segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A lei do desenvolvimento desigual e combinado

por Almir Cezar Filho

A lei do desenvolvimento desigual e combinado é conceito muito usado com frequência para descrever o Brasil, mas quem a emprega cuida de omitir seu formulador, Leon Trotsky, o revolucionário russo "fora de moda". A grosso modo, designa a mistura de atraso e modernidade, convivendo lado a lado, nos quais um setor moderno pode conviver com o mais atrasado, este funcionando como freio daquele, mas em conjunto, forma um todo único, novo e próprio.

O desenvolvimento, por sua vez, portanto, não pode ter trajetória linear, e as formas se desenvolvem pela ação de forças que atuam muitas vezes de maneira contrárias, dando ao fim, uma cara única, e a trajetória do desenvolvimento dos países nunca é igual entre si, nunca se dando de igual maneira, em forma, rota e ritmo.

A lei desenvolvimento desigual e combinado é a lei formulada teoricamente por León Trotsky - é a base a sua Teoria da Revolução Permanente, bem mais lembrada, porém ainda mais detratada. Essa lei designa a mistura de desenvolvimento e subdesenvolvimento em muitos países, especialmente nos países periféricos, nos quais um setor moderno pode conviver com o mais atrasado, embora este funcionando como freio daquele, convivem de maneira combinada, resultando numa formação social particular, porém única.

Trotsky formulou a teoria dessa lei aprofundando a então disseminada lei do desenvolvimento desigual, muito explorada por Lênin, no estudo do desenvolvimento capitalista da Rússia, e nos textos de Marx e Engels, sobre o papel da combinação, verificada nos fenômenos históricos aparentemente contraditórios, da convivência e co-existência, em várias sociedades nacionais, entre as formas capitalistas com formas pré-capitalistas.

A dupla natureza da lei
Nas palavras do trotskista estadunidense George Novack, destaca o caráter dual da lei, uma, como lei do desenvolvimento desigual e outra, como lei do desenvolvimento combinado, atuando de maneira complementar e simultânea, nas relações sociais e nos processos históricos.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado é uma lei científica da mais ampla aplicação no processo histórico. Tem um caráter dual ou, melhor dizendo, é uma fusão de duas leis intimamente relacionadas. O seu primeiro aspecto se refere às distintas proporções no crescimento da vida social. O segundo, à correlação concreta destes fatores desigualmente desenvolvidos no processo histórico. (NOVACK, 1988: 9)
Quando se trata de um sistema o caráter desigual advém porque o sistema se desenvolvimento em parte desiguais entre si, não no mesmo ritmo e direção. Combinado porque essas partes apesar de distintas formam um todo. Quanto se fala de um sujeito, é porque, o sujeito pode se desenvolver de maneira desigual ao restante do sistema, do meio a sua volta, mas com com ele, se combina, integra ao sistema, portanto, mutuamente se influenciam. Assim, dialeticamente, a desigualdade gera o movimento, a modificação, a transformação, o desenvolvimento, e o movimento gera a desigualdade. Mas também, à menos que haja combinação, não pode haver desigualdade, pois não haveria um todo a ter partes desiguais, uma completude, constituindo um complexo à medida inclusive que há parte interagindo e mutuamente se influenciando.

Impacto do desenvolvimento desigual na história

A lei do desenvolvimento desigual e combinado traz como impacto um fenômeno contraditório, quanto mais atrasado é um país, mais evoluída é a parte mais desenvolvida da sua economia. Trotsky considerava que esta era a situação na Rússia pré-revolução de 1917. Designava haver uma forte mistura de atraso e modernidade, convivendo lado a lado, nos quais um setor moderno pode conviver com o mais atrasado,  embora este funcionando como freio daquele, mas em conjunto, mutuamente se influenciavam, e modificavam, e até formavam um todo único, novo e próprio. 

O raciocínio, aparentemente contraditório, é de que, se um país começa a se industrializar tarde, adotará as indústrias mais modernas existentes no momento, logo, a pouca indústria que obterá será altamente desenvolvida. Mas também, segundo Trotsky, quanto mais tarde um país se industrializasse, mais conservadora seria a sua burguesia local, já que o medo ao proletariado seria ainda maior que a sua oposição à aristocracia e as demais classes dominantes antecedentes. Assim, a revolução burguesa na Rússia czarista rumaria fácil e obrigatoriamente a condição de revolução proletária, e consequentemente, de uma revolução democrática para uma revolução socialista.

Desenvolvimento segundo Preobrazhensky

A ação manifestada da lei do desenvolvimento desigual e combinado sobre o desenvolvimento concreto das formações sociais vemos nessa passagem do economista Evgeny Preobrazhensky.
Nenhuma formação econômica pode desenvolver-se sob forma pura, baseando-se unicamente nas leis imanentes de sua própria formação. Isto estaria em contradição com a própria idéia de desenvolvimento. A expansão de qualquer forma econômica implica em afastamento de outras formas, que se submetem e desaparecem progressivamente. Nestas condições, a diagonal do paralelogramo das forças que atuam no campo econômico nunca pode seguir a linha das leis internas da forma dominante, mas se afastará lentamente, distanciando-se sempre desta linha sob a influência de forças opostas. Estas forças opostas, quer dizer, as forças das outras formas econômicas, inseridas no sistema econômico considerado, operam seguindo a linha das suas próprias leis de desenvolvimento. Estas leis de desenvolvimento das formas antigas reduzem-se, agora, a leis de resistência à forma nova. (PREOBRAJENSKI, 1979: 88)
O desenvolvimento portanto, não é linear e sempre é particular. As formas se desenvolvem concretamente pela ação de forças sociais, que atuam muitas vezes de maneira contrárias entre si, mas que se combinam, dando ao fim uma cara única as formações sociais. E, também, portanto, as trajetórias de desenvolvimento dos países nunca são iguais entre si. E, também, são sujeitas a períodos alternados de transformações sociais, ora mais rápidas, ora mais lentas.

Portanto, o desenvolvimento do capitalismo russo e de suas relações de produção, como de seu ritmo, é resultante não apenas do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, mas da interação dessas com as forças produtivas e relações de produção, como também pelas instituições e valores e ideologias, que antecedem esse mesmo capitalismo. Por fim, dotando esse capitalismo nacional de uma "cara" única, à medida que a trajetória do desenvolvimento dos países nunca é portanto igual entre si, nunca se dando de igual maneira, em forma, rota e ritmo.

A importância da lei para o movimento socialista

A teoria da 'lei do desenvolvimento desigual e combinado' é um avanço teórico tão importante ao movimento socialista, ou mais, até porque lhes foi base à Teoria da revolução permanente, à Curva de desenvolvimento capitalista e ao Programa de Transição.

A teoria alertava ao movimento revolucionário que as eventuais revoluções burguesas nos países que desenvolvessem mais tardiamente o Capitalismo, que apesar disso conseguiam manter, e mesmo absorver as instituições e elementos da sociedades pré-capitalistas, rumariam mais fácil e obrigatoriamente à condição de revolução proletária, e consequentemente, de uma revolução democrática para uma revolução socialista, inclusive pelo peso das contradições sociais, que tomariam uma dimensão ampliada, e porque desenvolviam uma classe operária muito mais concentrada e moderna, ainda mais consciente de si e para si.

A revolução socialista em um país capitalista atrasado até pode se iniciar antes que em países avançados, e mesmo influenciar a deflagração nele, porém, deve obrigatoriamente ser aliado no triunfo e construção do socialismo.

Referência

  • NOVACK, George. Desenvolvimento desigual e combinado da sociedade. Rabisco, 1988.
  • PREOBRAJENSKI, Eugênio. A Nova Econômica. Paz e Terra, 1979.
  • TRÓTSKI, Leon. A Revolução Permanente.
  • WIKIPÉDIA. Desenvolvimento desigual e combinado.

Atualizado em 07/05/2013

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