País precisa mudar modelo para poder adotar controle de capitais
Rogério Lessa 20/04/2012 
entrevista Miguel Bruno/Ipea
Em discurso que fará neste sábado no 
comitê dirigente do FMI, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dirá que o
 Brasil vai continuar intervindo nos mercados de câmbio e pode até 
recorrer a controles de capitais para conter o excesso de entrada de 
dólares no país. Ele pedirá reciprocidade ao FMI, que, segundo o 
ministro, endossou as políticas expansionistas dos países desenvolvidos e
 agora teria de fazer o mesmo em relação às medidas defensivas 
recentemente tomadas pelas economias emergentes.
"O governo vai continuar fazendo o 
que julgar necessário para conter os ingressos de capital excessivos e 
voláteis por meio de uma combinação de intervenção nos mercados de 
câmbio à vista e futuro, medidas macroprudenciais e controles de 
capital", diz Mantega no discurso encaminhado antecipadamente para a 
imprensa, sem especificar, no entanto, que tipos de controles de capital
 o governo pode adotar.
O ministro da Fazenda defende também 
que as medidas recessivas tomadas pelas economias avançadas, sobretudo a
 Alemanha, estão reduzindo o crescimento nas economias emergentes. Em 
outras palavras, pede que o governo alemão gaste mais.
Dependência
Na opinião do economista Miguel 
Bruno, do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), o próprio FMI
 já admitiu o uso de controles de capitais em determinadas situações 
críticas. E, portanto, a adoção pelo Brasil não seria surpresa para 
aquele organismo internacional. Bruno, no entanto, observa que esse tipo
 de medida vai de encontro ao modelo de inserção internacional e ao 
arcabouço institucional escolhido pelo país. E qualquer mudança, mesmo 
necessária, deve ser feita de forma gradativa.
"O modelo de abertura financeira e 
câmbio flutuante aprofundou a dependência do país em relação a capitais 
estrangeiros e prejudicou os setores cuja produção é de maior valor 
agregado. Toda a sua arquitetura tem contradições. O mais prudente é 
entrar num período de transição que dê tempo aos agentes econômicos para
 acomodarem suas posições, mudarem o nível de alavancagem, a composição 
de ativos e passivos para operar em outro contexto macroeconômico e 
outro padrão de inserção internacional", defendeu Bruno, em entrevista 
exclusiva ao MM.
O ministro Mantega sempre se declarou contra a adoção de controles de capitais. É uma guinada radical?
O próprio FMI admitiu o uso desse 
recurso em determinadas situações críticas. Mantega admitiu que precisa 
monitorar o câmbio e vai tomar medidas para manter o dólar no melhor 
patamar possível. Quando se tem uma economia com um grau profundo de 
liberalização financeira, acaba-se provocando grande volatilidade na 
taxa de câmbio e dificultando outra variável relacionada: à taxa de 
juros. Este não é o caso só do Brasil.
Nos mercados financeiros globais, 
câmbio e juros viraram ativos, instrumentos de valorização financeira 
dos detentores de capital. Isso dificulta a utilização do câmbio como 
parte de uma política industrial coerente com o desenvolvimento da 
indústria. Nos países que mais crescem, o câmbio assume funcionalidade 
diferente. Na China, por exemplo, a taxa de câmbio não pode ser usada 
para especulação. Aqui, esse é uma espécie de calcanhar de Aquiles de 
nosso modelo.
Por que é tão difícil mudar o modelo?
Intervir no câmbio de maneira forte 
vai contrariar diversos interesses. Há carteiras que possuem derivativos
 cambiais. O governo não pode, numa canetada, desvalorizar o real porque
 o câmbio é flutuante e as forças do mercado atuam continuamente na taxa
 de juros e de câmbio. Isso gera uma série de problemas. Se o câmbio 
valoriza, vai prejudicar o setor exportador de bens de maior valor 
agregado. No casos das commodties, temos ganhos de produtividade e 
mercados lá fora que compensam a apreciação cambial, mas isso não é 
regra geral.
Os setores que precisam de uma taxa 
mais competitiva de câmbio saem perdendo. A declaração do ministro 
mostra que o governo reconhece isso e pretende tomar medidas, mas nosso 
modelo de inserção internacional converte o  câmbio em ativo para 
investidores das altas finanças.
Se fizer isso, Mantega estará mudando nosso padrão de inserção?
Sim. E ele sabe que precisa de toda 
uma estratégia de convencimento dos organismos internacionais, sobretudo
 do FMI. Está mexendo com uma variável que já está na carteira de ativos
 de investidores nacionais e estrangeiros. Não é coisa que se possa 
fazer, a não ser que o país recorra a um período de transição. Estamos 
há muito tempo num padrão de inserção internacional que privilegiou a 
liberalização financeira. Os neoliberais acreditam que as duas dimensões
 (comercial e financeira) podem se ajudar mutuamente, mas como ter 
câmbio competitivo se a liberalização financeira o faz apreciar? É uma 
evidente contradição.
Mas a apreciação não beneficia o custo de produção?
Sim, mas pune na hora de exportar. 
Temos de buscar formas mais harmônicas entre as dimensões comercial e 
financeira. O Brasil precisa de uma taxa de câmbio que possa acomodar os
 interesses do mercado financeiro e a rentabilidade que a indústria 
precisa. Mas não dá para fazer de um dia para o outro. É uma questão 
estrutural. A economia já criou inércia, comportamentos regulares e a 
própria dinâmica das transações se forjou com base nesse tipo de 
inserção. Por isso, acho difícil que o Brasil tenha resolvido encarar 
uma mudança estrutural. Pois não há como mexer com o modelo de inserção 
que escolhemos a curto prazo. É uma variável política tem que refazer 
certas institucionalidades, especificidades, como a flutuação cambial 
com tendência à apreciação, que não contempla os interesses de todos os 
setores.
Há conseqüências também para as contas externas?
Além de ter essa funcionalidade, de 
ser instrumento de valorização de riquezas financeiras, a apreciação é 
funcional também na hora de remeter lucros. O grau de 
internacionalização das plantas industriais, que começou nos anos 90, 
atingiu um nível dramático.
As empresas querem remeter em dólar e
 com o câmbio apreciado facilita a compra. Existe toda uma constelação 
de interesses em prol da manutenção do atual regime cambial. O governo 
precisa de uma força de persuasão muito grande. Além da empresa 
estrangeira, há nacionais interessadas, sobretudo bancos, que captam lá 
fora, a  juros baixos, e internalizam esse dinheiro para ganhar com a 
diferença dos taxas. Mas ao fazerem isso contraem dívida em dólar e uma 
desvalorização rápida gera problemas.
Então, toda a arquitetura do modelo tem contradições.
O modelo aprofundou a dependência em 
relação a capitais estrangeiros. No entanto, creio que a preocupação do 
ministro seja mais com o desempenho ruim da economia do que com o que 
vem lá de fora. A própria apreciação do câmbio aumenta o poder 
aquisitivo dos assalariados e o real apreciado permite viagens, consumo 
de importados. Existe até uma euforia no mercado de consumo de massa.
Por outro lado, a produção interna 
está sendo punida. Esse poder aquisitivo maior não verte benefícios para
 a estrutura produtiva interna. Estamos numa situação em que há coisas 
boas, mas também outras, que precisam ser revistas. Isso tem a ver com 
as contas externas. Enquanto não mudarmos as características 
institucionais, por exemplo, a regulação de câmbio e juros, teremos 
sempre que absorver capitais. Caso contrário, o balanço de pagamentos 
não fecha.
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