domingo, 4 de dezembro de 2011

As opressões e a sua invisibilidade no capitalismo: Há racismo no Brasil?

por Almir Cezar Filho 

Um mesmo tipo de opressão assume múltiplas faces no Capitalismo, que o recicla e o reinventa ao seu serviço, o mesmo fazendo até com a resistência a opressão. Um dos aspectos nesse sentido é a “invisibilização” da opressão, talvez a mais grave nesse sentido. Outra, é a absorção da luta e resistência dos  "oprimidos" aos interesses do capital, ou sua transformação em mera válvula de escape ao agravamento das tensões sociais decorrentes das opressões, ou ainda legar à manifestação de resistências, mesmo as não politizadas, a pequenos, restritos e subterrâneos espaços de manifestações, que não incomodam ao capital ou ao moralismo burguês, ou usados para legitimar o sistema como sem discriminações ou opressões. Daí ficamos com uma velha impressão que não há racismo no Brasil.

Contudo, vemos inúmeras manifestações que justamente confirmam o contrário. Há discriminação e opressão mesmo quando visualizamos formas que a princípio a negariam. Da mesma forma que a figura de Che Guevara virou estampa mais vendida de camiseta, vemos hoje as Marcha do Orgulho e as boates gays como espaço de entretenimento burguês, revistas da “mulher moderna” e salões de beleza e indústria fonográfica negra. Temos ainda o samba e o futebol, etc.


O mesmo pode-se verificar no Brasil com o caso do carnaval. É bem exemplar disso: é considerado um espaço tolerante aos LGBTs e à cultura negra e popular. É também o momento das “inversões”, coisa que não ocorre no resto do ano inteiro. Temos assim o fato curioso, de “machões”, típicos homofóbicos e machistas, se vestirem de “mulé” ou “bicha” nesta festa. Os mesmos que batem em prostitutas, travestis e gays, e se comportam de maneira violenta com suas companheiras ou com homens que consideram mais fracos ou inferiores. 

Outro aspecto nesse sentido é a “invisibilização” da opressão, talvez o mais grave da atuação do capitalismo sobre as opressões. No Brasil chegou-se ao ponto de desenvolver ao longo do século XX pela burguesia a ideologia que não há racismo no país. A miscigenação racial, o sincretismo religioso e a menor aceitação a uma regulação moral e estatal racialista, se comparados a países como os EUA, contribuíram para desenvolvimento dessa falsa consciência. Se há não é discriminação racial, haveria apenas uma "discriminação social". Contudo, esse mito da ausência de racismo é em si racista, pois ignora de propósito o problema e serve para perpetuar um padrão de relações sociais que joga os negros à extrema pobreza e ignorância.

Esse mito se conforma de três grandes formas:
(a) o mito da democracia racial,
(b) o mito da meritocracia,
(c) a demonização da cultura africana. 

O mito da democracia racial foi sendo construída na primeira metade do século XX, embora tenha bases ainda durante o período imperial, em reação as teses racialistas que pregavam como males econômicos, culturais e políticos do Brasil na miscigenação, na herança indígena, na maioria negra e mulata da população ou nas raízes culturais portuguesas-ibéricas, e não na herança da colonialismo, do subdesenvolvimento, no predomínio do latifúndio e do monopólios ou da ação do imperialismo. 

A teoria da democracia racial ia justamente à contramão, via virtudes exatamente nesses aspectos condenados pelos racialistas, destacando a “cordialidade”, o “jeitinho brasileiro”, e o desenvolvimento de uma sociedade “pacífica” e “criativa” com amplas possibilidades, em decorrência do legado e da fusão da herança portuguesa, indígena e africana. O Brasil seria a “civilização do futuro”. Uma tese que inclusive galvanizou amplos setores da esquerda.

Porém, é uma democracia falsa. Os índios, caboclos, negros e mulatos eram (e são) a maioria dos analfabetos sem direito a voto por mais de um século. Eram os mais pobres sem poderem exercer seus direitos econômicos e exigir direitos sociais. Considerados ignorantes e ineptos para os direitos e para a política. Alvos prioritários da polícia. Privados de participação inclusive nos movimentos sociais organizados, ou relegados a papéis menores. Segregados ao mundo do samba e do futebol, à cozinha e aos serviços gerais.

Por sua vez, a meritocracia também atuava, entendida como a ideologia que prega que os indivíduos estariam aptos a disputar cargos e postos apenas pelo seu méritos, qualidades e esforços pessoais. O mérito é um valor burguês por excelência. Contudo, esconde um grave problema lógico, esquece-se que os negros foram por séculos escravos, privados de direitos sobre propriedades e sem acesso a educação formal.  E após abolição legal da escravidão nada receberam de reparação ou indenização. entram no mercado de trabalho com forte desvantagem. Na atualidade, mesmo quando possuem escolaridade e qualificação similares, adquirem salários menores do que os brancos, fruto de que o mérito mesmo no capitalismo não é vetor da distribuição das oportunidades entre os indivíduos.

O terceiro mito alimentador do racismo no Brasil é o da demonização da cultura africana, a mais sútil e terrível dos três mitos. Por ele, todos os valores e manifestações culturais são interpretados pela cultura branca, dominante da sociedade capitalista, como maléficas, degeneradas, primitivas, ignorantes, ou mesmo “do mal”, do “demônio”. Sua grande manifestação se dá em especial na religião, onde todas os valores culturais semelhantes ou ligados ao legado africano ou afro-brasileiro são assim considerados. O resultado disso são efeitos alienadores sobre a população negra e afrodescendentes, enfraquecendo a resistência cultural, importante na luta contra a superexploração. Impondo assim a cultura branca e a docilidade aos valores burgueses. 

A luta antirracista se dá consequentemente também no plano do combate e no desmascaramento dos mitos burgueses sobre o racismo, tal como a luta contra as opressões se dão também contra a invisibilidade, as falsas consciências sobre a questão e a formas que o sistema encontra à absorção da resistência à opressão.

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