domingo, 28 de agosto de 2011

Vinte anos para mudar o mundo

Artigo do sociólogo Immanuel Wallerstein, um dos grandes expoentes da Ciências Sociais contemporânea e um dos pais da teoria do Sistema-Mundo. O autor associa a crise econômica mundial atual, cujo centro é a economia dos EUA, ao declínio deste enquanto centro hegemônico do sistema capitalista mundial.

Vinte anos para mudar o mundo
 por Immanuel Wallerstein
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/VINTE+ANOS+PARA+MUDAR+O+MUNDO_1595.shtml

Há uma década, quando eu e alguns outros falamos do declínio dos Estados Unidos no sistema-mundo, fomos recebidos no máximo com sorrisos de pena por nossa ingenuidade. Os EUA não eram o superpoder, envolvidos em cada canto remoto do planeta, capazes de obter o que queriam em quase todas as ocasiões? Essa era uma visão difundida em todo o cenário político.

Hoje, a visão de que os EUA declinaram, e declinaram seriamente, é uma banalidade. Todos dizem isso, com exceção de alguns políticos norte-americanos que temem ser culpados pela decadência, se a debaterem. O fato é que hoje quase todos acreditam na realidade desse declínio.

O que, entretanto, é muito menos discutido é quais foram, e quais serão as consequências mundiais desse fato. O declínio tem raízes econômicas, é claro. Mas a perda do quase-monopólio de poder geopolítico, que os EUA já exerceram, tem consequências políticas importantes em todo o mundo.

Vamos começar com uma história contada na seção de negócios do The New York Times em 7 de agosto. Um administrador de fortunas em Atlanta “apertou o botão de pânico” em nome de dois clientes ricos que o encarregaram de vender todas as ações e investir o dinheiro em algum fundo mútuo de alguma maneira isolado da crise. O administrador contou que, em 22 anos de trabalho, nunca tinha ouvido um pedido desses. “Isso não tem precedentes”. Os jornais chamaram a decisão de o equivalente de Wall Street ao “botão nuclear”. Foi algo inteiramente contra o conselho tradicional santificado, de “evitar o pânico” diante das turbulências do mercado.

A Standard & Poor`s reduziu o rating de crédito de dos EUA de AAA para AA+, outro fato “inédito”. Mas isso é uma ação relativamente leve. A agência equivalente na China, Dagong, já reduziu a credibilidade dos EUA para A+ em novembro, e agora para A-. O economista peruano Oscar Ugarteche declarou que os EUA tornaram-se uma “república de bananas”. Ele diz que o país “escolheu a política da avestruz, como modo de não perder as esperanças [de melhora]”. Em Lima, nessa última semana, o encontro dos ministros de Finanças dos países sul-americanos discutiu medidas urgentes para isolar a região dos efeitos do declínio econômico dos EUA.

O problema que todos enfrentam é que é muito difícil isolar-se dos efeitos do declínio dos EUA. Apesar da severidade de seu declínio político e econômico, os EUA continuam um gigante no cenário mundial, e qualquer coisa que acontecer lá ainda provoca grandes ondas no resto do mundo.

É claro que o maior impacto do declínio é, e vai continuar sendo sentido, nos próprios EUA. Políticos e jornalistas estão falando abertamente da “disfuncionalidade” da situação política no país. Mas o que mais essa situação pode ser, além de disfuncional? O fato mais elementar é que os cidadãos dos EEUA estão chocados pelo simples fato do declínio. Não é apenas que os estejam sofrendo materialmente com esse declínio, temam sofrer ainda mais, com o tempo. Eles acreditaram que os EUA eram a “nação escolhida”, designada por Deus ou pela história para ser um modelo para o mundo. E ainda ouvem o presidente Obama assegurar que seu país será sempre um “triplo A”.

O problema para Obama e para todos os políticos é que muito poucas pessoas ainda acreditam nisso. O choque para o orgulho e a auto-imagem nacional é formidável e além de tudo repentino. O país está lidando muito mal com ele. A população busca bodes espiatórios e esbraveja, de modo selvagem e pouco inteligente, contra os suspeitos de sempre. A última esperança parece ser a de descobrir que alguém é culpado e ver, como remédio, mudanças no comando.

Em geral, as autoridades federais são vistas como as mais fáceis de culpar – o presidente, o Congresso, os dois grandes partidos. Há uma tendência forte em direção a cortes no envolvimento militar fora dos EUA. Culpar o “povo de Washington” por tudo produz volatilidade política e disputas locais ainda mais violentas. Os EUA tornaram-se, eu diria, uma das entidades menos estáveis no sistema-mundo.

Isso torna EUA um país não apenas de disputas políticas são disfuncionais, mas, além disso, pouco hábil para exercer poder real na cena internacional. Há uma grande queda na confiança nos EUA e seu presidente, entre grandes aliados no exterior e entre a própria base política interna do presidente. Os jornais estão cheios de análises sobre os erros políticos de Barack Obama. Quem pode argumentar contra isso? Eu poderia listar facilmente dezenas de decisões de Obama que, segundo meu ponto de vista, foram erradas, covardes e algumas vezes inteiramente imorais. Mas eu me pergunto se teria feito muita diferença, caso ele tivesse ele agido como sua base desejaria. O declínio dos EUA não é uma consequência de decisões medíocres de seu presidente, mas de realidades estruturais no sistema-mundo. Obama pode ser o indivíduo mais poderoso no mundo, mas nenhum preesidente dos EUA é ou poderia ser hoje tão poderoso como os de antes.

Estamos entrando numa era de turbulências agudas, constantes e rápidas – nas taxas de câmbio, nas taxas de emprego, nas alianças geopolíticas, nas definições ideológicas da situação. A extensão e rapidez destas flutuações torna impossível fazer previsões de curto prazo. E sem alguma estabilidade razoável nas previsões de curto prazo (três anos, digamos), a economia-mundo estanca. Todos os países terão de ser mais protecionistas e voltados para dentro. Os padrões de vida vão cair. Não é um quadro agradável. E embora haja aspectos positivos para muitos, no declínio norte-americano, nada garante que, com os sacolejos do barco mundial, outros países possam tirar da nova situação o proveito que esperam.

É hora para análises muito mais sóbrias e de longo prazo, julgamentos morais muito mais claros sobre o que estas análises revelam, e ação política muito mais efetiva no esforço de criar, nos próximos 20 ou 30 anos, um sistema-mundo melhor do que aquele em que estamos hoje enrascados.

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