terça-feira, 24 de abril de 2012

O modelo chinês ameaçado pela crise e pelo ascenso operário


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greve recente na fábrica da Panasonic
Liga Internacional dos Trabalhadores - Há pouco mais de três décadas, a burocracia do então Estado operário da China iniciou a implantação do "capitalismo com características chinesas".
Deng Shiao Ping, após feroz luta interna contra a ala da burocracia conhecida pejorativamente como a gangue dos quatro – que se dizia herdeira dos ideais maoistas e da continuidade da revolução cultural – institui as "quatro modernizações".

Era a senha para a abertura ao capital estrangeiro, a privatização das estatais e a introdução dos mecanismos de mercado na economia. Em outras palavras, a restauração capitalista de um Estado operário que tinha possibilitado avanços incríveis a uma população eminentemente agrária em estado permanente de miséria e à sua classe operária, apesar das desastrosas políticas impostas por Mao.

O que não mudou foi a manutenção férrea da ditadura, agora burguesa, baseada no Exército do Povo e no sistema de partido único – o Partido Comunista da China (PCCh). Foi assim em 1989, quando um processo revolucionário que exigia democracia, o fim da corrupção e sindicatos livres terminou em banho de sangue na Praça Tiananmen.


Para vergonha de todos os revolucionários, esta ditadura a serviço do capital ainda se denomina "comunista" dirigindo um "socialismo de mercado", manchando nossa bandeira socialista.


Modelo chinês e crise econômica
Este modelo transformou a China na "fábrica do mundo" nos anos 90 e foi crucial para a expansão econômica do capitalismo nos anos 2000. A ditadura garantiu altas taxas de lucro à burguesia a partir da superexploração da classe operária e da instalação de multinacionais para a produção de produtos destinados à exportação. Enquanto isso, a população chinesa via seu nível de vida cada vez menor, em relação à riqueza que gerava para o país, fazendo com que o consumo familiar baixasse ao nível de 36% do PIB, embora setores da burocracia estatal, do exército e de uma "nova classe média" fossem beneficiados.

A China também foi fundamental para amenizar a crise econômica iniciada em 2006 nos EUA e que teve repercussão mundial com o estouro da "bolha imobiliária" em 2007. O governo chinês injetou na economia US$ 586 bilhões em 2008/09, além de US$ 1,5 trilhão através de empréstimos pelos bancos estatais, com o objetivo de evitar um colapso mundial e de manter o emprego dos cerca de 150 milhões de migrantes, operários sem direitos e com baixíssimos salários, para que as rebeliões populares não chegassem ao país.

No entanto, se foi capaz de amenizá-la, não conseguiu fazer com que a crise fosse eliminada. Ao contrário, ela manteve-se nos EUA, numa situação de fraco crescimento econômico, mas se aprofundou na Europa, o principal mercado importador de produtos chineses. Isso faz com que o modelo exportador financiado pelo governo comece a dar sinais de esgotamento. O nível altíssimo de liquidez da moeda, causando pressões inflacionárias permanentes e uma maior dificuldade de controle do câmbio, as dívidas impagáveis dos governos regionais (quase 11% do PIB), a superprodução existente em vários setores decorrente do crédito fácil e incentivos fiscais, notadamente no mercado imobiliário e na siderurgia, e os aumentos salariais decorrentes da incessante luta de uma classe operária totalmente precarizada no setor privado fazem com que esta política não possa perdurar, apesar de níveis de crescimento maiores que a média mundial.

De fato, o PIB cresceu 9,2% em 2011 (10,4% em 2010), com o último trimestre mostrando uma redução de 2,3% (terceiro trimestre) para 2,0%. A previsão é de que o primeiro trimestre de 2012 apresente uma queda ainda maior, inclusive devido ao feriado de 15 dias do ano novo chinês. Os meses de janeiro/fevereiro mostram uma redução de atividade das indústrias primária (matérias primas) e de eletrodomésticos. Por exemplo, -1,1% na indústria de petróleo, 16,3% para o minério de ferro (com indicações claras de superprodução no setor), cimento (4,8%), aço (2,2%), metalúrgicas (4,6%), máquinas de lavar (-5,7%), refrigeradores (9,8%), geladeiras (-2,9%) e condicionadores de ar (-4,8%). E uma manutenção dos índices na produção de máquinas e implementos agrícolas e de produtos eletrônicos destinados à exportação (computadores, celulares). Os dados mostram uma redução drástica de investimentos estatais (indústrias primárias) o que levará a uma reação em cadeia no futuro, se esta tendência for mantida.

Pouso suave?
Com indicações cada vez mais claras da desaceleração da economia, que não conseguiu ser evitada com medidas meramente fiscais tomadas pelo governo (queda da taxa de juros, queda do empréstimo compulsório dos bancos, controle do câmbio, maior controle sobre os empréstimos bancários), a ditadura chinesa já admite previsões menores de crescimento econômico para os próximos anos. O primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou, na abertura da sessão anual do Congresso Nacional do Povo (o parlamento chinês, totalmente controlado pelo PCCh) a previsão de 7,5% de crescimento do PIB para 2012 e uma meta de 7% em média até 2015. É o chamado "pouso suave" da economia, que daria tempo suficiente para se fazer a transição de um modelo de exportação para um modelo baseado no consumo interno.

Esta transição é exigida há anos pelo Banco Mundial e também incluída nos planos quinquenais do país, mas até agora sem sucesso. O problema é que um novo modelo produtivo afeta o coração da economia exportadora e os interesses de um grande setor da burguesia chinesa, baseada em Hong Kong, proprietária das fábricas de produtos baratos de exportação e empregadora de um enorme contingente de trabalhadores migrantes. Wang Yang, governador do estado de Guangdong, afirmou a esse respeito que regiões como Dongguan, um dos centros de exportação do estado, poderia tornar-se a "Grécia de Guangdong", pois "Dongguan representa um modelo tradicional de desenvolvimento, mas devido à valorização da moeda e ao aumento dos preços das matérias primas, é difícil a continuidade de muitos negócios".

Mas ele omitiu o problema dos problemas: os aumentos salariais arrancados pela luta da classe operária (em 2010 houve 180 mil conflitos), obrigando o governo a conceder reajustes dos salários mínimos regionais bem acima da inflação, que corroem as taxas de mais-valia deste setor da burguesia (e, portanto, afeta a taxa de lucro de toda a economia). Esta redução da taxa de lucro provoca movimentos da burguesia em três direções: mudar suas fábricas para o interior onde os salários mínimos regionais são menores, mudar suas fábricas para países vizinhos onde os salários são ainda mais baixos (p. ex., Vietnã) ou, por parte de algumas multinacionais norte-americanas, como a Caterpillar, voltar a produzir nos EUA quando os custos revelam-se competitivos.

Isso pode criar uma redução do nível de emprego nas regiões exportadoras do leste e causar um "tsunami operário", levando a uma situação que a ditadura quer evitar a todo custo: a possibilidade da transformação das milhares de lutas econômicas e democráticas (como no Tibet, da nacionalidade Uigur ou a rebelião dos moradores de Wukan que ocuparam as instalações do governo municipal, forçando o PCCh a negociar) num movimento unificado contra o governo e a burguesia, isto é, o início de uma revolução no país.

É por isso que, ao mesmo tempo em que adota cuidadosas medidas econômicas para evitar um levante, a ditadura aumenta o orçamento para o exército e propõe a reforma do código criminal, com a legalização dos frequentes sequestros de pessoas "suspeitas de subversão" por até seis meses para "averiguação", para promover uma repressão seletiva contra os líderes das lutas.

Portanto, mesmo um pouso suave da economia pode gerar consequências políticas imprevisíveis na luta de classes, mas que certamente apontam para um patamar mais elevado das mobilizações.

Disputas interburguesas
Até agora, a ditadura demonstrava total unidade na aplicação de sua política. Porém, uma disputa entre duas alas da burguesia representadas na cúpula do PCCh explodiu em plena seção anual do Congresso Nacional do Povo (CNP).

No último dia do CNP, 14 de março, o primeiro ministro fez um duro ataque: "O atual Comitê Municipal e o governo de Chongking precisam refletir seriamente sobre o incidente de Wang Lijun e aprender as lições decorrentes". Wen Jiabao referia-se à fuga – sem motivo conhecido - do vice-prefeito de Chongking, Wang Lijun, a um consulado dos EUA ocorrida no mês anterior. Wang passou a noite no consulado e depois foi entregue às autoridades chinesas e afastado de suas funções "para tratamento médico". Algumas horas depois da declaração de Wen, Bo Xilai, o chefe do partido em Chongkink, era destituído de todos os seus postos na cidade, embora ainda permanecesse como membro do Comitê Central do partido.

Esta decisão provocou mobilizações militares em Pequim e Chongking, além das costumeiras censuras da imprensa e da internet e, provavelmente, prisões preventivas.

Bo Xilai estava em ascensão no PCCh e era dada como certa sua indicação para o Comitê Executivo Permanente (CEP), o todo-poderoso órgão de nove membros do partido. Sua fama decorre da aplicação do chamado "modelo Chongking", pelo qual se incentivava o cântico em praças públicas de antigas canções revolucionárias da época de Mao e se desenvolvia planos habitacionais para a população de baixa renda. Além disso, era realizada uma campanha, chamada da wei, de perseguição às máfias da cidade e que, obviamente, atingia muitos empresários. O próprio juiz de Chongqing, Wen Qiang, foi condenado à morte, acusado de enterrar US$ 3 milhões vindos da corrupção num jardim.

Sua política atraiu o setor neo-maoista, defensor da manutenção do poder estatal na economia, mas sem atacar o "socialismo de mercado" apregoado pela direção. Por isso, Bo é considerado pelos analistas estrangeiros um esquerdista, defensor das estatais e da igualdade social.

Mas sua origem social e prática política desmentem-nos. Bo é um "príncipe" do partido – como são chamados os filhos dos líderes da revolução de 1949 que subiram os degraus do poder em base a privilégios adquiridos por herança. Seu estilo populista autoritário lembra mais um Hugo Chávez chinês ou, numa comparação europeia, um Vladimir Putin, do que um líder de esquerda. E Chongking, uma cidade com 30 milhões de habitantes, viu a participação do capital privado no PIB municipal aumentar de 25% a 60% desde 2007. Além disso, o programa de casas populares revelou-se uma construção de dormitórios para trabalhadores migrantes, a fim de favorecer a instalação de indústrias privadas na região. Os próprios neo-maoistas sentiram na pele o "estilo Bo" quando organizaram uma conferência na cidade: foram presos a mando de seu ídolo.

Quem manda é o imperialismo
A punição de Bo foi apoiada pelo presidente Hu Jintao, o primeiro-ministro Wen Jiabao, o vice-presidente Xi Jinping, também um "príncipe" e até aliados, como Zhou Yongkang, o chefe de segurança interna, mostrando uma unidade de fachada na cúpula.

Outro evento, aparentemente desconexo, ajuda a esclarecer esta disputa: algumas semanas antes da instalação do CNP, um extenso relatório do Banco Mundial defendia a implementação de "reformas estruturais para reforçar as bases de uma economia de mercado pela redefinição do papel do governo, reformando e reestruturando as empresas e bancos estatais, desenvolvendo o setor privado, promovendo a concorrência e aprofundando as reformas da terra, trabalho e do mercado financeiro".

O relatório de 470 páginas prevê a redução da participação das estatais na economia chinesa para 10% em 2030 e a abertura imediata do mercado financeiro.

Este receituário neoliberal é defendido pelo Banco Mundial (leia-se, o imperialismo) há anos. A novidade é que, desta vez, seu relatório tem como coautor o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, um órgão do Conselho de Estado da China.

Mostrando uma afinidade total com o relatório, o primeiro-ministro, na abertura do CNP, prometeu "quebrar os monopólios" e "atrair investimentos privados para os setores ferroviário, de utilidades públicas [água e esgoto], finanças, energia, telecomunicações, educação e assistência médica", todos setores estatais. Bo, por sua vez, não fez nenhuma declaração contrária.

Este ataque frontal às estatais, ao sistema financeiro e à propriedade da terra é necessário para dar uma saída ao capital especulativo, ávido por investimentos lucrativos. Mas representa um enorme risco para a ditadura, devido ao importante ascenso operário e popular existente na China, que pode ser engrossado pela volta às lutas do setor mais tradicional da classe operária, os trabalhadores das empresas estatizadas a partir da revolução de 1949.

O 18º Congresso do PCCh e os rumos da disputa
Neste complexo contexto duas alas da burguesia se enfrentam na cúpula do PCCh, pois é ali que se detêm as rédeas do poder. Uma ala majoritária, consciente dos problemas sociais decorrentes do giro da economia, busca um caminho mais negociado com o movimento de massas sem abrir mão do controle ditatorial do país. A ala minoritária de Bo pretende aplicar o mesmo plano econômico ditado pelo imperialismo, mas através de uma política populista e mais repressiva. Para isso é necessário construir, frente às lutas vindouras do movimento de massas, um grande "Bonaparte" – o próprio Bo – que possa intermediar os choques entre o proletariado e a burguesia e manter o aparato do Estado intacto.

Não é outro o sentido do pronunciamento de Wen Jiabao quando anunciou a punição aos dirigentes de Chongking: "sem o sucesso da reforma política estrutural... uma tragédia histórica como a Revolução Cultural poderia ocorrer novamente". E também explica a indicação ao CEP de Wang Yang, governador do estado de Guangdong, que negociou com os rebelados habitantes de Wukan a deposição dos líderes locais do PCCh e a eleição de um novo Conselho Municipal, evitando um banho de sangue no povoado.

Esta disputa interburguesa teria um desfecho nos bastidores do 18º Congresso do PCCh em outubro, mas a fuga de Wang Lijun ao consulado norte-americano precipitou os acontecimentos, causando a deposição de Bo Xilai.

Se concretizadas, as anunciadas eleições do atual vice-presidente Xi Jinping, um neoliberal, ao cargo de presidente, e Li Kepiang, homem de confiança de Hu Jintao, para o cargo de primeiro-ministro, demonstrarão uma vitória da ala majoritária. E a provável eleição para o Comitê Central de Liang Wengen, presidente da Sany Heavy Industries, e considerado o homem mais rico do país, com uma fortuna de US$ 11 bilhões, será um gesto simbólico da participação direta do grande capital no aparato do Estado.

Porém, a proclamação de "unidade" e a eleição unânime dos novos órgãos dirigentes do partido e do país, que certamente ocorrerão, não conseguirão esconder a crise. A disputa pelo poder entre uma ala que busca realizar aberturas controladas para aplicar os planos imperialistas e outra que pretende manter a repressão através de um "Bonaparte", para aplicar os mesmos planos, continuará, sob a pressão do ascenso do movimento de massas que não se vê representada por nenhuma delas.

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