quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Crise das dívidas: colapso dos estados nacionais, crepúsculo dos EUA e ascensão dos agentes financeiros?

por Almir Cezar Filho

O que explicaria as crises das dívidas e rebaixamento dos títulos dos EUA: o colapso dos estados-nacionais? Um crepúsculo dos EUA? A ascensão dos agentes financeiro? Catastrofismo à parte, a crise econômica mundial, cujo epicentro foram os EUA, manifestou alguma coisa, ou dará origem algo, para esse país. Para alguns autores seria a manifestação de uma suposta crise terminal de sua hegemonia no sistema mundial, para outros a crise demonstrou que há outros atores no sistema, com papel tão ou mais importantes, não apenas dos EUA, mas até mesmo que os estados-nacionais [para uma mostra desse pensamento veja artigo jornalístico ao final].

O mais certo, é que a crise mundial iniciada em 2008, transubstanciada em crise das dívidas públicas, cujo epicentro foi e são os EUA, evidência (ou provoca) fortes transformações no sistema mundial capitalista, e em especial o papel do seu centro hegemônico (os EUA) e dos Estados Nacionais. O capital, principalmente o capital financeiro, bancário e fictício, superou os Estados Nacionais, por um lado, tornando-os uma espécie de 'leito de Procusto', um limite, um obstáculo à acumulação, e por outro lado, constituindo novos agentes com papéis tão ou mais fortes, como os fundos de investimento, as agências de rating, os "mercados".

Se há ou não o fim da hegemonia estadunidense, tão proclamada por vários teóricos - analogamente a crise iniciada em 1929 que evidenciou a o crepúsculo da Grã-Bretanha e França na centralidade do sistema - um discurso que se proclama aos EUA desde o segunda metade da década de 1970, um momento em que sua centralidade realmente passava por severos reveses. É verdade, que o padrão de desenvolvimento capitalista constituída entre as décadas de 1980/2000 inaugurou um novo papel aos estados-nacionais, inviabilizando várias de suas instituições e funções, sendo portanto natural que o mesmo tenha acontecido com o mais forte estado-nacional da atualidade, os EUA.


De fato, as crises não são momentos de mudança, de transformação, mas sim, momentos em que as transformações se assentam, se consolidam todas de um vez só, de maneira traumática e intempestiva. Assim, a crise reafirmou os EUA como centro do sistema mundial capitalista, mas marcou talvez como seu último grande movimento, ato, nesse papel. Um novo papel se delineia para ele, não menos central, mas não mais o mesmo daquele ganho desde o pós-Segunda Guerra, e fortalecido após o colapso da URSS. Não só outros tipos de atores, mas novos atores de velho tipo (estados-nacionais), ganharam importância, vide China e os BRICSs em geral, etc.

Dessa maneira, a crise de 2008 não se parece com a crise de 1929 (embora, vale lembrar que apesar de ter sido este ano sua data de inauguração, para a Europa a seu marco inicial foi em 1931, data da falência do banco austríaco Creditanstalt que precipitou dali uma forte crise financeira, que rapidamente contaminou a agricultura e a indústria). Mas com duas outra crises econômicas muito menos lembrada, mas tão importantes, a crise de 1878, e talvez uma outra ainda mais parecida, a crise de 1911/13, às vésperas da Grande Guerra, uma crise muito menos conhecida pelo público, e frequentemente negligenciada até pelos estudiosos. Cuja primeira mostrou o forte papel do capital financeiro (os bancos de investimentos, as sociedade anônimas, os trutes, etc) e ascensão enquanto potência da Alemanha e dos EUA, e a segunda, a que iniciou a trajetória de ruptura da primazia da hegemonia da Grã-Bretanha, e forçou ao sistema à primeira guerra interimperialista. E mesmo o fim dessa primazia ainda passou pelas várias décadas do pós-Segunda Guerra com  dezenas de guerras de descolonização.

Talvez seja esse o pior dos riscos à Humanidade. E na lista de desgraças criadas pelo grande capital (e infelizmente, todas já apareceram na atual crise), a última a eclodir, sinistramente a única ainda não a aparecer. Daí uma conclusão importante, enquanto houver o Capitalismo, de crise em crise, à Humanidade seguirá o mesmo e sinistro caminho. O Capitalismo não morre de morte morrida, mas de morte matada. Caberá ao proletariado em nome da Humanidade ser seu algoz, e pôr fim a esse teatro do absurdo com seus atores bizarros.

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Ao alvorecer do século XXI, EUA mergulham no crepúsculo
Estados caem, crescem os mercados, as agências de rating...


Monitor Mercantil, 19/08/2011 - Laura Britt, Sucursal da União Européia

Zurique - Ninguém pode saber com certeza a avaliação final dos dias que o mundo vive e que será aferida pelos historiadores. Um observador atento das evoluções internacionais poderá, unicamente, registrar que os dias atuais estão extremamente carregados por acontecimentos de importância simbólica que há apenas algum tempo pareciam quase incompreendidos.

Como o ocorrido na primeira sexta-feira deste mês, quando - pela primeira vez em sua história - os EUA perderam seu triplo A, a classificação máxima da capacidade de endividamento, pela agência internacional de rating Standard &Poor"s, que comportou-se em Washington como se estivesse em Atenas.

Esta decisão registra a reversão da correlação de forças mundialmente: Já os Estados, mesmo que não sejam superpotências, desempenham papel secundário no "como se faz com a economia" e, agora, infelizmente, para as sociedades e os povos, predominam novos players, como os mercados, as agências internacionais de rating, os vários fundos de hedge e alguns outros.

E não foi por acaso que, na segunda-feira, dia 8 deste mês, o presidente dos EUA, Barack Obama, tentou com seu discurso aliviar e tranquilizar as impressões gerais, enquanto, simultaneamente, Wall Street mergulhava no abismo.

A desvalorização da economia norte-americana, em sintonia com o anêmico crescimento e o espectro de queda dupla batendo em sua porta, constitui - além da "primazia" - também o fim de uma época inteira para os EUA, assim como para o restante do mundo do período da toda poderosa Washington. Uma nova, desconhecida até então, realidade.

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