sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O segundo fôlego do movimento mundial de justiça social, I. Warllestein


Temos de pensar numa luta mundial como uma corrida de fundo, na qual os corredores têm de usar a sua energia com sabedoria.


12 Dezembro, 2011 - 01:26 | Por Immanuel Wallerstein

Temos de pensar numa luta mundial como uma corrida de fundo, na qual os corredores têm de usar a sua energia com sabedoria.

Durante os protestos da praça Tahrir em novembro de 2011, Mohamed Ali, 20 anos, respondeu da seguinte forma a um jornalista que lhe perguntava por que estava ali: “Queremos justiça social. Nada mais. É o mínimo que merecemos.”



A primeira vaga de movimentos assumiu formas múltiplas em todo o mundo – a chamada Primavera Árabe, os movimentos Ocupar que começaram nos Estados Unidos e se espalharam a um grande número de países, Oxi na Grécia e os Indignados em Espanha, os protestos estudantis no Chile e muitos outros.

Foram um sucesso fantástico. O grau de êxito pode ser medido por um extraordinário artigo escrito por Lawrence Summers no´Financial Times em 21 de novembro, sob o título “A desigualdade já não pode ser evitada pelas ideias habituais”. Não é um tema em que Summers se tenha antes destacado.


Nele, o colunista faz duas observações notáveis, considerando que ele foi pessoalmente um dos arquitetos da política económica mundial dos últimos 20 anos que nos pôs a todos na profunda crise na qual o mundo se encontra.

A primeiro afirmação é que houve mudanças fundamentais nas estruturas económicas mundiais. Summers diz que “a mais importante delas é o forte aumento da recompensa de mercado para uma pequena minoria de cidadãos, em relação às recompensas disponíveis para a maioria dos cidadãos.”

A segunda diz respeito a dois tipos de reações públicas a esta realidade: a dos manifestantes e a dos que se opõem aos protestos. Summers diz que é contra a “polarização”, que é o que, segundo ele, os manifestantes estão a provocar. Mas diz em seguida: “Ao mesmo tempo, os que se apressam a classificar como inadequada, ou um produto do conflito de classe, qualquer preocupação acerca da crescente desigualdade estão ainda mais fora da realidade.”

O que o artigo de Summers indica não é que ele se tenha tornado um expoente da mudança social radical – longe disso – mas antes que se preocupa com o impacto político do movimento mundial de justiça social, especialmente no que ele chama de mundo industrializado. Eu chamo a isso o sucesso do movimento mundial de justiça social.

A resposta a este sucesso foram algumas concessões menores aqui e ali, e logo uma crescente repressão por todo o lado. Nos Estados Unidos e no Canadá, houve uma sistemática iniciativa da polícia para acabar com as “ocupações”. A simultaneidade destas ações parece indicar algum nível de coordenação em alto nível. No Egito, os militares têm resistido a qualquer diluição do seu poder. Alemanha e França impuseram políticas de austeridade na Grécia, Irlanda, Portugal e Itália.

Mas a história está longe de terminada. Os movimentos estão a desenvolver um segundo fôlego. Os manifestantes reocuparam a praça Tahrir e estão a ameaçar o chefe de Estado-Maior Tantawi com o mesmo desprezo com que trataram Mubarak. Em Portugal, o apelo a um dia de greve geral paralisou todo o sistema de transportes. Uma anunciada greve na Grã-Gretanha contra o corte das pensões esperava reduzir o tráfego em Heathrow em 50%, causando grandes repercussões em todo o mundo, dada a centralidade de Heathrow no sistema mundial de transportes. Na Grécia, o governo tentou apertar mais os pensionistas pobres, aplicando uma grande taxa de propriedade na sua conta de eletricidade, ameaçando cortar a luz se não pagarem. Mas há resistência organizada. Os eletricistas estão a religar a luz ilegalmente, contando com a incapacidade dos reduzidos efetivos do governos municipais para aplicar a lei à força. É uma tática que já foi usada com sucesso no Soweto, subúrbio de Johannesburgo, há uma década.

Nos Estados Unidos e no Canadá, o movimento de ocupação expandiu-se dos centros das cidades para as cidades universitárias. E os “ocupantes” estão a discutir lugares alternativos para ocupar durante os meses de inverno. A rebelião dos estudantes do Chile alastrou-se às escolas secundárias.

É preciso destacar duas coisas na situação atual. A primeira é o fato de os sindicatos – como parte do que está a acontecer, como resultante de que está a acontecer – se terem tornado muito mais militantes e abertos à ideia de que deviam ser participantes ativos no movimento mundial de justiça social. Isto é verdade no mundo árabe, na Europa, na América do Norte, na África do Sul, mesmo na China.


A segunda coisa a destacar é o fato de os movimentos em todo o lado terem sido capazes de manter a ênfase numa estratégia horizontal. Os movimentos não são estruturas burocráticas mas coligações de múltiplos grupos, organizações, setores da população. Ainda estão a debater empenhadamente sobre a base atual da sua tática e prioridades, e resistem a ser excludentes. Será que isto funciona sempre bem? Claro que não. Será que funciona melhor do que reconstruir um novo movimento vertical, com liderança clara e disciplina coletiva? Até agora, funcionou sem dúvida melhor.

Temos de pensar numa luta mundial como uma corrida de fundo, na qual os corredores têm de usar a sua energia com sabedoria, para evitar ficarem exaustos ao mesmo tempo em que não perdem de vista o objetivo final – um diferente tipo de sistema-mundo, muito mais democrático, muito mais igualitário que qualquer outro que exista atualmente.

Immanuel Wallerstein
Comentário n.º 318, 1 de dezembro de 2011
Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

Sobre o autor

Sociólogo e professor universitário norte-americano.

Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a atuação do movimento anticolonialista na India. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971.


Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo

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