quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

'Por que não festejo o Natal, e sim o "Primeiro do Ano" ', por Mário Maestri


O artigo selecionado e publicado a seguir é um texto enviado por nosso amigo Carlos Alberto Serrano, sociólogo, sindicalista e editor do blog Catalunya Brazil.  São palavras de crítica ao Natal - e ao que representa e passou a representar -, mas também de esperança, de ligação com o que há de belo em seu simbolismo. São palavras cheias de certo anti-cristianismo, de uma compreensão anti-religiosa. Porém, apesar disso (é talvez justamente por isso) de um profundo humanismo. E de resgate do verdadeiro sentido do Natal e das festas de fim-de-ano, que são anteriores ao próprio aparecimento do Natal moderno ou mesmo do Natal tradicional.

Leia as palavras de Mário: "Não festejo o Natal porque, desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados. ...Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança."

Com esse artigo desejamos um feliz Natal e Ano-Novo aos nossos leitores, companheiros e amigos. Ou melhor: um feliz Primeiro do Ano, ao lado da família e amigos, e que 2010 seja um ano de realizações plenas e boas a todos. Que superemos os limites da vida e transformemos positivamente a realidade.

***
Por que não festejo e me faz mal o Natal*

Dezembro 24, 2009 - por Mário Maestri**

Não festejo e me faz mal o Natal por diversas razões, algumas fracas, outras mais fortes. Primeiro, sou ateu praticante e, sobretudo, adulto. Portanto, não participo da solução fácil e infantil de responsabilizar entidade superior, o tal de “pai eterno”, pelos desastres espirituais e materiais de cuja produção e, sobretudo, necessária reparação, nós mesmos, humanos, somos responsáveis.

Sobretudo como historiador, não vejo como celebrar o natalício de personagem sobre o qual quase não temos informação positiva e não sabemos nada sobre a data, local e condições de nascimento. Personagem que, confesso, não me é simpático, mesmo na narrativa mítico-religiosa, pois amarelou na hora de liderar seu povo, mandando-o pagar o exigido pelo invasor romano: “Dai a deus o que é de deus, dai a César, o que é de César”!

O Natal me faz mal por constituir promoção mercadológica escandalosa que invade crescentemente o mundo exigindo que, sob a pena da imediata sanção moral e afetiva, a população, seja qual for o credo, caso o tenha, presenteie familiares, amigos, superiores e subalternos, para o gáudio do comércio e tristeza de suas finanças, numa redução miserável do valor do sentimento ao custo do presente.

Não festejo e me desgosta o Natal por ser momento de ritual mecânico de hipócrita fraternidade que, em vez de fortalecer a solidariedade agonizante em cada um de nós, reforça a pretensão da redenção e do poder do indivíduo, maldição mitológica do liberalismo, simbolizada na excelência do aniversariante, exclusivo e único demiurgo dos males sociais e espirituais da humanidade.

Desgosta-me o caráter anti-social e exclusivista de celebração que reúne egoísta apenas os membros da família restrita, mesmo os que não se freqüentaram e se suportaram durante o ano vencido, e não o farão, no ano vindouro. Festa que acolhe somente os estrangeiros incorporados por vínculos matrimoniais ao grupo familiar excelente, expulsos da cerimônia apenas ousam romper aqueles liames.

Horroriza-me o sentimento de falsa e melosa fraternidade geral, com que nos intoxica com impudícia crescente a grande mídia, ano após ano, quando a celebração aproxima-se, no contexto da contraditória santificação social do egoísmo e do individualismo, ao igual dos armistícios natalinos das grandes guerras que reforçavam, e ainda reforçam – vide o peru de Bush, no Iraque – o consenso sobre a bondade dos valores que justificavam o massacre de cada dia, interrompendo-o por uma noite apenas.

Não festejo o Natal porque, desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados.

Por tudo isso, celebro, sim, o Primeiro do Ano, festa plebéia, hedonista, aberta a todos, sem discursos melosos, celebrada na praça e na rua, no virar da noite, ao pipocar dos fogos lançados contra os céus. Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança.

(*) Publicado em La Insignia [  http://www.lainsignia.org ]
(**) Historiador e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF, RS.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Haiti


Bela imagem tirada pela equipe da Conlutas que visitou recentemente o Haiti, país ocupado por tropas da ONU e do Brasil. Apesar da pobreza e da opressão, existe esperança, é só olhar na olhos de uma criança.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Ativista hondurenho da comunidade LGTB é assassinado

O ativista político hondurenho Walter Orlando Tróchez, de 27 anos, foi assassinado no último dia 13, ao receber dois disparos no Centro de Tegucigalpa, capital de Honduras. A informação é do Centro de Investigação e Promoção dos Direitos Humanos (Ciprodeh). Tróchez atuava pelos direitos da comunidade gay, lésbica, transexual e bissexual, além de ser membro ativo da Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado.

A poucos dias, o ativista havia sido vítima de golpes brutais, tortura e tentativa de sequestro por supostos membros da Direção Nacional de Investigação Criminal (DNIC). Eles o "interceptaram e subiram em um veículo tipo pick up, de cor cinza e sem placas, enquanto lhe golpeavam e interrogavam, solicitando informação sobre os líderes da resistência e seus movimentos", afirmou o Ciprodeh.

"Desafortunadamente, seu assassinato vem evidenciar a falta de proteção à integridade e à vida dos defensores de direitos humanos por parte das autoridades policiais e judiciais, que têm se comportado de forma negligente e a favor do regime repressivo", disse o Ciprodeh, em referência ao golpe de Estado que depôs e expulsou do país o presidente Manuel Zelaya, em 28 de junho.

Segundo a entidade, até hoje Honduras já soma 41 mortes, vítimas da repressão e perseguição política do governo provisório de Roberto Micheletti. Entre esses, registram-se 16 assassinatos somente de membros e ativistas da comunidade LGTB.

Em comunicado enviado há um mês, a Associação LGTTB Arcoiris e o Coletivo TTT da Cidade de San Pedro Sula denunciaram o incremento dos crimes de ódio e homofobia contra a comunidade LGTTB desde o golpe de Estado.

"Desde o último dia 29 de junho […] se incrementaram os crimes de ódio e homofobia, [...] que põem mais uma vez em evidência os altos níveis de ódio, estigma e discriminação contra pessoas da diversidade sexual, o que chamamos de homofobia, lesbofobia, bifobia e, principalmente, transfobia", disseram.

Como promotores desses crimes, as entidades citaram a Cúpula Religiosa Hondurenha em cumplicidade com "grupos opressores" como as Forças Armadas, a Secretaria Nacional de Segurança, a empresa privada e os grupos Próvida e Opus Dei.

Adital

Fontes:

Andes/SN
www.conlutas.org.br

sábado, 12 de dezembro de 2009

Manifestação pelo clima em Copenhague leva multidão às ruas

Manifestação pelo clima em Copenhague leva multidão às ruas e termina com 600 presos
- Por Carolina Ribeiro Pietoso, de Copenhague

Cerca de 40 mil manifestantes marcharam pelas frias ruas da capital dinamarquesa de Copenhague neste sábado e 600 pessoas foram detidas, durante uma passeata que exigia a assinatura de um acordo climático global ambicioso. A estimativa é da polícia local. Já os organizadores do protesto afirmaram que 100 mil pessoas participaram da marcha, que teve início às 14h (11h, horário de Brasília).

Segundo a enviada do iG a Copenhague, Carolina Ribeiro Pietoso, alguns fatos isolados de violência foram registrados, mas a manifestação ocorreu de forma tranquila.

"Houve lançamento de pedras e, ao mesmo tempo, as pessoas estavam colocando máscaras", justificou o porta-voz da polícia, Rasmus Bernt Skovsgaard. "Decidimos realizar prisões preventivas para dar aos manifestantes pacíficos a possibilidade de continuar".

Em uma das ocorrências mais graves, um grupo de 400 pessoas vestidas de preto enfrentou a polícia e quebrou vitrines no centro da cidade. O fato foi registrado menos de meia hora após a saída da manifestação. Os jovens estavam com foices e martelos e também lançaram latinhas de gás.

A manifestação, apoiada por mais de 500 organizações de 67 países, saiu da praça do Parlamento com direção ao centro de convenções, onde acontece a conferência promovida pela ONU, que termina no próximo dia 18. A marcha percorreu cerca de 6 km.

- "Não há Plano B"

A reportagem do iG conversou com alguns manifestantes, que reforçaram a urgência dos governos e sociedade em atuar na defesa pelo clima. Todos destacam que "não há Plano B".

"A polícia fez muito alarde durante esta semana para tentar retratar os manifestantes como criminosos. Mas nós somos pessoas da paz. Viemos aqui porque acreditamos que apenas por meio da união a raça humana conseguirá sobreviver a problemas que ela mesma criou", afirmou a estudante Camile Reault, de 24 anos. Ela veio da França por acreditar que o momento é histórico e exige ação coletiva.

"Eu acredito em anarquia. Por mim, a gente quebrava tudo porque, infelizmente, só assim se consegue atenção. E os políticos estão aqui para falar em dinheiro, enquanto nós estamos aqui para falar do planeta e da vida humana", afirmou o inglês Robert Cunningham, de 38 anos, que participa de todos os grandes protestos que acontecem no mundo, seja qual for a causa.

"Eu sou a natureza. Eu sou o clima. Por isso estou aqui para defender minha existência", afirmou a chinesa Wuan Quo Jin, de 27 anos.

- Semana decisiva

Ministros de Meio Ambiente de todo o mundo estão chegando neste sábado à conferência e terão alguns dias para trabalhar num acordo, antes que mais de 100 chefes de Estado e governo cheguem à capital dinamarquesa, o que deve ocorrer no final da próxima semana.

Por enquanto, as promessas de redução de gases de efeito estufa estão muito abaixo do que os cientistas dizem ser necessário para evitar que as temperaturas subam para níveis potencialmente catastróficos.

Um acordo preliminar foi apresentado na sexta-feira, mas ele não traz números específicos sobre o financiamento, diz apenas que todos os países juntos devem reduzir as emissões entre 50% e 95% até 2050, e que países ricos devem diminuir as emissões entre 25% e 40% até 2020, tomando como base, em ambos os casos, os níveis de 1990. O rascunho deixa em aberto a forma de acordo, que poderia vir sob a forma de um documento legal ou de uma declaração política.

Segundo a Agencia Reuters,pelo menos 30 mil pessoas seguem em marcha pelo clima

Ian Fry, representante da pequena ilha de Tuvalu, localizada no Oceano Pacífico, fez um apelo emocionado em favor de um formato mais forte, que legalmente obrigue todos os países a se comprometerem com o controle das emissões.

Ele pediu ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que aproveite o Prêmio Nobel da Paz recebido esta semana e assuma a luta contra a mudança climática, que chamou de "a maior ameaça para a humanidade".

Todd Stern, enviado especial dos EUA para a conferência, disse que o texto do acordo apresentado ontem é "construtivo", mas destacou que a seção sobre a ajuda aos países pobres é "desequilibrada". Ele disse que as exigências sobre os países industrializados são mais rígidas do que as dos países em desenvolvimento e que a seção "não é base para negociações".

Avanço pequeno

Grupos ambientais saudaram o texto como um avanço, mas lamentaram a falta do que consideram elementos essenciais. O acordo preliminar, elaborado por Michael Zammit Cutajar, de Malta, afirma que as emissões globais de gases de efeito estufa devem atingir um pico "assim que possível", mas não chega a citar um ano como meta.

O texto pede novo financiamento nos próximos três anos dos países ricos para que os mais pobres se adaptem à mudança climática, mas não menciona números. Além disso, o texto não traz propostas específicas sobre a ajuda no longo prazo.

Fontes: Agência Reuters e Portal IG

Em Brasília...

A PM do Arruda ataca trabalhadores e estudantes que protestaram contra o mensalão do DEM de Brasília

http://www.youtube.com/watch?v=ycbvb4pR8IE

Enquanto isso no Haiti...

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Os fatos por trás das estatísticas

do blog Luís Nassif


Um dos grandes problemas da análise macroeconômica é não haver conhecimento sistematizado sobre o que acontece na microeconomia. Esse desconhecimento pode levar a enganos complicados.

 1. No setor de máquinas e equipamentos, hoje em dia 10% das máquinas vendidas pelas empresas como sendo nacionais são importadas da China. O empresário importa, coloca seu selo, vende sem riscos, ganha sua margem e garante a rentabilidade da empresa.


2. Esse jogo – que elimina emprego e desenvolvimento tecnológico – é contado duas vezes nas estatísticas. Quando importa, entra como investimento. Quando revende, entra como venda nova.

3. No entanto, nas estatísticas permite a alguns cabeções estabelecer correlações positivas entre câmbio apreciado e aumento dos investimentos.

4. Recentemente, a Associação Brasileira de Importadores de Equipamentos procurou a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) preocupada com a apreciação cambial. Ante a surpresa da Abimaq – afinal, dólar barato facilitar importações – foi-lhe dito que os clientes estavam importando produtos acabados, em vez de máquinas.

5. Os dados do Banco Central para a entrada de investimentos externos mostram que eles se concentram especialmente em compra de ativos internos ou empréstimos entre companhias. Nos dois casos, não há aumento da capacidade instalada.

6. Quando o câmbio se aprecia, reduz o preço dos novos equipamentos (que podem representar, digamos, 5% do faturamento da empresa) e nos setores traedebles (exportáveis) impacta 100% do faturamento.


                                                                                                                        

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O capitalismo perdeu seu coração

Ótimo artigo do jornalista, economista e professor J. Carlos de Assis, embora keynesiano, bem preocupado com as transformações que o capitalismo passará pós crise de 2008.

J. Carlos de Assis

Os próximos dez anos serão radicalmente diferentes dos dez últimos por força dos novos rumos que tomará a civilização mundial. Não me refiro apenas a mudanças de padrão tecnológico, que se tornaram triviais ao longo das últimas três décadas. Refiro-me a uma mudança de paradigma na estrutura básica do sistema capitalista ocidental, apoiada essencialmente no princípio de propriedade privada e de livre iniciativa, pretensamente sob restrição única de forças “impessoais” do mercado.
                                        clique aqui para ler

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Contra avanços de movimentos especulativos Índia estuda controlar capitais

Índia já estuda controlar capitais


Medida se soma à reação de emergentes contra avanço de movimentos especulativos

A Índia também já admite adotar medidas para restringir a entrada de capital estrangeiro no país, caso ela aumente. O anúncio foi feito pelo presidente do Banco Central indiano, Duvvuri Subbarao.

A declaração reforça as recentes ações de outros emergentes para conter o rápido avanço dos preços dos ativos, entre outras bolhas causadas pelo fluxo de recursos para países emergentes.

"No futuro, deve haver um aumento nos fluxos de capital e eu acho que não devemos descartar uma administração de capital ativo, como fizemos de 2006 a 2008," disse Subbarao, durante uma conferência econômica.

Os comentários ocorrem no momento em que vários países emergentes anunciam medidas para conter a entrada de grandes fluxos de capital estrangeiro em suas economias.

O Brasil foi um dos criaram barreiras mais modestas, como a criação de imposto de 2% sobre o investimento estrangeiro em fundos de renda fixa e de ações. Já Taiwan proibiu fundos estrangeiros de investir em depósitos a prazo no país.

"Nossa tarefa, no médio prazo, é melhorar e aumentar a capacidade de absorção da economia, mas para isso precisamos calibrar as reservas, que correspondem, aproximadamente, ao déficit em conta corrente", destacou Subbarao.

Fonte: Monitor Mercantil, 08 de dezembro de 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

"Acadêmicos amestrados": sobre os "especialistas" da Grande Mídia

Acadêmicos amestrados

Por Idelber Avelar, Revista Fórum

Se um marciano aterrissasse hoje no Brasil e se informasse pela Rede Globo e pelos três jornalões, seria difícil que nosso extra-terrestre escapasse da conclusão de que o maior filósofo brasileiro se chama Roberto Romano; que nosso grande cientista político é Bolívar Lamounier; que Marco Antonio Villa é o cume da historiografia nacional; que nossa maior antropóloga é Yvonne Maggie, e que o maior especialista em relações raciais é Demétrio Magnoli. Trata-se de outro monólogo que a mídia nos impõe com graus inauditos de desfaçatez: a mitologia do especialista convocado para validar as posições da própria mídia. Curiosamente, são sempre os mesmos.

Se você for acadêmico e quiser espaço na mídia brasileira, o processo é simples. Basta lançar-se numa cruzada contra as cotas raciais, escrever platitudes demonstrando que o racismo no Brasil não existe, construir sofismas que concluam que a política externa do Itamaraty é um desastre, armar gráficos pseudocientíficos provando que o Bolsa Família inibe a geração de empregos. Estará garantido o espaço, ainda que, como acadêmico, o seu histórico na disciplina seja bastante modesto.

Mesmo pessoas bem informadas pensaram, durante os anos 90, que o elogio ao neoliberalismo, à contenção do gasto público e à sanha privatizadora era uma unanimidade entre os economistas. Na economia, ao contrário das outras disciplinas, a mídia possuía um leque mais amplo de especialistas para avalizar sua ideologia. A força da voz dos especialistas foi considerável e criou um efeito de manada. Eles falavam em nome da racionalidade, da verdade científica, da inexorável matemática. A verdade, evidentemente, é que essa unanimidade jamais existiu. De Maria da Conceição Tavares a Joseph Stiglitz, uma série de economistas com obra reconhecida no mundo apontou o beco sem saída das políticas de liquidação do patrimônio público. Chris Harman, economista britânico de formação marxista, previu o atual colapso do mercado financeiro na época em que os especialistas da mídia repetiam a mesma fórmula neoliberal e pontificavam sobre a “morte de Marx”. Foi ridicularizado como dinossauro e até hoje não ouviu qualquer pedido de desculpas dos papagaios da cantilena do FMI.

Há uma razão pela qual não uso aspas na palavra especialistas ou nos títulos dos acadêmicos amestrados da mídia. Villa é historiador mesmo, Maggie é antropóloga de verdade, o título de filósofo de Roberto Romano foi conquistado com méritos. Não acho válido usar com eles a desqualificação que eles usam com os demais. No entanto, o fato indiscutível é que eles não são, nem de longe, os cumes das suas respectivas disciplinas no Brasil. Sua visibilidade foi conquistada a partir da própria mídia. Não é um reflexo de reconhecimento conquistado antes na universidade, a partir do qual os meios de comunicação os teriam buscado para opinar como autoridades. É um uso desonesto, feito pela mídia, da autoridade do diploma, convocado para validar uma opinião definida a priori. É lamentável que um acadêmico, cujo primeiro compromisso deveria ser com a busca da verdade, se preste a esse jogo. O prêmio é a visibilidade que a mídia pode emprestar – cada vez menor, diga-se de passagem. O preço é altíssimo: a perda da credibilidade.

O Brasil possui filósofos reconhecidos mundialmente, mas Roberto Romano não é um deles. Visite, em qualquer país, um colóquio sobre a obra de Espinosa, pensador singular do século XVII. É impensável que alguém ali não conheça Marilena Chauí, saudada nos quatro cantos do planeta pelo seu A Nervura do Real, obra de 941 páginas, acompanhada de outras 240 páginas de notas, que revoluciona a compreensão de Espinosa como filósofo da potência e da liberdade. Uma vez, num congresso, apresentei a um filósofo holandês uma seleção das coisas ditas sobre Marilena na mídia brasileira, especialmente na revista Veja. Tive que mostrar arquivos pdf para que o colega não me acusasse de mentiroso. Ele não conseguia entender como uma especialista desse quilate, admirada em todo o mundo, pudesse ser chamada de “vagabunda” pela revista semanal de maior circulação no seu próprio país.

Enquanto isso, Roberto Romano é apresentado como “o filósofo” pelo jornal O Globo, ao qual dá entrevistas em que acusa o blog da Petrobras de “terrorismo de Estado”. Terrorismo de Estado! Um blog! Está lá: O Globo, 10 de junho de 2009. Na época, matutei cá com meus botões: o que pensará uma vítima de terrorismo de Estado real – por exemplo, uma família palestina expulsa de seu lar, com o filho espancado por soldados israelenses – se lhe disséssemos que um filósofo qualifica como “terrorismo de Estado” a inauguração de um blog em que uma empresa pública reproduz as entrevistas com ela feitas pela mídia? É a esse triste papel que se prestam os acadêmicos amestrados, em troca de algumas migalhas de visibilidade.

A lambança mais patética aconteceu recentemente. Em artigo na Folha de São Paulo, Marco Antonio Villa qualificava a política externa do Itamaraty de “trapalhadas” e chamava Celso Amorim de “líder estudantil” e “cavalo de troia de bufões latino-americanos”. Poucos dias depois, a respeitadíssima revista Foreign Policy – que não tem nada de esquerdista – apresentava o que era, segundo ela, a chave do sucesso da política externa do governo Lula: Celso Amorim, o “melhor chanceler do mundo”, nas palavras da própria revista. Nenhum contraponto a Villa jamais foi publicado pela Folha.

Poucos países possuem um acervo acadêmico tão qualificado sobre relações raciais como o Brasil. Na mídia, os “especialistas” sobre isso – agora sim, com aspas – são Yvonne Maggie, antropóloga que depois de um único livro decidiu fazer uma carreira baseada exclusivamente no combate às cotas, e Demétrio Magnoli, o inacreditável geógrafo que, a partir da inexistência biológica das raças, conclui que o racismo deve ser algum tipo de miragem que só existe na cabeça dos negros e dos petistas.

Por isso, caro leitor, ao ver algum veículo de mídia apresentar um especialista, não deixe de fazer as perguntas indispensáveis: quem é ele? Qual é o seu cacife na disciplina? Por que está ali? Quais serão os outros pontos de vista existentes na mesma disciplina? Quantas vezes esses pontos de vista foram contemplados pelo mesmo veículo? No caso da mídia brasileira, as respostas a essas perguntas são verdadeiras vergonhas nacionais.