O núcleo da corrupção no Brasil
Gabriel Bonishttp://www.cartacapital.com.
15 de agosto de 2011 às 11:48h
As denúncias de irregularidades envolvendo funcionários dos Ministérios dos Transportes, Turismo e Agricultura são apenas os mais recentes, entre os muitos e já quase corriqueiros, casos de corrupção em órgãos públicos no Brasil.
Em comum, as pastas acima têm o comando de partidos da base aliada do governo. Uma distribuição de cargos comum no sistema político nacional, que visa “premiar” os aliados. Porém, em meio à multiplicação de esquemas de corrupção no Brasil, surge o questionamento: o problema está na índole dos políticos ou na estrutura da adminitração pública do País?
Para tentar esclarecer a pergunta, CartaCapital conversou com o doutor em sociologia, professor Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e especialista em cultura política, Valeriano Costa. Segundo ele, o loteamento de postos no governo para aliados é o núcleo da corrupção. “É preciso haver politização nas estruturas governamentais, mas no Brasil não se sabe mais o que é vínculo entre a política e a administração. É preciso haver uma separação mínima entre essas partes e saber até onde pode haver políticos na estrutura”.
O ex-pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e Centro Brasileiro de Análise Planejamento (Cebrap) ainda afirma que a criação do sistema DAS (Direção e Assessoramento Superior), cargos de natureza especial que podem ser nomeados, eliminaram a clareza de que os postos administrativos deveriam ser concursados. “Há cargos que são puramente burocráticos e não poderiam sofrer influência política. Eles viraram uma espécie de bonificação”.
Por isso, de acordo com Costa, os partidos agem de má fé ao se interessarem pelos cargos do baixo escalão do governo. “Esses locais cuidam da distribuição de recursos e não das decisões. É o filé mignon da administração pública”.
O sociólogo ainda aponta o modelo de administração pública dos EUA como uma opção alternativa ao utilizado no Brasil, afirma que os sistemas de controle desses órgãos não conseguem evitar danos e decreta: o Brasil precisa de uma reforma estrutural na administração pública para eliminar a corrupção.
Acompanhe abaixo a entrevista na íntegra:
CartaCapital: Nas últimas semanas, os Ministérios dos Transportes, Agricultura e Turismo enfrentaram diversas denúncias de irregularidades que culminaram em prisões e demissões. Essas pastas são controladas por partidos aliados do governo, como o PR e PMDB. O senhor acredita que a política de distribuir cargos aos aliados propicia a corrupção?
Valeriano Costa: A montagem do sistema político brasileiro, essa distribuição de ministérios ou de funções públicas, é o núcleo do problema. É quase impossível não pensar em agir dessa forma e no parlamentarismo isso é absolutamente comum. No Reino Unido, por exemplo, o partido que ganha a eleição ocupa todos os ministérios, uma vez que não há divisão – a não ser no caso de uma coalizão, como acontece agora. Normalmente todos os ministérios são distribuídos a políticos, diretamente a deputados. Porém, há uma clareza muito grande do vínculo entre a política e a administração. Esse encontro acontece na cúpula do ministério, dali para baixo há basicamente três níveis semelhantes à secretaria-executiva e à chefia de gabinete, todos ocupados por deputados. Depois é uma estrutura burocrática e administrativa.
CartaCapital: E no Brasil?
VC: Aqui não se sabe onde começa e termina essa mistura entre política e administração. Aí começa a confusão e a montagem dos esquemas de corrupção. Todos os países do mundo possuem algum modelo de politização da administração, mas é preciso haver uma divisão de poderes. No Brasil há uma confusão, essa infinita rede de articulações entre interesses privados, políticos e administrativo-burocrático.
CartaCapital: Como o senhor enxerga a estrutura brasileira?
VC: Falta a definição clara entre cargo administrativo e político. O Ministério Público e algumas instâncias jurídicas estão tentando articular e definir quais seriam os cargos que podem ser distribuídos por meio de nomeações. Mas isso é uma longa luta que ainda não se concluiu.
CartaCapital – Como essa confusão na definição estrutural surgiu?
VC: Quem tem uma hipótese interessante sobre isso é o ex-ministro Adib Jatene [Saúde]. Segundo ele, o problema teria começado com a criação dos DAS (Cargos de Direção e Assessoramento Superior), cargos de natureza especial que são nomeados. Antes a burocracia tinha a clareza de que o cargo administrativo é concursado, mesmo que na prática isso nunca tenha ocorrido. O governo militar quis inovar e criar uma figura mista entre política e administração, para trazer pessoas da iniciativa privada e injetar um pouco de “sangue empresarial” e gerencial na administração pública. Porém, o plano não funcionou e abriu-se as portas para indivíduos sem relação com a administração pública propriamente.
CartaCapital: Como funciona o DAS?
VC: No modelo do governo federal há os DAS de um (o mais baixo) até o cinco. O seis é de natureza especial, são os ministros. Então entre um e três estão basicamente secretárias e supervisores, cargos puramente burocráticos. Porém, uma cota desses cargos é distribuída por funções políticas, principalmente no interior do Brasil com impacto enorme. Por exemplo, gente que administra distribuição de terras no Incra ou gerencia questões trabalhistas no Ministério do Trabalho e outros casos de terceiro a quinto escalão, insignificantes em Brasília.
CC: Nessa escala, até que ponto é aceitável a distribuição política?
VC: Até o terceiro escalão, em Brasília, é mais admissível, mas não se sabe exatamente o ponto de corte. No Brasil essa prática é tão difundida que nem conseguimos mais distinguir. Há cargos puramente administrativos, como a gestão de contratos, que não poderiam estar nas mãos de um indicado, deveriam ficar com um burocrata profissional sob controle da administração.
CartaCapital: São cargos que deveriam ser concursados e estão sendo loteados?
VC: É uma estrutura confusa, definida nos anos 60 para dizer aonde poderia haver nomeação. Há cargos que não deveriam estar sob a classificação DAS, porque isso não faz sentido. Conheci em Brasília secretárias que brigavam por DAS 1, que virou uma espécie de gratificação. Estamos olhando no nível mais crítico e gerencial, onde as decisões de distribuição de recurso são tomadas e não poderia haver politização.
CC: Por quê?
VC: Porque é exatamente ali onde ocorre a corrupção. Se recuperarmos as operações da Polícia Federal, encontraremos pessoas em cargos estratégicos para aprovação de contratos e distribuição de recursos que não poderiam ser funcionários indicados porque vêm de empresas e setores da economia interessados. Esse é filé mignon da distribuição política. O problema não está na politização da secretária-executiva, chefia de gabinete e assessores, mas no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), órgãos de implementação das políticas que distribuem os recursos. É um indício claro de má intenção. Os locais que cuidam da distribuição de recursos é que interessam e não os cargos de decisão, aliás, às vezes, tomar a decisão é até ruim. Por isso, caso um ministro desses partidos seja cortado, isso não terá importância desde que mantenham os cargos no baixo escalão.
CC: O senhor acredita que as nomeações para cargos menores já são má intencionadas?
VC: Creio que sim, porque na lógica administrativa esses cargos são de pura execução de uma política já definida, logo, os critérios de distribuição de recursos já estão definidos. Há também uma cadeia de controle que analisa os aspectos necessários à execução de uma atividade pública. Porém, quando se ocupa os cargos que definem os critérios e aplicam os recursos há uma ruptura total da estrutura de controle. Não é que esta não funcione, pelo contrário. Basta fazer a conta de quantos esquemas a Polícia Federal estourou na última década. O problema é que funciona depois da “porteira” ter sido aberta e não avançam no sentido de reduzir os danos e profissionalizar a estrutura. Em muitos ministérios centrais, como Planejamento, Controladoria, Justiça e Fazenda, já houve avanços significativos. Esses órgãos são de um padrão de qualidade gerencial e administrativa muito elevada. Mas nos ministérios que distribuem os recursos a situação continua quase a mesma de 20 ou 30 anos atrás.
CC: Resumindo, o problema está na estrutura?
VC: O problema é estrutural, não é uma questão moral ou de competência, inclusive, boa parte dos funcionários nomeados não é incompetente. Porém, muitos deles possuem vínculos políticos e interesses econômicos incompatíveis com administração pública. Há um exemplo claro: na época da máfia das ambulâncias, havia pessoas ligadas a empresas de medicamentos em cargos que avaliavam convênios e compras do Ministério da Saúde. Não temos como saber se essas empresas agem de forma sistemática, mas se tiverem espaço para colocar seu “pessoal” na estrutura, o farão. Certamente os esquemas são triangulações entre os funcionários públicos corrompidos, empresas de setores críticos acostumadas a fazer esse jogo e os políticos que financiam suas campanhas. Então há esquemas de enriquecimento individual e construção de poder nos partidos, com o famoso caixa dois, e nas empresas vencendo concorrências fraudulentas. É uma triangulação quase impossível de ser pega individualmente.
CC: Essas triangulações possuem um grau elevado de execução e levam algum tempo para acontecer. Então por que os órgãos internos de controle não funcionam?
VC: A estrutura nesses setores está bastante tomada e articulada, logo o controle fica de fora tentando captar evidências. Quando pega uma evidência e consegue autorização da Justiça para gravar, por exemplo, desmontam a estrutura toda. Mas enquanto está de fora, não têm evidências porque a triangulação fecha o espaço. Por isso, o controle só consegue funcionar retroativamente, às vezes anos depois de o esquema estar funcionando.
CC: Como diminuir esses problemas?
VC: É preciso separar minimamente os interesses e colocar uma burocracia profissional de carreira, pois os custos para sua corrupção são muito altos. Geralmente, a corrupção na administração pública pode ser inibida com a possibilidade de uma carreira importante e bem remunerada, mas sob o risco de ser encerrada no caso haja envolvimento em atos ilegais. Para esses funcionários a corrupção não compensaria, pois seriam demitidos e perderiam benefícios como a aposentadoria. Além disso, é preciso desenvolver a cultura administrativa burocrática profissional, já vista no Itamaraty, Banco Central e Petrobrás. Essas burocracias têm um espírito de corpo e se protegem dos políticos. Na Petrobrás, por exemplo, é possível mexer na cúpula, mas se houve tentativas de politização da administração por dentro protestos e tensões aparecem.
CC: Qual modelo internacional de estrutura de cargos o senhor vê como viável ao Brasil?
VC: O modelo dos EUA é mais próximo do nosso e mais complexo também. No país há cerca de dois mil cargos por indicação, controlados via comissões de serviço público e Senado, como acontece em alguns casos no Brasil. Porém, todos os nomeados a cargos na administração pública passam por uma análise. Esse tipo de gestão que politiza, mas controla a qualidade, é um modelo alternativo ao brasileiro. Aqui essas avaliações são informais e não há um órgão independente que faça a triagem. Além disso, nem sabemos quem são os nomeados, algo que não acontece nos EUA, onde as fichas dessas pessoas se tornam públicas.
Em comum, as pastas acima têm o comando de partidos da base aliada do governo. Uma distribuição de cargos comum no sistema político nacional, que visa “premiar” os aliados. Porém, em meio à multiplicação de esquemas de corrupção no Brasil, surge o questionamento: o problema está na índole dos políticos ou na estrutura da adminitração pública do País?
Para tentar esclarecer a pergunta, CartaCapital conversou com o doutor em sociologia, professor Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e especialista em cultura política, Valeriano Costa. Segundo ele, o loteamento de postos no governo para aliados é o núcleo da corrupção. “É preciso haver politização nas estruturas governamentais, mas no Brasil não se sabe mais o que é vínculo entre a política e a administração. É preciso haver uma separação mínima entre essas partes e saber até onde pode haver políticos na estrutura”.
O ex-pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e Centro Brasileiro de Análise Planejamento (Cebrap) ainda afirma que a criação do sistema DAS (Direção e Assessoramento Superior), cargos de natureza especial que podem ser nomeados, eliminaram a clareza de que os postos administrativos deveriam ser concursados. “Há cargos que são puramente burocráticos e não poderiam sofrer influência política. Eles viraram uma espécie de bonificação”.
Por isso, de acordo com Costa, os partidos agem de má fé ao se interessarem pelos cargos do baixo escalão do governo. “Esses locais cuidam da distribuição de recursos e não das decisões. É o filé mignon da administração pública”.
O sociólogo ainda aponta o modelo de administração pública dos EUA como uma opção alternativa ao utilizado no Brasil, afirma que os sistemas de controle desses órgãos não conseguem evitar danos e decreta: o Brasil precisa de uma reforma estrutural na administração pública para eliminar a corrupção.
Acompanhe abaixo a entrevista na íntegra:
CartaCapital: Nas últimas semanas, os Ministérios dos Transportes, Agricultura e Turismo enfrentaram diversas denúncias de irregularidades que culminaram em prisões e demissões. Essas pastas são controladas por partidos aliados do governo, como o PR e PMDB. O senhor acredita que a política de distribuir cargos aos aliados propicia a corrupção?
Valeriano Costa: A montagem do sistema político brasileiro, essa distribuição de ministérios ou de funções públicas, é o núcleo do problema. É quase impossível não pensar em agir dessa forma e no parlamentarismo isso é absolutamente comum. No Reino Unido, por exemplo, o partido que ganha a eleição ocupa todos os ministérios, uma vez que não há divisão – a não ser no caso de uma coalizão, como acontece agora. Normalmente todos os ministérios são distribuídos a políticos, diretamente a deputados. Porém, há uma clareza muito grande do vínculo entre a política e a administração. Esse encontro acontece na cúpula do ministério, dali para baixo há basicamente três níveis semelhantes à secretaria-executiva e à chefia de gabinete, todos ocupados por deputados. Depois é uma estrutura burocrática e administrativa.
CartaCapital: E no Brasil?
VC: Aqui não se sabe onde começa e termina essa mistura entre política e administração. Aí começa a confusão e a montagem dos esquemas de corrupção. Todos os países do mundo possuem algum modelo de politização da administração, mas é preciso haver uma divisão de poderes. No Brasil há uma confusão, essa infinita rede de articulações entre interesses privados, políticos e administrativo-burocrático.
CartaCapital: Como o senhor enxerga a estrutura brasileira?
VC: Falta a definição clara entre cargo administrativo e político. O Ministério Público e algumas instâncias jurídicas estão tentando articular e definir quais seriam os cargos que podem ser distribuídos por meio de nomeações. Mas isso é uma longa luta que ainda não se concluiu.
CartaCapital – Como essa confusão na definição estrutural surgiu?
VC: Quem tem uma hipótese interessante sobre isso é o ex-ministro Adib Jatene [Saúde]. Segundo ele, o problema teria começado com a criação dos DAS (Cargos de Direção e Assessoramento Superior), cargos de natureza especial que são nomeados. Antes a burocracia tinha a clareza de que o cargo administrativo é concursado, mesmo que na prática isso nunca tenha ocorrido. O governo militar quis inovar e criar uma figura mista entre política e administração, para trazer pessoas da iniciativa privada e injetar um pouco de “sangue empresarial” e gerencial na administração pública. Porém, o plano não funcionou e abriu-se as portas para indivíduos sem relação com a administração pública propriamente.
CartaCapital: Como funciona o DAS?
VC: No modelo do governo federal há os DAS de um (o mais baixo) até o cinco. O seis é de natureza especial, são os ministros. Então entre um e três estão basicamente secretárias e supervisores, cargos puramente burocráticos. Porém, uma cota desses cargos é distribuída por funções políticas, principalmente no interior do Brasil com impacto enorme. Por exemplo, gente que administra distribuição de terras no Incra ou gerencia questões trabalhistas no Ministério do Trabalho e outros casos de terceiro a quinto escalão, insignificantes em Brasília.
CC: Nessa escala, até que ponto é aceitável a distribuição política?
VC: Até o terceiro escalão, em Brasília, é mais admissível, mas não se sabe exatamente o ponto de corte. No Brasil essa prática é tão difundida que nem conseguimos mais distinguir. Há cargos puramente administrativos, como a gestão de contratos, que não poderiam estar nas mãos de um indicado, deveriam ficar com um burocrata profissional sob controle da administração.
CartaCapital: São cargos que deveriam ser concursados e estão sendo loteados?
VC: É uma estrutura confusa, definida nos anos 60 para dizer aonde poderia haver nomeação. Há cargos que não deveriam estar sob a classificação DAS, porque isso não faz sentido. Conheci em Brasília secretárias que brigavam por DAS 1, que virou uma espécie de gratificação. Estamos olhando no nível mais crítico e gerencial, onde as decisões de distribuição de recurso são tomadas e não poderia haver politização.
CC: Por quê?
VC: Porque é exatamente ali onde ocorre a corrupção. Se recuperarmos as operações da Polícia Federal, encontraremos pessoas em cargos estratégicos para aprovação de contratos e distribuição de recursos que não poderiam ser funcionários indicados porque vêm de empresas e setores da economia interessados. Esse é filé mignon da distribuição política. O problema não está na politização da secretária-executiva, chefia de gabinete e assessores, mas no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), órgãos de implementação das políticas que distribuem os recursos. É um indício claro de má intenção. Os locais que cuidam da distribuição de recursos é que interessam e não os cargos de decisão, aliás, às vezes, tomar a decisão é até ruim. Por isso, caso um ministro desses partidos seja cortado, isso não terá importância desde que mantenham os cargos no baixo escalão.
CC: O senhor acredita que as nomeações para cargos menores já são má intencionadas?
VC: Creio que sim, porque na lógica administrativa esses cargos são de pura execução de uma política já definida, logo, os critérios de distribuição de recursos já estão definidos. Há também uma cadeia de controle que analisa os aspectos necessários à execução de uma atividade pública. Porém, quando se ocupa os cargos que definem os critérios e aplicam os recursos há uma ruptura total da estrutura de controle. Não é que esta não funcione, pelo contrário. Basta fazer a conta de quantos esquemas a Polícia Federal estourou na última década. O problema é que funciona depois da “porteira” ter sido aberta e não avançam no sentido de reduzir os danos e profissionalizar a estrutura. Em muitos ministérios centrais, como Planejamento, Controladoria, Justiça e Fazenda, já houve avanços significativos. Esses órgãos são de um padrão de qualidade gerencial e administrativa muito elevada. Mas nos ministérios que distribuem os recursos a situação continua quase a mesma de 20 ou 30 anos atrás.
CC: Resumindo, o problema está na estrutura?
VC: O problema é estrutural, não é uma questão moral ou de competência, inclusive, boa parte dos funcionários nomeados não é incompetente. Porém, muitos deles possuem vínculos políticos e interesses econômicos incompatíveis com administração pública. Há um exemplo claro: na época da máfia das ambulâncias, havia pessoas ligadas a empresas de medicamentos em cargos que avaliavam convênios e compras do Ministério da Saúde. Não temos como saber se essas empresas agem de forma sistemática, mas se tiverem espaço para colocar seu “pessoal” na estrutura, o farão. Certamente os esquemas são triangulações entre os funcionários públicos corrompidos, empresas de setores críticos acostumadas a fazer esse jogo e os políticos que financiam suas campanhas. Então há esquemas de enriquecimento individual e construção de poder nos partidos, com o famoso caixa dois, e nas empresas vencendo concorrências fraudulentas. É uma triangulação quase impossível de ser pega individualmente.
CC: Essas triangulações possuem um grau elevado de execução e levam algum tempo para acontecer. Então por que os órgãos internos de controle não funcionam?
VC: A estrutura nesses setores está bastante tomada e articulada, logo o controle fica de fora tentando captar evidências. Quando pega uma evidência e consegue autorização da Justiça para gravar, por exemplo, desmontam a estrutura toda. Mas enquanto está de fora, não têm evidências porque a triangulação fecha o espaço. Por isso, o controle só consegue funcionar retroativamente, às vezes anos depois de o esquema estar funcionando.
CC: Como diminuir esses problemas?
VC: É preciso separar minimamente os interesses e colocar uma burocracia profissional de carreira, pois os custos para sua corrupção são muito altos. Geralmente, a corrupção na administração pública pode ser inibida com a possibilidade de uma carreira importante e bem remunerada, mas sob o risco de ser encerrada no caso haja envolvimento em atos ilegais. Para esses funcionários a corrupção não compensaria, pois seriam demitidos e perderiam benefícios como a aposentadoria. Além disso, é preciso desenvolver a cultura administrativa burocrática profissional, já vista no Itamaraty, Banco Central e Petrobrás. Essas burocracias têm um espírito de corpo e se protegem dos políticos. Na Petrobrás, por exemplo, é possível mexer na cúpula, mas se houve tentativas de politização da administração por dentro protestos e tensões aparecem.
CC: Qual modelo internacional de estrutura de cargos o senhor vê como viável ao Brasil?
VC: O modelo dos EUA é mais próximo do nosso e mais complexo também. No país há cerca de dois mil cargos por indicação, controlados via comissões de serviço público e Senado, como acontece em alguns casos no Brasil. Porém, todos os nomeados a cargos na administração pública passam por uma análise. Esse tipo de gestão que politiza, mas controla a qualidade, é um modelo alternativo ao brasileiro. Aqui essas avaliações são informais e não há um órgão independente que faça a triagem. Além disso, nem sabemos quem são os nomeados, algo que não acontece nos EUA, onde as fichas dessas pessoas se tornam públicas.
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