Como o câmbio impacta a inflação, por Nakano
Nakano: “Câmbio valorizado gera inflação”
Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org - Da Agência Dinheiro Vivo
Não apenas a indústria brasileira tem sofrido com a valorização do
real. O processo de apreciação do câmbio também está contribuindo para o
aumento da inflação, ao favorecer setores no tradables,
principalmente o de serviços, que não sofrem concorrência direta e nem
exportam. Diferente da indústria, que competem com os importados, e por
isso são forçadas a reduzir os preços, é no setor de serviços que se
verifica o motor da inflação. A avaliação é do economista e diretor da
Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
Yoshiaki Nakano, para quem os modelos de apreciação do câmbio e da taxa
básica de juros, a Selic, já chegaram à exaustão. O motivo principal
está no fato de não serem mais bons instrumentos para o controle da
inflação.
Em entrevista ao Brasilianas.org,
o ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo explica que, da mesma
forma que a apreciação da moeda, no Brasil, está apenas transferindo o
problema da inflação para o setor de serviços - e por isso não deve mais
ser utilizada -, a taxa Selic deve ser abolida, uma vez que não se
sustenta mais como sistema.
“É sobra de caixa, e não investimento o que o Banco Central tem que
captar. Investimento tem que ser captado pelo Tesouro, no mercado de
títulos de longo prazo, que não existe, pois o banco central não deixa
criar. Então, é esse sistema que precisa ser mudado. Enquanto não mudar
isso, a taxa de juros Selic vai cair, bater no máximo 8%. Abaixo disso,
você vai criar uma confusão no mercado financeiro”.
Além disso, Nakano aponta que a Selic não tem mais efeito para o
consumidor final. Para ele, o efeito está no câmbio, que atrai recursos
especulativos. “Não importa se entra com o nome de investimento direto;
entra no curto-prazo”, afirma. Confira abaixo a entrevista na íntegra,
na qual o economista ainda fala sobre as mudanças na caderneta de
poupança e as reduções das taxas da Caixa Econômica Federal e do banco
do Brasil.
Brasilianas.org - Qual sua perspectiva sobre a próxima diminuição da Selic e o impacto na caderneta de poupança?
Yoshiaki Nakano - Uma alteração na caderneta de
poupança é bem-vinda, porque é um dos problemas. Mas mudar só a poupança
não vai resolver nosso problema maior, que é o fato do Banco Central
ter essa prática de política monetária, com uma taxa de juros que não
faz sentido, que é a taxa Selic. Ela é exatamente a mesma taxa paga pelo
Tesouro Nacional por título público. Esse é o grande problema. O que
está errado na poupança, na verdade é decorrência do nosso sistema Selic
- um conjunto de regras que rege nosso sistema monetário. A poupança
deveria ser de longo prazo, pois não éaplicação overnight [ou
seja, aplicação financeira para ser resgatada no dia seguinte]. Deveria
caminhar na direção contrária, isto é, retirar a liquidez que é
garantida na poupança.
Mas essa proposta é mais para longo prazo, certo?
Isso é um problema mais complicado, porque na verdade a caderneta de
poupança virou também conta corrente dos pobres. Quem tem salário
relativamente baixo não quer pagar as tarifas bancárias, que são
extremamente elevadas. E aí o que se faz é abrir uma conta na poupança.
Assim, para a grande massa da população, ela [a poupança] virou uma
conta corrente. Agora, é uma maluquice você ter na Constituição [de
1988] fixando taxa de juros real, como é o caso da poupança. Isso
deveria mudar.
E o fato da poupança não ter taxação? Pode ser uma saída mais pragmática?
Pela forma que se tomou no Brasil, deve-se tomar muito cuidado. Não
vejo sentido tributar as pessoas de baixa renda que utilizam a poupança
como conta corrente. Não faz sentido. Agora, quem faz grandes volumes de
grandes aplicações, acho que faz perfeitamente sentido. Cobra na fonte,
ou na declaração de renda.
A origem dessa discussão está na necessidade de redução dos
juros. Caso reduza mais, como está previsto, podemos ter novamente
inflação acelerando? É possível sair desse ciclo, pensando também que há
a questão do crédito público subsidiado, que não pode crescer mais,
segundo o Banco Central?
Podemos dizer que o crédito é subsidiado no Brasil quando comparado
com as taxas absurdas cobradas pelos bancos privados. Quando você
compara nossas taxas de juros, mesmo as praticadas pelo BNDES, ou mesmo
de crédito rural, são taxas normais nos outros países. Se você tem
cheque especial, você paga 150% de juros. Você vai dizer que isso é
subsidiado? Tem que levar em consideração como comparar. O problema
nosso é que a Selic deve cair, pois há espaço no curto prazo, mas logo
logo ela vai encontrar um piso. E se todo o sistema está indexado à taxa
diária de juros, e você tem uma poupança [rendendo] algo em torno de
6%, eu diria que a taxa Selic não pode cair abaixo de 8%. Oito por
cento, para a taxa de juros do Banco Central é absurdamente elevada,
porque é o Banco Central que está pagando.
O que se criou no Brasil - e isso não é de hoje, é do período de alta
inflação - é que, lá para trás, havia um Ato que delegava para o Banco
Central a gestão da dívida pública, e o Banco Central tinha poder de
emitir, sem limite, títulos de dívida pública. E também quando a
inflação era muito elevada, toda a dívida pública era rolada no
overnight, com prazo de um dia. E para você eliminar o risco, para poder
cobrar esses títulos públicos por um dia, o que se fez foi o sistema de
juros pós-fixado.
O que significa?
Se o juros, num dia, está muito baixo, a pessoa podia não aplicar e
não comprar título público, porque a inflação podia dar salto. Então a
taxa de juros deveria subir para conter pelo menos a inflação. E aí se
fez esse sistema que não tem risco. A taxa de juros pode subir à
vontade, que não acontece nada nos preços dos ativos, pois é tudo
pós-fixado. Mas veja bem: se toda dívida pública era rolada no
overnight, e era muito difícil rolar a dívida, o governo montou um
sistema de quase monopólio, colocando uma barreira absurdamente elevada,
de forma a captar toda a poupança do país no overnight. E taxa do
overnight é determinada, evidentemente, pelo Banco Central. E, como
disse, se toda dívida pública era rolada no overnight, a taxa de juros
do Banco Central passou a ser a mesma do título público. O problema é
que a inflação foi controlada e esse mesmo sistema persiste até hoje.
E por que?
Porque você passa a ter taxas absurdamente altas e muita gente ganha
muito dinheiro com essas taxas altas. Quando o Banco Central coloca taxa
de juros extremamente elevadas, com um piso - que é uma operação sem
nenhum risco, pois emissão de moeda não quebra -, você garante liquidez.
Se o Banco Central, para tomar dinheiro diariamente paga taxas de juros
Selic, que é a mesma do título público de longo prazo, pois o Tesouro
está captando recursos para financiar seu déficit, o que acontece? Toda
taxa de juros fica lá em cima, e então os bancos, para captar recursos,
tem que atrelar todo seu passivo (seus negócios) a essa taxa. Todo o
mercado de capitais tem que pagar Selic mais alguma coisa, senão nenhum
investidor vai comprar qualquer papel. E mais do que isso: os bancos,
para captar recurso, se não garantir liquidez, as pessoas vão dizer
“então coloco no overnight”. O que acontece, então? O Banco Central, na
realidade, está represando, praticamente, toda poupança; criou um
represamento, uma barreira de tal forma para segurar toda poupança no
overnight.
E e aí que o senhor propõe acabar com a taxa Selic?
Sim, o que deve ser feito é acabar com a Selic. Significa normalizar,
fazer como outros países no mundo. A taxa do overnight não pode ser a
taxa do título público. Aí toda a estrutura de juros vai mudar e vai
cair. Se você fizer uma comparação internacional, a taxa do Banco
Central tem que ser algo compatível com a dos outros bancos centrais. Se
você pegar Estados Unidos, Europa, Japão e Inglaterra, dá uma média em
torno de 0,5% ao ano. Por que o Banco Central brasileiro tem que pagar
muito mais do que isso? Porque na sua função verdadeira, essa taxa
deveria ser a taxa de sobra de recursos no caixa dos bancos. Você diz “a
taxa de juros será X”, se sobrar dinheiro, o Banco Central toma e paga
essa taxa. É sobra de caixa, e não investimento o que o Banco Central
tem que captar. Investimento tem que ser captado pelo Tesouro, no
mercado de títulos de longo prazo, que não existe, pois o banco central
não deixa criar. Então, é esse sistema que precisa ser mudado. Enquanto
não mudar isso, a taxa de juros Selic vai cair, bater no máximo 8%.
Abaixo disso, você vai criar uma confusão no mercado financeiro.
Mas como se acabaria com a Selic?
De forma programada, para evidentemente todo mundo sair dos
pós-fixados. Acabar com a LFT (Letras Financeiras do Tesouro). Isso deve
ser feito de acordo com medidas adequadas, e aí o Banco Central passa a
ter a taxa de juros básica, condizente com operação no mercado de
moedas e de reserva bancária. E aí vai pagar pela taxa se houver sobre
de caixa; sobra de caixa não é investimento. Se faltar, o Banco Central
fornece os recursos, mas no Brasil, no overnight, existe recursos; há um
tempo atrás, entre o overnight e operações, o Banco Central estava
captando 15% do PIB [Produto Interno Bruto]. É praticamente captar toda a
poupança do país no overnight em operações compromissadas.
A Selic tem, no entanto, servido como bom instrumento para controle da inflação?
Muito pouco, e esse é um problema. Pode observar: o Banco Central
mexe na Selic e o que acontece com a taxa de juros dos empréstimos dos
bancos? Não muda.
Não tem efeito no consumo.
Mais do que isso. Normalmente, em situação normal, quando todos os
títulos são pré-fixados, o ativo do banco, por exemplo, e você eleva a
taxa de juros, o valor do ativo cai. Para as pessoas que detém títulos,
de qualquer natureza, se for pré-fixado, os juros altos fazem o preço
cair - assim, fica-se mais pobre. Por isso que você provoca uma
contração forte na economia, quando você eleva os juros. Mas no Brasil,
não tem esse efeito, pois o efeito está na via câmbio, atraindo uma
enxurrada de recursos meramente especulativos. Não importa se entra com o
nome de investimento direto; entra no curto-prazo.
Provocando apreciação do real.
Isso, e que está matando a indústria brasileira. Agora, a apreciação
do real faz a inflação cair. Quando é que nós atingimos a meta de
inflação deste país? Quando o câmbio estava apreciando, pois os
importados entram mais barato e a inflação é contida. E o que eu estou
pressentindo é que mesmo este modelo [de apreciação de câmbio] chegou à
exaustão. Porque a apreciação de câmbio está detonando com a indústria,
e, por outro lado, quando você aprecia o real, você na verdade está
favorecendo aqueles setores que não tem concorrência e nem exportam - o
setor de serviços, por exemplo. E é o setor de serviços que está gerando
inflação, pois na medida que você aprecia o câmbio, você protege esses
setores (no tradables). Setores que competem com os importados,
tem que reduzir seu preço; setor que exporta, não consegue exportar;
então é o setor de serviços, que não tem concorrência e cujo salário
também sobe. O que acontece é que se gera demanda para os serviços,
gerando, assim, a inflação.
Então se o modelo de taxa Selic e o modelo de apreciação
estão esgotados para conter inflação, como se poderá chegar à meta de
4,5%?
Esse patamar [4,5%] é muito simples, por uma razão também muito
simples, é uma questão aritmética. A inflação do Brasil acelerou quando
as commodities começaram a subir em outubro de 2010. Até mais ou menos
abril e maio, os preços continuavam subindo, e nesse período o setor de
serviços também começou a subir. A partir de maio, mais ou menos, o
preço das commodities parou de subir e então a inflação deveria ter
caído para um nível normal, e aritméticamente cai, porque se você pegar o
período quando o preço parou de subir para cá, a inflação não vai dar
mais do que 4,5% - é esse período que estamos vivendo. Mas nós podemos
ter problemas pela frente, pois a apreciação do câmbio está gerando essa
inflação. E mexer com Selic não vai derrubar preços do setor de
serviços.
Qual sua avaliação da redução de taxas anunciada pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil?
Qual sua avaliação da redução de taxas anunciada pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil?
Caixa Econômica e Banco do Brasil estão entrando com taxas baixas
para estimular mais o consumo. Mas o que tínhamos que fazer era
estimular o investimento, pois a industria não está investindo, parou.
Outro dia foi manchete de jornal: 225 empresas com capital aberto,
gerando 280 bilhões de reais de caixa. Ninguém quer correr risco, pois
não sabe como ficará o câmbio, a Selic. Não adianta, portanto, resolver
um problema só [o da Selic], mas sim o conjunto. Tenho certeza de que o
governo sabe de tudo isso do que estou dizendo, pois entendem muito mais
do que eu, pelo fato de estarem lá. Mas, claro, há inúmeras pressões
políticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário