc).


Assim fica a pergunta, o limite do capital reside no próprio capital? O marxismo sempre apreendeu a importância da crise econômica para a deflagração dos processos revolucionários. Mas poucos marxistas compreenderam, investigaram ou destacaram o inverso, o peso dos processos revolucionários ou da luta proletária de maneira geral para o aparecimento e desenvolvimento das crises econômicas.


Durante as crises o proletariado sofre uma ampliação ou aprofundamento dos ataques às suas condições de vida - salário, emprego, acesso a bens e serviços, serviços públicos, direitos, etc, - provocada pela tentativa da burguesia de transferir-lhe suas perdas. Assim, por um lado, as massas proletárias sobre essa circunstância histórica tornam-se sensíveis ao programa e a agitação socialista - está fragilizada sua consciência burguesa, isto é, pró-sistema – e, também, põe-se à disposição a agir contra o capital e a burguesia.


Por outro lado, a educação revolucionária das massas dá-se em geral pela experiência obtidas nas ações que foi obrigada a realizar para sobreviver (vir a ter ou manter condições de vida razoável), ter que se enfrentar com o capital, assim ganha a percepção, mesmo que não totalmente clara ou restrita a alguns segmentos mais à frente da luta (a vanguarda), que a superação das difíceis condições de vida existentes, e pioradas pela crise, só se dá por modificações na estrutura social, na derrota parcial e mesmo definitiva da burguesia para o proletariado, do capital para o trabalho.


Dessa maneira a crise é condição importante para a luta proletária, obriga às massas a agir contra o capital e ao agir permite-lhe ganhar consciência da necessidade de romper com a realidade imposta. Entretanto, o fenômeno social da crise, dialeticamente esta também se desenvolve num outro sentido.


A crise é vista pelo marxismo como um ajuste na contradição básico do modo de produção capitalista, a disjunção entre o caráter das forças produtivas (o maquinário, as instalações, as técnicas, o capital humano, etc), cada vez mais coletivas, sociais, e a manutenção das relações de produção ainda com caráter do capitalismo (a apropriação, planejamento e gestão privada da produção, isto é, dentro do marco da propriedade privada e da relação salarial), decorrência do desenvolvimento do capital. Que acaba tendo o papel de “estruturante” básico da economia e da sociedade capitalista, modificando e constituindo as várias estruturas do aparelho econômico e as demais estruturas sociais. O capital acaba tendo dificuldade de valorizar-se, de apropriar trabalho, sua causa existencial, que por sua vez, interrompe o processo de acumulação/valorização do capital ou restringindo-o.


O proletariado, sua luta, limita a ação do capital ou impõe restrições a sua ação mais ampla e livre, logo conseqüentemente da acumulação/valorização, por um lado, e por outro, obriga ao capital a desenvolver as forças produtivas, a organizar e estruturar a economia, mas também a superestrutura (o Estado, as outras instituições e as ideologias, que por sua vez traz consigo impostos, regulamentos, interferência administrativa, impedimentos morais, etc, que interferem no livre curso do mercado), para resolver as limitações.


É esse desenvolvimento que por sua vez gera a não correspondência mencionada acima entre forças produtivas e relações de produção. Assim a luta proletária, nesse aspecto, é a causadora das crises. Apesar disso, diferentemente do que se pode apreender com as conclusões acima, o limite do capital está no próprio capital.


A crise não se dá por uma redução na taxa de lucro, dada pela luta de classe, e ao patamar dessa, como pregam os neoricadianos. Essa escola econômica, dos quais muitos se reivindicam marxistas, ou melhor, sraffiano, seguidores de Piero Sraffa. Reavivam o pensamento do economista clássico David Ricardo (o mesmo que Marx se inspirou e criticou na chamada “crítica à economia política”), resolvendo as deficiências teóricas através de uma saída algébrica e teórica simples: trazendo para uma variável a determinação das demais variáveis da economia, como preços e salários, que faz com que quando há crise, isto é, quando os preços não consigam ser vendidos ao patamar que desejavam capitalistas, o que lhes obriga a diminuir o volume da produção ou a parar de aumentá-la, é porque houve uma queda na taxa de lucro, e, por outro lado, essa taxa é determinada extra-economicamente, isto é, não no plano econômico, mas no político.


Nem como afirma outra escola contemporânea, o regulacionismo com base no mesmo princípio, reivindicam-se marxistas, mas ao invés do que faz os neoricadianos, concebem a fonte da crise nas amarras que a regulação dada pelas estruturas econômicas e sociais, principalmente institucionais, no processo produtivo, que interferem na taxa de lucro.


Mas a luta proletária, na verdade, obriga o capital a responder, desenvolvendo o próprio capital, e a superestrutura capitalista de apoio (o Estado, as demais instituições e mesmo as ideologias). O que lhe leva a uma “sinuca de bico”, pois esse desenvolvimento leva a contradição básica do capitalismo, manifestando-se na redução continuada e cíclica da taxa de lucro dada pela substituição do trabalho vivo pelo morto (de trabalhador pela máquina, que por sinal não gera mais-valia) ou ampliação desmesurada do aparelho produtivo, e mesmo da capacidade de produção sem a mesma de gerar mais-valia, em suma uma tendência de queda decrescente da taxa de lucro (TQDTL), e, também, de instituições ou de instrumentos incompatíveis com a livre ação do capital, que acabam contribuindo como essa mesma tendência.


A luta proletária é em suma uma resposta ao ataque do capital sobre o trabalho a fim de explorá-lo ou mesmo, sob necessidades circunstanciais, de sobre-explorar-lhe. Por sua vez, para ser e na tentativa de manter esse estado de coisas o capital desenvolve-se, e é este desenvolvimento que gera a crise. Assim o limite do capital reside no próprio capital.


Muito embora resida no outro polo, o trabalho, ou no seu desenvolvimento (a luta proletária e outras formas mais sutis de resistência), a dimensão, a definição da largura, o alcance desse limite.


E esse círculo só é rompido pela iniciativa consciente do proletariado que rompe e supera as estruturas capitalistas - a revolução socialista. Assim, o fim das crises definitivamente passa pela vitória do proletariado, pela derrota do capital e o controle da sociedade pelo trabalho.


Aos marxistas cabe entender a lição de Karl Marx e Friedrich Engels, que muito embora o limite do capital reside apenas no próprio capital, a preparação da luta proletária organizada e instigada não deve esperar o momento da crise e sim que esta força os limites do capital, gera crise. É preciso estar preparado e preparar continuamente a classe para tais tarefas.


A vitória neste confronto dependerá do nível de consciência e organização acumulados no passado pelos trabalhadores. A sua fraqueza demonstrará a capacidade do capital em iniciar um novo ciclo de expansão, nomeadamente se houver cedência aos interesses do patronato, apoiado pela intervenção de classe do Estado. Este confronto dependerá também do grau de consciência, organização do movimento dos trabalhadores e ligação dos partidos revolucionários às massas trabalhadores. Mesmo agora e especialmente agora, a superação da crise econômica mundial passa que os trabalhadores assumam a direção do desenvolvimento da sociedade.



O equilíbrio dinâmico nas três esferas sociais


Trótski apresenta o conceito de equilíbrio dinâmico do capitalismo, a reação de equilíbrio nas três esferas sociais: (i) a esfera das relações econômicas, (ii) a esfera das relações políticas ou da luta de classe e (iii) a esfera das relações interestatais ou internacionais. Portanto, crise é o desequilíbrio nas três esferas, e lembra que o Capitalismo constrói e reconstrói esse equilíbrio, num processo contínuo.

“O equilíbrio capitalista é um fenômeno complicado; o regime capitalista constrói esse equilíbrio, o rompe, o reconstrói e o rompe outra vez, alargando, de passo, os limites de seu domínio. Na esfera econômica, estas constantes rupturas e restauração do equilíbrio tomam a forma de crises e booms. Na esfera das relações entre classes, a ruptura do equilíbrio consiste em greves, em lockout, em luta revolucionária. Na esfera das relações entre estados, a ruptura do equilíbrio é a guerra, ou bem, mais solapadamente, a guerra das tarifas alfandegárias, a guerra econômica ou bloqueio. O capitalismo possui então um equilíbrio dinâmico, o qual está sempre em processo de ruptura ou restauração. Ao mesmo tempo, semelhante equilíbrio possui grande força de resistência; a prova melhor que temos dela é que ainda existe o mundo capitalista.” (“A Situação Mundial”)

“O equilíbrio capitalista está determinado por fatos, fenômenos e fatores múltiplos: de primeira, segunda e terceira categoria. O capitalismo é um fenômeno mundial. Tem conseguido dominar o mundo inteiro, como podem observar durante a guerra: quando um país produz demais, sem ter mercado que consumisse suas mercadorias, enquanto que outro necessitava produtos que lhe eram inacessíveis. Naquele momento, a interdependência das diferentes partes do mercado mundial se fazia sentir em toda situação. Na etapa alcançada antes da guerra, o capitalismo estava baseado na divisão internacional do trabalho e no intercâmbio internacional dos produtos.

(...) Sem dúvida, esta divisão do trabalho não é sempre a mesma, não está sujeita a regras. Estabeleceu-se historicamente, e às vezes se tumultua por crises, competições e tarifas. Mas, em geral, a economia mundial se funda sobre o fato de que a produção do mundo se reparte, em maior ou menor proporção, entre diferentes países. (...)

Em cada país, a agricultura provê à indústria com objetos de primeira necessidade para os operários e com bens para a produção (matérias-primas); por sua vez, a indústria provê ao campo objetos de uso pessoal e doméstico, assim como de instrumentos de produção agrícola. Deste modo se dá estabelecida certa reciprocidade. No interior da mesma indústria assistimos a fabricação de instrumentos de produção e a fabricação de objetos de consumo, e entre estes dois ramos principais da indústria se estabelece certa interação a qual passa por constantes rupturas para ser reconstruída sobre novas bases.

(...) Há que considerar, ademais, o equilíbrio das classes baseado sobre o da economia nacional. No período anterior a guerra, existia uma paz armada, não somente no que se refere às relações internacionais senão - em grande escala - em quanto se referia a burgueses e ao proletariado, graças a um sistema de acordos coletivos referente aos salários; sistema levado a cabo pelos sindicatos centralizados e o capital industrial, a sua vez se centralizando mais e mais.

(...) Mais tarde se aborda a questão do equilíbrio internacional, isto é, da coexistência dos Estados capitalistas, sem a qual, evidentemente, a reconstrução da economia capitalista se faz impossível.” (Ibidim.)


Boom e crise e desenvolvimento


Trotski fala também da relação entre os ciclos econômicos e o desenvolvimento capitalista e a ligação dialética entre crise e boom. As oscilações econômicas marcam em se um processo contínuo e característico do próprio funcionamento, natureza e desenvolvimento do Capitalismo como sistema. Os momentos de crise assim como o boom não são momentos que mostram que o Capitalismo ou que caminha para seu fim ou também que é um sistema equilibrado, ou que terá uma vida eterna.

A crise apenas mostra que as contradições inexoráveis do desenvolvimento do sistema capitalista não foram superadas, e que a dinâmica típica do Capitalismo é a oscilação periódica provocada pelo próprio processo de acumulação de capital, que tem seu auge no período de boom.

Fala aqui também da ideia de “curva de desenvolvimento capitalista” que irá desenvolver em um outro trabalho esse título, onde apresenta que a dinâmica do capitalismo é um processo de longo termo onde o desenvolvimento seria a dinâmica de longo prazo, o resumo e acúmulo das contradições e das forças produtivas constituídas ao longo da sucessão de crises e booms.

“(...) Em efeito, o capitalismo vive por crises e booms, assim como um ser humano vive para inalar e exalar. Primeiro há um boom na indústria, logo uma paralisação, logo uma crise, seguida por uma paralisação na crise, logo uma melhora, outra paralisação, e assim continua.

A alternância das crises e os booms, com todos seus estados intermediários, constituíram um ciclo ou um dos grandes ciclos do desenvolvimento industrial. Cada ciclo abarca um período de oito, nove, dez, onze anos. Se estudamos os cento e trinta e oito últimos anos percebemos que a este período corresponde dezesseis ciclos. A cada ciclo corresponde, em consequência, pouco menos de nove anos: oito anos e cinco oitavos. Por razão de suas contradições interiores, o capitalismo não se desenvolve em linha reta, senão de maneira ziguezagueante: ora se levanta, ora caí. É precisamente este fenômeno o que permite dizer aos apologistas do capitalismo: “Desde que observamos após a guerra uma sucessão de booms e crises, se desprende que todas as coisas estão trabalhando juntas para o melhor do capitalismo.” Sem dúvida a realidade é outra. O fato que o capitalismo continue oscilando ciclicamente após a guerra indica, sensivelmente, que ainda não está morto e que, todavia não nos enfrentamos com um cadáver. Até que o capitalismo não seja vencido por uma revolução proletária, continuará vivendo em ciclos, subindo e baixando. As crises e os booms são próprios do capitalismo desde o dia de seu nascimento; acompanharam-lhe até a tumba. Mas para definir a idade do capitalismo e seu estado geral, para estabelecer se ainda está desenvolvendo-se, ou se já está maduro, ou se está em decadência, um deve diagnosticar o caráter dos ciclos, tal como se julga o estado do organismo humano, segundo o modo como respira: tranquilo ou entrecortadamente, profundo ou suave, etc.

O fundo mesmo deste problema, camaradas, pode ser apresentado da seguinte maneira: tomemos o desenvolvimento do capitalismo (o progresso em a extração do carbono, a fabricação de telas, a produção do ferro, a fundição, o comércio exterior, etc.) nos últimos cento trinta e oito anos, e representamos-lhe por uma curva. Se nos movimentos desta curva, nós expressamos o curso real do desenvolvimento econômico, encontraremos que esta curva não oscila fazendo acima em um arco ininterrupto, senão em ziguezagues, curvando-se fazendo acima e fazendo abaixo em correspondência com os respectivos booms e crises. Então, a curva do desenvolvimento econômico é um composto de dois movimentos: um, primário, que expressa o crescimento ascendente do capitalismo; e outro, secundário, que corresponde às oscilações periódicas constantes, reativas aos dezesseis ciclos de um período de cento e oito anos. Nesse tempo, o capitalismo tem vivido aspirando e expirando de maneira diferente, segundo as épocas. Desde o ponto de vista do movimento de base, é dizer, desde o ponto de vista do progresso e decadência do capitalismo, a época de 138 anos [133, incorreto no original em inglês] pode dividir se em cinco períodos: de 1781 a 1851, o capitalismo se desenvolvimento lentamente, a curva sobe penosamente; depois da revolução de 1848, que alarga os limites do mercado europeu, assistimos a um ponto de ruptura. Entre 1851 e 1873, a curva sobe de golpe. Em 1873, as forças produtivas desenvolvidas chocam com os limites do mercado. Produz-se um pânico financeiro. Em seguida, começa um período de depressão que se prolonga até 1894. As flutuações cíclicas têm lugar durante este tempo; mas a curva básica cai ao mesmo nível, aproximadamente. A partir de 1894 começa um novo boom capitalista até a guerra, quase, a curva sobe com vertiginosa rapidez. Ao fim, o fracasso da economia capitalista no curso do quinto período tem efeito a partir de 1914.

Como se combinam as flutuações cíclicas com o movimento primário? Claramente se vê que, durante os períodos de desenvolvimento rápido do capitalismo, as crises são breves e de caráter superficial, porém que as épocas de boom, são prolongadas. No período de decadência, as crises duram longo tempo e os êxitos são momentâneos, superficiais, e estão baseados na especulação. Nas horas de estancamento, as oscilações se produzem ao redor de um mesmo nível.

Este aqui, pois, como se determina o estado geral do capitalismo, segundo o caráter particular de sua respiração e de seu pulso.” (Ibidim. Págs. 9-10)


Crises, boom e revolução


Há uma reação recíproca entre crise e boom não apenas na economia como também no desenvolvimento da luta revolucionária. Para Trotsky a reação entre as crises e a revolução é recíproca, mas numa dialética diferente da que a maioria da militância socialista supõe ou mesmo o socialismo vulgar sustenta.

As crises favorecem o aparecimento da revolução, mas não a engendram, muito menos automaticamente. No boom a imprensa burguesa e os especialistas econômicos celebram os êxitos da reabilitação econômica e a perspectiva de um novo período de estabilidade capitalista, por outro lado, esse êxito do Capitalismo tem tão pouca base como os temores complementares dos “esquerdistas”, que pensam que a revolução deve surgir do agravamento ininterrompido das crises.

“A reação recíproca entre o boom e a crise na economia e o desenvolvimento da revolução é de grande interesse para nós não só desde o ponto de vista da teoria, mas sim desde o prático. Muitos de vocês recordam que Marx e Engels, escreveram em 1851 (quando o boom estava em seu auge), que era necessário reconhecer em esse momento que a revolução de 1848 havia terminado ou ao menos havia sido interrompida até uma nova crise. Engels escreveu que a crise de 1847 era a mãe da revolução e que o boom de 1849-1851 havia favorecido a marcha vitoriosa da contrarrevolução. Apesar de tudo, seria sem dúvida, falso e injusto interpretar estas conclusões no sentido de que uma crise invariavelmente engendra uma ação revolucionária e que os booms, em troca, pacificam a classe operária. A revolução de 1848 nasceu da crise; esta não lhe prestou mais que seu impulso. Em realidade, a revolução foi provocada pela contradição entre as necessidades do desenvolvimento capitalista e as cadeias que o Estado político e social semifeudal lhe haviam imposto. A revolução de 1848, parcial e indecisa, apagou sem dúvida os últimos rastros do regime de servilismo e de grêmios e alargou o limite do desenvolvimento capitalista. Unicamente nestas condições pode ser considerado o boom de 1851 como o princípio de um crescimento capitalista prolongado até o ano 1873.” (Ibidim. Pág. 11)

Por outro lado, os booms podem ser momentos de intensificação da luta revolucionária, à medida que recompõe as fileiras operárias pelo aumento de contratados e porque as massas trabalhadoras sentem-se confiantes a reivindicações. Durante os booms o ressentimento das massas acumulado durante a crise é empregado nas lutas. E é durante os booms que as contradições tornam-se mais fortes ou são geradas (até porque durante a crise é quando elas são dissolvidas).

As crises servem de empurrão para as lutas. Mas trazem consigo o desemprego, que quando prolongado, pelo contrário, não fortalece as lutas, em razão do medo e do desespero, abrindo inclusive espaço para as direções ultraesquerdistas ou pelegas.

“Mas um boom é um boom. Isto quer dizer uma crescente demanda de mercadorias, produção em expansão, desemprego que se reduz, preços em ascenso e a possibilidade de salários mais altos. E, nas circunstâncias históricas dadas, o boom não reduzirá senão que pelo contrário agudizará a luta revolucionária da classe trabalhadora. Isto se desprende de todo o anterior. Em todos os países capitalistas o movimento operário após a guerra alcançou seu pico mais alto e logo finalizou, como temos visto, em um fracasso mais ou menos pronunciado e em uma retirada, e na desunião das fileiras operárias. Com estas premissas políticas e psicológicas, uma crise prolongada, ainda que sem nenhuma dúvida pudera aumentado o ressentimento das massas trabalhadoras (especialmente dos desocupados e os subocupados), sem embargo, simultaneamente, pudera ter tendido a debilitar sua atividade, porque esta está intimamente ligada à consciência dos operários de seu rol insubstituível na produção.

O desemprego prolongado a continuação de uma época de ofensivas e retiradas políticas revolucionárias não trabalha em absoluto a favor do Partido Comunista. Pelo contrário, quanto mais tempo perdura a crise, mais ameaça favorecer estados de ânimos anarquistas em uma ala e reformistas em outra. (...)

Pelo contrário, o reanimamento industrial está destinado a aumentar, em primeiro lugar, a confiança em si mesmas das massas trabalhadoras, minada agora pelos fracassos e pela desunião de suas próprias fileiras; forçosamente tenderá a unificar a classe operária nas fábricas e plantas e aumentará o anseio de unidade de ação militante.

Já estamos observando os começos deste processo. As massas trabalhadoras sentem que o terreno se afirma abaixo de seus pés. Estão buscando unir suas fileiras. Sentem claramente que a divisão é um obstáculo para a ação. Se estão esforçando não só para unificar sua resistência à ofensiva que o capital descarregou sobre eles, produto da crise, mas também para preparar uma contra-ofensiva, baseada nas condições do reanimamento industrial. Esta crise foi um período de esperanças frustradas e de ressentimento, quase sempre de ressentimento impotente. O boom, à medida que se desdobra, apresentará uma saída para esses sentimentos em forma de ação.” (Trotski. Fluxos e refluxos: a conjuntura econômica e o movimento operário mundial, 1921. Pág. 5)

Mas também, Trotski mostra que não existe uma interdependência mecânica, senão dialética e complexa, entre a conjuntura e o caráter da luta de classes.

“Um sofista poderia apresentar a objeção de que se nós cremos que o reanimamento industrial ulterior não necessariamente nos levará diretamente a vitória, então começará obviamente um novo ciclo industrial, o qual significa outro passo fará a restauração do equilíbrio capitalista. Nesse caso, não se estaria realmente ante o perigo do surgimento de uma nova época de recuperação capitalista? A isto se poderia contestar assim: Se o Partido Comunista não cresce; se o proletariado não adquire experiência; se o proletariado não resiste em uma forma revolucionária más audaz e irreconciliável; se não consegue passar na primeira oportunidade favorável da defensiva à ofensiva; então a mecânica do desenvolvimento capitalista, com o complemento das manobras do estado burguês, sem dúvida lograria cumprir seu trabalho no longo prazo. Países inteiros seriam lançados violentamente à barbárie econômica; dezenas de milhões de seres humanos pereceram de fome, com desespero em seus corações, e sobre seus ossos seria restaurado algum novo tipo de equilíbrio do mundo capitalista. Mas tal perspectiva é pura abstração. No caminho especulativo para este equilíbrio capitalista, há muitos obstáculos gigantescos: o caos do mercado mundial, o desbaratamento dos sistemas monetários, o domínio do militarismo, a ameaça de guerra e a falta de confiança no futuro. As forças elementares do capitalismo estão buscando vias de escape entre pilhas de obstáculos.” (Trotski. Fluxos e refluxos: a conjuntura econômica e o movimento operário mundial, 1921)


As mudanças ao decorrer dos períodos de estabilidade e a agudeza das contradições sociais


Assim, por sua vez, no período de estabilidade social se desenvolve as contradições sociais, enquanto evolução. As crises são momentos onde as contradições tornam-se inconciliáveis, explodindo. A revolução permite apenas que as contradições sejam superadas parcial ou totalmente, na medida da decorrência do alcance ou sucesso, abrindo espaço para um novo patamar de desenvolvimento, um alargamento dos seus limites das possibilidades do Capitalismo.

Mas a evolução econômica não é um processo automático. Sobre as bases da produção vivem e trabalham os indivíduos e através deles que se faz a revolução. É o domínio das relações entre as classes. No período de calmaria, de prosperidade, desenvolve a acumulação de capital. Desenvolve-se o número de proletários e sua concentração, a organização do capital, tudo se desenvolve. Com ela a riqueza nacional e as rendas nacionais diminuem ao mesmo tempo em que aumenta o número de proletários. Quanto mais se restringe a base material, mais cresce a luta entre as classes e os diferentes grupos pela repartição das rendas nacionais.

“A evolução econômica não é um processo automático. Até aqui tem falado das bases de produção, mas as coisas não param por aqui. Sobre estas bases vivem e trabalham os homens, e é para estes homens para onde a revolução se realiza. Que tem ocorrido no domínio das relações entre os homens, ou melhor dito, entre as classes? Temos visto que Alemanha e certos países da Europa têm sido arrojados, em o que concerne a seu nível econômico, a vinte ou trinta anos atrás. E desde o ponto de vista social, no sentido de classe tem retrocedido também? Em absoluto. As classes, em Alemanha, o número dos operários e sua concentração, a organização do capital, todo se desenvolveu antes da guerra graças à prosperidade dos últimos anos, e este desenvolvimento traz progressos ainda: durante a guerra, a consequência da intervenção do Estado, e depois da guerra a causa da febre de especulação e do acúmulo de capitais. Assistimos a dois processos da evolução econômica: a riqueza nacional e as rendas nacionais diminuem, entretanto o desenvolvimento das classes aumenta. O número de proletários aumenta, os capitais se concentram em cada vez menos mãos, os bancos se fundem, as empresas industriais se concentram em trustes. Todo o qual determina que se faça inevitável a luta de classes, cada vez mais aguda, como resultado da redução das rendas nacionais. Quanto mais se restringe a base material, mais crescerá a luta entre as classes e os diferentes grupos pelo reparto das rendas nacionais. Não há que esquecer nunca desta circunstância.” (A Situação Mundial)


A dinâmica do desenvolvimento capitalista e a revolução proletária


As forças elementares do Capitalismo sempre procuram rotas alternativas para contornar os obstáculos do sistema, porém, por um lado, são essas mesmas forças que impulsionam a classe trabalhadora adiante, e por outro, a própria classe é um fator de desenvolvimento, e inclusive seu mais importante.

“As forças elementares do capitalismo estão buscando vias de escape entre pilhas de obstáculos. Mas estas mesmas forças elementares fustigam a classe trabalhadora e a impulsionam para adiante. O desenvolvimento da classe trabalhadora não cessa, inclusive quando esta retrocede. Porque, enquanto perde posições, acumula experiência e consolida seu partido. Marcha para frente. A classe trabalhadora é uma das condições do desenvolvimento social, um dos fatores deste desenvolvimento, e por sobre todas as coisas seu fator mais importante, porque personifica o futuro.” (Trotski. Fluxos e refluxos: a conjuntura econômica e o movimento operário mundial, 1921)

Há nesse sentido, a respeito da luta de classe, de seu elemento político uma importância central no processo de desenvolvimento econômico, uma espécie de “primazia da política”, à medida que a luta política do proletariado, incluindo o partido, suas táticas, etc., estabelece a margem ao reanimamento ou estrangulação do Capitalismo, determinando assim o movimento das flutuações do desenvolvimento industrial, ao impor limites à acumulação e/ou estabilidade capitalista.

“A curva básica do desenvolvimento industrial está buscando rotas para cima. O movimento se torna complexo pelas flutuações cíclicas, que em lãs condições de pós-guerra se parecem mais a espasmos. É naturalmente impossível prever em que ponto do desenvolvimento se produzirá uma combinação de condições objetivas e subjetivas tais como para produzir um câmbio revolucionário. Tampouco é possível prever se isto ocorrerá no curso do atual reanimamento, em seu começo, ou para seu fim, ou com a chegada de um novo ciclo. É suficiente para nós compreender que o ritmo do desenvolvimento depende em grande medida de nós, de nosso partido, de suas táticas.” (Trotski. Fluxos e refluxos: a conjuntura econômica e o movimento operário mundial)


A situação revolucionária e o papel do Partido


A situação revolucionária é uma situação conjuntural, onde vários fatores atuam conjuntamente, mas é muito circunstancial.

“Uma situação revolucionária, no sentido especial da palavra, é uma situação muito concreta. Surge da interseção de todo um conjunto de fatores: uma situação econômica crítica, uma agudização das reações entre as classes, um estado de ânimo combativo entre os trabalhadores, incerteza dentro da classe dominante, um estado de ânimo revolucionário dentro da pequena-burguesia, uma situação internacional favorável para a revolução, etc. Em sua própria essência, uma situação que pode e deve madurar, e então se manterá só durante certo tempo. Não pode durar eternamente.

Se não é utilizada estrategicamente, começará a desintegrar-se. (...)” (Trótski. Sobre a questão da “Estabilização” da Economia Mundial, 1925)

Trótski fala também do aproveitamento da situação de desequilíbrio pelos revolucionários. Para ele o perigo para a revolução não está na recuperação econômica capitalista, mas sem que o partido revolucionário não esteja preparado aos desafios e/ou a classe não esteja organizada.

“(...) A situação econômica européia, apesar de todas suas melhoras, segue sendo terrivelmente crítica. Nos anos futuros suas contradições vão assumir um caráter profundamente mais agudo. Pelo tanto, em reação com, digamos, Inglaterra, o problema de a revolução consiste sobre todo em se fará o tempo suficiente para que o partido comunista se forme, se prepare e desenvolva laços estreitos com a classe operária antes de que chegue o momento, como sucedeu em Alemanha de 1923, quando a situação revolucionária se viu tão aguda que exige uma ofensiva decidida. Em minha opinião, isto se refere também a toda Europa. Qualquer perigo não virá da consolidação de uma estabilização na Europa, do renascimento das forças econômicas capitalistas, baixo as quais a revolução seria proposta para um futuro distante. Não, o perigo é que a situação revolucionária pode progredir tão rapidamente e em forma tão aguda que os partidos comunistas não tiveram tempo suficiente de formar se devidamente. Toda nossa atenção deve estar enfocada sobre esta questão. Assim é como toda a situação européia, em geral e de conjunto, se me aparece a mim.” (Ibidim)


“Calmaria”, revolução e o partido


A conclusão é que a caracterização de uma situação de boom econômico pode oferecer um prognóstico bom para a luta revolucionária, ao invés do que pensam muitos esquerdistas. E o inverso, pode ser muito ruim. Ruim porque as massas estão tão imersas na luta pela sobrevivências ou derrotadas economicamente que isso se reflete em derrota política, ou na incapacidade de se pôr em mobilização. Ou mais, ruim inclusive, mesmo em situação revolucionária, à medida que o partido revolucionário pode não estar à altura dessa situação.

A tarefa das organizações da classe trabalhadora, especialmente o partido revolucionário, é detectar as fontes e a profundidade da agudeza das contradições sociais que seriam fontes da revolução, e investir que a luta vá nessa direção, nesse sentido; e quando a luta de classe se desenrola regular, aproveitar as possibilidades nos momentos decisivos.

“A tarefa do Partido Comunista consiste em captar a situação existente em sua totalidade, participar ativamente na luta empreendida pela classe operária, a fim de conquistar, durante tal luta, a maioria desta classe. Se a situação em qualquer país se faz extremamente crítica, estamos obrigados a enfocar as questões fundamentais da maneira mais intransigente e a combater no estado em que os acontecimentos nos encontram. Sem dúvida, se os acontecimentos se desenvolvem de modo regular, devemos aproveitar todas as possibilidades para ter com nós a maioria da classe operária antes dos acontecimentos decisivos.” (“A Situação Mundial”)

Quando a situação for de crise, os comunistas devem organizar as lutas. Transformar a contraofensiva do capital em ofensiva contra ele.

“(...), durante a luta econômica defensiva determinada pelas crises, os comunistas devem desempenhar um papel muito ativo em todos os sindicatos, em todas as greves e ações, em todos os movimentos, sempre mantendo sua unidade interna inquebrável em seu trabalho, e sempre dando um passo a frente como a aa mais resoluta e melhor disciplinada da classe operária. A luta econômica defensiva pode estender-se como resultado do curso das crises e dos giros na situação política, arrastando novas frações da classe operária, da população e do exército de desocupados, e depois de ter-se transformado, em certo momento, em luta revolucionária ofensiva, pode ser coroada com a vitória. Para tal fim devem tender todos nossos esforços.” (Ibidim)

Quando a situação econômica for de melhora, lembrar que a luta revolucionária não se detém indefinidamente. E que com as condições criadas constantemente pelo Capitalismo, de agudização das contradições e de geração de outras, um novo ascenso econômico não pode ser prolongado nem profundo. Mas em tais condições “um boom temporário não pode menos que fortalecer a autoconfiança da classe operária, e fundir suas fileiras não só nas fábricas senão também em suas lutas, dando impulso não só a sua contraofensiva econômica senão também a sua luta revolucionária pelo poder” (Ibidim). Isto é, esta situação também é favorável, ainda que mais complexa.

Porém, o mais importante é saber que não se obtém vitórias automaticamente. É preciso, como escreveu Trótski, fundador do Exército Vermelho, agir como o inimigo burguês, com o "pés no chão", à medida que, ele é forte e conhece nossos flancos fracos. Exige cálculos frios e um entusiasmo, não-delirante ou impressionista, que espera que a revolução brote a qualquer momento, sem a necessidade de ser “cultivada”, e que somente de uma grande crise a solução se apresentasse. É preciso aprender com as experiências revolucionárias do passado, sobretudo em seus erros e fracassos. E por fim, a luta revolucionária exige que se leve em conta a peculiaridade de cada situação.

A situação mundial e as perspectivas futuras no desenvolvimento capitalista sempre são profundamente revolucionárias - apesar de brevíssimos períodos contrários, que apenas confirmam a regra. Isto cria as premissas objetivas necessárias para a vitória da revolução proletária socialista. Contudo, somente as táticas hábeis e uma poderosa organização pode dar a garantia plena disso.



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