Por Almir Cezar Filho*
(*) Escrito em outubro de 2020, publicado na coluna "Economia É Fácil" do portal de notícias CL Web Rádio, da Rádio Censura Livre. Segue atual - personagem mudaram, contextos foram ajustados e medidas foram calibradas, oposição e governo trocaram de posição, Teto de Gasto foi substituído pelo Arcabouço Fiscal, mas o que o artigo chama de "bolsonarismo econômico" prosseguem, infelizmente.
O Brasil vivendo a maior crise econômica em décadas*, e sem superar a pandemia de covid-19, a grande imprensa centra seu debate na necessidade do governo federal se comprometer à questão da austeridade fiscal e ao prosseguimento de privatizações e da aprovação de reformas neoliberais. Ao contrário do que sugere a cobrança, essa “agenda” tem amplo respaldo no governo Bolsonaro, apesar das tensões entre as suas várias alas, inclusive com uma sintonia com setores que lhe fazem oposição, permitindo dizer que, há um mesmo projeto e discurso, ao menos em torno da economia: o Bolsonarismo Econômico. Mas essa agenda tem as respostas para os problemas que o povo passa em seus municípios e estados? É possível uma agenda alternativa?
Você que está lendo este artigo já percebeu que todos os dias todos os veículos da grande imprensa só falam disso: É tal “necessidade de fazer a Reforma Administrativa pra cá, de Reforma Tributária para lá, e respeitar o Teto de Gastos para acolá”? Mesmo nos grupos empresariais de comunicação que fazem certa oposição a Bolsonaro?
Estados e principalmente os Municípios com dificuldades de garantir o atendimento em saúde e pagar os gastos já feitos. Queda na arrecadação e dificuldades nos negócios e empregos. Governadores e prefeitos desesperados com UTI lotadas e com dificuldades de decretar lockdown.
Isso tudo aqui, enquanto a Europa já lida com medidas sanitárias e econômicas para combater a segunda onda de infecção e prevenir uma terceira onda. Por sua vez, o Brasil não conseguiu passar o tal “platô” da primeira onda e foi “surpreendido” com um forte repique. Reabre todas as atividades econômicas e até mesmo com dificuldades para acertar a vacinação em massa.
Toda essa confusão nacional, torna-se ainda mais diante do contraste com o que se passa na Europa e nos Estados Unidos, onde o Neoliberalismo surgiu, cuja discussão é outra: programas públicos de socorro econômico e acelerar ainda mais a vacinação. Isso vindo com o respaldo inclusive de instâncias que são baluartes do Neoliberalismo, como o FMI, o Banco Mundial, o Banco Central Europeu, etc.
Na verdade, na crise, os pilares do neoliberalismo não são abandonados por lá, mas deixados de stand-by na preservação do lucro do grande capital e no socorro do próprio Capitalismo. Mas por aqui...
Bolsonarismo econômico: o Neoliberalismo à brasileira e de cara feia
Aqui, o bolsonarismo econômico não se permite. Mas por que chamá-lo assim. O termo é uma dupla provocação. Primeiro, porque exprime tanto, uma continuidade, como uma inflexão. Em certa medida, uma radicalização do Neoliberalismo, que começou a tomar forma aqui no Brasil no início dos anos 90 – de Collor, e passou por todos os sucessivos governos, que vão de Itamar, FHC, Lula e Dilma, e ganhou novo fôlego com a crise política pré-impeachment e chegada de Temer, e ainda mais com a vitória de Bolsonaro, cuja campanha prometia ainda mais medidas neoliberais, ao ponto que anunciar que os governos anteriores seriam “socialistas”.
A segunda provocação, além da demonstração tanto como de uma evidente radicalização, como de versão brasileira do neoliberalismo, expressar que esse é produto local de uma combinação com amplo ultraconservadorismo, tanto das “viúvas da Ditadura” e dos olavistas e assemelhados, como pelo fundamentalismo cristão, especialmente, evangélico pentecostal e neopentecostal.
Por isso: “bolsonarismo”, inclusive, e especialmente, “econômico”. Mas essa pauta se limita a Bolsonaro e seu grupo mais imediato? Não.
O neoliberalismo, ainda mais reavivado, não está disseminado entre todos, ou pelo menos, na maioria dos políticos, e mesmo na grande mídia? Por isso, não daria para falar em “Alas do Bolsonarismo Econômico”, inclusive “Alas Externas”, ou uma Agenda em Comum? E ainda: essa Agenda tem as respostas para os problemas que o povo trabalhador passa, especialmente no nível dos municípios? É possível uma agenda alternativa, e qual seria? Vamos lá!
Diante da pandemia do novo coronavírus, o governo priorizou a pauta econômica, deixando a população à mercê das políticas assistencialistas – que ele mesmo era contra e resistiu até onde pôde. Para piorar, Bolsonaro diminuiu reiteradamente o perigo do vírus, prometeu uma falsa cura (tratamento preventivo e até profilático, por meio de hidroxicloroquina, ivermectina, e outros) e ainda atacou as medidas de quarentena e lockdown, fazendo até mesmo pouco caso do isolamento social e do uso da máscara. E durante meses pôs em seguida descrédito com a vacina.
Por outro lado, a política covarde de Paulo Guedes impediu o Estado Brasileiro de fazer medidas de proteção econômica às empresas e aos trabalhadores. Sem dinheiro, a lógica do isolamento social não existiu.
Contudo, sabemos que essa “agenda” tem amplo respaldo no governo Bolsonaro.
Jair Bolsonaro, foi eleito com essa promessa aos tais “investidores” e ao Mercado, e sob a tutela integral do arquibanqueiro Paulo Guedes, ao qual chamou de “Posto Ipiranga” (que buscaria a confiança do Mercado, menos impostos e tirar o “peso” do Estado e dos direitos trabalhistas sobre os ombros dos “empresários”- não à toa que Guedes se proclama “ultraliberal”). E, com isso, apoiada na agenda moral e dos bons costumes, exterminando a herança dos esquerdistas e socialistas inclusive na economia, ambos asseguram diminuir a corrupção e retoma o crescimento econômico, por meio da confiança dos investidores privados.
Apesar das tensões entre as suas várias alas bolsonaristas, essa agenda tem total respaldo dentro do Governo, e na sua base de sustentação, seja na classe política, especialmente com parlamentares no Congresso Nacional que lhe apoiam, inclusive no tal “Centrão”, que veio reforçar sua base parlamentar, seja junto aos setores sociais que lhe apoiam como o Olavismo (do astrólogo e pseudofilósofo da extrema direita Olavo de Carvalho), mas também na Direita Evangélica e nos Militares.
A Ala Militar e o Centrão
Bolsonaro, por décadas na política, sempre foi ligado ao tal Centrão, apesar da conversão mais recente ao tal combate a “Velha política”. Ao fim voltou aos “braços” dela, especialmente quando cresceu o Fora Bolsonaro e as “trombadas” com os outros Poderes e ameaça de prisão dos familiares se tornaram muito sério.
Por sua vez, o Centrão está mais preocupados com obras e verbas aos seus currais eleitorais e mais cargos para correligionários, mesmo quando são acusados de serem “fura-tetos”, se referindo ao cumprimento das regras do chamado Teto do Gasto Público.
No centro de uma disputa dentro do governo Jair Bolsonaro (sem partido), o teto de gastos é uma regra fiscal que limita o gasto público. A regra determina que o gasto máximo que o governo pode ter é equivalente ao Orçamento do ano anterior, corrigido apenas pela inflação. Incluído na Constituição em dezembro de 2016, durante o governo Michel Temer (MDB), o teto está em vigor desde 2017 e deve durar 20 anos.
Agora, com os efeitos da pandemia de coronavírus na economia, membros do governo defendem que ele seja flexibilizado, para permitir aumento do gasto público na recuperação da crise.
Bolsonaro recentemente foi acusado pela Imprensa de “populismo fiscal”. Preocupado com sua popularidade ou turbiná-la, às vésperas das eleições municipais, e se preparando para 2022, buscou tornar perene o auxílio emergencial e ainda criar brechas para ampliar a destinação de recursos para obras públicas e emendas parlamentares.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, participa de uma queda de braço dentro do governo. De um lado, Guedes que manter o teto de toda forma. De outro, ministros como Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, com apoio velado dos militares palacianos e do Centrão, defendem que o governo precisa aumentar os gastos para tirar o país da crise no pós-pandemia. A única maneira de fazer isso sem infringir a Constituição é encontrar uma maneira de flexibilizar a regra, desviar recursos de gastos ou buscar mais receitas com novos impostos, ambos fortemente impopulares, especialmente a poucas semanas da eleição.
As declarações ocorrem em um momento em que o presidente colhe um aumento na sua popularidade, impulsionada pelo pagamento do auxílio emergencial de R$600. Com Bolsonaro de olho na reeleição, há o temor de que o fim do auxílio tenha um impacto negativo não só socialmente, como também na sua popularidade. Mas manter o auxílio por mais tempo teria um forte impacto nas contas públicas.
A aproximação de Bolsonaro com o Centrão e a operação de abafa da crise política do presidente com o STF e parte do Congresso, operada pelos ministros militares palacianos, em torno aos escândalos de corrupção que envolve seus parentes e parceria com milícias, também ajudaram estancar a queda da popularidade e ameaça de impeachment, como ainda a recuperar parte da popularidade.
Acusados de populismo e responsáveis pela pressão “fura-teto”, em nada o são.
Se no passado, os Militares, durante a Ditadura, responsáveis por ampliação do endividamento do Estado Brasileiro e do intervencionismo público na economia nacional, agora, desde o primeiro ano de Bolsonaro, os generais-ministros ajudaram na coordenação política pela (contra)reforma da previdência (desde que não prejudicasse muito aposentaria da própria categoria...). Por sua vez, vários militares estão chefiando órgãos públicos e os preparando para privatizações, como nos Correios, por exemplo.
E os políticos do Centrão? Esses estiveram desde FHC até Temer votando no Congresso, contribuindo decisivamente na aprovação das medidas neoliberais. Mesmo que recebendo para isso em “toma-lá-dá-cá” com cargos e emendas, como bônus. O próprio Centrão recuou depois de pressão da equipe econômica, do Mercado e da grande imprensa. Os Militares e o Centrão sabem bem que precisam do apoio desses.
O Centrão, como os Militares, não são antítese do bolsonarismo econômico, mas sua expressão mais pragmática e racional, até mais que a Equipe Econômica e Guedes.
Bolsonarismo econômico e a Ala “Ideológica”
Mas o Bolsonarismo econômico não se limita as duas alas, ditas pela Imprensa, como “racionais”. Também é composta pela Ala Ideológica. Incluiria os evangélicos e os olavistas.
Além da evidente radicalização ou sua própria versão de neoliberalismo, o Bolsonarismo, é produto da combinação do Neoliberalismo, ou pelo menos, da rejeição ao igualitarismo do Estado de Bem-Estar Social e do planejamento público, amalgamado com um amplo e extremo ultraconservadorismo.
Tanto em sua versão de patriotismo de direita e chauvinismo eurocentrista. Como pelo moralismo calcado no fundamentalismo cristão, especialmente, evangélico pentecostal e neopentecostal - com sua teologia da prosperidade material terrena fornecida pela “graça divina”, na iniciativa individual e na retidão comportamental na busca dessa graça. Portanto afim no empreendedorismo e na viração pessoal (“vire-se”) e na assistência limitada mas dada pela família e igreja. Contra, portanto, a qualquer interferência do Estado e da sociedade civil organizada laica e progressista no cotidiano das pessoas e famílias.
Acresce-se a isso ao fato de que a própria “bancada da Bíblia” em muito compõe o Centrão, tal como gente na bancada do Boi e da Bala. E por sua vez, não é diferente nas concepções econômicas com as teses do Mercado e do que pensa a equipe econômica.
As “Alas Externas” do bolsonarismo econômico
Mas quando falamos, em bolsonarismo econômico, é inclusive porque, há uma forte sintonia desse discursos e pauta com setores mais amplos, que lhe fazem oposição, ao menos lhe fazem antagonismo, como o presidente da Câmara Rodrigo Maia, do Senado Davi Alcolumbre, do DEM, do PSDB, o governador de São Paulo Dória, entre outros.
Com nuances, certas divergências, diversidades. Mas sempre, complementar. Como uma espécie de atuação convergente, quiçá combinada. Tal como no cinema e TV na dupla de “policial mal e policial bom”.
E no momento de maior fragilidade do governo, apesar da esperança da Centro-Esquerda e parte da Esquerda de compor uma tal Frente Ampla Democrática, ao final compôs uma tramoia, um pacto nacional, um abafá, desde que Bolsonaro, se comedice em declarações golpistas e antidemocrática burguês, e voltasse a se centrar nas medidas econômicas pró-mercado.
Eles brigam, principalmente, contra o discurso virulento e pouco pragmático do governo em vários temas, como comportamento/sexualidade, meio ambiente, relações exteriores, cultura, etc, mas se unem com ele para aprovar seus projetos na questão econômica. E reclamam que o governo, especialmente a tal ala ideológica atrapalha ou gasta tempo e energia preciosa, em vez de se centrar na articulação política pela aprovação dessa agenda neoliberal.
E mais: infelizmente, em algum sentido, até o PT, PSB e PDT que lhe fazem oposição aberta no Congresso, na prática, quando estão à frente de governos estaduais e prefeituras aplicam projeto similar.
Seria o que podemos chamar de “Ala Externa” do bolsonarismo econômico.
Outra Ala externa do bolsonarismo econômica é a Grande Mídia. Sim, a Mídia. Inclusive, e talvez principalmente, aqueles conglomerados empresariais que mais fazem antagonismo ao governo.
Pois seu antagonismo se limita ou objetiva lhe querer impor a pauta, a agenda econômica. Seja a Globo, o Estadão, a Folha, etc. Quando Bolsonaro e seu governo (os setores que competem com Paulo Guedes) planejam recuar de algum projeto econômico de matiz neoliberal e pró-mercado, mesmo por puro pragmatismo ou inviabilidade imediata, começa a cantilena e operação de salvação à Guedes e sua equipe.
Mesmo quando os especialistas e a Europa seguem e apontam outros caminhos, a Mídia faz questão que seus articulistas, analistas e entrevistados (muito bem selecionados para isso) recomendem as medidas neoliberais mais radicais, mais extremas e inclementes – mesmo que combinando-as com alguma mediação. E por que a Imprensa age assim?
Sabemos que compartilham interesses com o tal “Mercado”. São grandes empresas, portanto os patrões compõe o Empresariado Nacional – interesses de classe em comum. Por sua vez, os bancos e instituições financeiras os controlam, em alguma medida ou em todo - lhes são credores, ou seus maiores anunciantes, ou pior, são seus donos.
Essa Agenda tem soluções aos problemas? Quais as alternativas?
Mas essa Agenda tem as respostas para os problemas que o povo trabalhador, seja eles os assalariados, os empreendedores sociais, os microempresários e os agricultores familiares, passam em seus municípios?
Vamos começar, com o centro da polêmica das últimas semanas: o Teto.
O Teto é criticado por defensores de mais investimento público para recuperar a economia brasileira e garantir serviços essenciais. Essas pessoas defendem que a regra impedirá investimentos públicos, agravará a recessão e prejudicará principalmente os mais pobres, ao reduzir recursos em áreas como educação e saúde.
Como o bolo do Orçamento tem o mesmo tamanho sempre e algumas fatias necessariamente crescem todo ano, sobretudo os gastos com a Previdência, sobra um pedaço cada vez menor para os demais gastos, incluindo saúde e educação. No contexto da pandemia, em que o desemprego disparou e houve uma quebradeira de empresas, críticos.
Por sua vez, passados 4 anos da queda de Dilma a economia segue patinando. A pandemia não estancou uma recuperação, mas sim mascarou um crescimento pífio ou crise que viria ainda em 2020, como os indicadores de PIB, atividade econômica e emprego, apontam em janeiro e fevereiro.
Lula e Dilma nunca se negaram a implementar as políticas neoliberais, apenas a “embrulharam” com algumas concessões sociais, especialmente, acoplando-as a programas de geração de empregos e salários e assistência aos mais pobres. Mesmo que, para isso, tivessem que se misturar com a tal “Velha Política” para aprová-las, uma e a outra.
E quando reeleita, em finais de 2014, e coincidiu com a formação de uma crise, Dilma, primeiro foi pressionada pela Mídia e Mercado a reverter essas concessões, e reforçar o caráter neoliberal, o que contudo, contribuiu para sua queda (lembram do “estelionato eleitoral”?). E desde então, mesmo com a radicalização do neoliberalismo levada à cabo nos últimos anos, em nada a economia brasileira melhora.
Se o bolsonarismo econômico não funciona… o que fazer então?
É possível uma agenda econômica alternativa? Sim, com medidas que vão à raiz do problema e que se financie. Baseada, por sua vez, sinteticamente em 5 pontos-chaves:
1) plano emergencial por emprego e combate a pandemia – é preciso ações planejadas e coordenadas para por meio de políticas públicas para reativar a economia, com foco na geração de emprego formais e de qualidade, inclusive combinando os esforços sanitários contra a covid-19 como instrumento disso.
2) conselhos populares para gerir o plano e todos os assuntos, desde o âmbito local ao nacional – seriam colegiados não apenas consultivo, mas deliberativo e até mesmo de gestão, composto por usuários dos serviços públicos e de seus trabalhadores, democraticamente eleitos pela base, para garantir a independência das decisões do toma-lá-dá-cá e refletir de fato à vontade popular.
3) apoio econômico às microempresas, empreendimentos sociais/solidários e agricultura familiar, que são os verdadeiros geradores de vagas de empregos no país (+80%), discriminados nas políticas econômicas e em geral com interesses convergentes com os trabalhadores assalariados.
4) revogação do teto do gasto público e fazer uma auditoria da dívida – combater os geradores do dilema fiscal brasileiro, a compressão da despesa pública proporcionada pelo garrote para pagamento dos juros de títulos de dívida junto aos bancos, que encurtam o orçamento público para o que interessa, gastos com Saúde, Educação, Segurança, Infraestrutura e geração de empregos.
5) impostos sobre Grandes Fortunas, impostos progressivos e combate à evasão - os governos devem aumentar impostos progressivos sobre indivíduos mais afluentes e aqueles relativamente menos afetados pela crise. Incluindo aumento de taxas para faixas de renda mais altas, propriedades de luxo, ganhos de capital e fortunas. Bem como mudanças na tributação corporativa para garantir que empresas paguem impostos proporcionais.
e-mail: economiaefacil@gmail.com)
Nenhum comentário:
Postar um comentário