ou como a dívida externa está ligada a dependência econômica*
por Almir Cezar Filho
Em vários lugares vemos atividades em torno das comemorações dos 200 anos da vinda da Família real Portuguesa ao Brasil. Com festejos desse tipo a elite costuma fazer uma grande exaltação desses momentos históricos, na tentativa de reafirmar seus mitos e ideologias, evocando fatos passados para legitimar seu poder hoje. Contudo, dessa vez, o ufanismo é um pouco menor, se compararmos com o “Brasil 500 anos”, por exemplo.
Mas, apesar disso, a D. João VI é atribuído o início do processo de independência do Brasil, o que com uma simples análise verificamos ser totalmente equivocado. Na verdade, sua obra é mais uma daquelas que reforçou a trajetória de desenvolvimento dependente que o Brasil trilhou nos dois séculos seguintes, e a principal mostra é seu papel na constituição da dívida externa brasileira.
Mas, apesar disso, a D. João VI é atribuído o início do processo de independência do Brasil, o que com uma simples análise verificamos ser totalmente equivocado. Na verdade, sua obra é mais uma daquelas que reforçou a trajetória de desenvolvimento dependente que o Brasil trilhou nos dois séculos seguintes, e a principal mostra é seu papel na constituição da dívida externa brasileira.
História
O entusiasmo menor pelas elites não se deve a isso obviamente, mas tem dois motivos. Primeiramente, a etapa histórica atual do sistema capitalista, de Globalização, faz com que a burguesia ignore ou esqueça sua História nacional em detrimento do sentimento de fazer-se parte do Capitalismo mais global. Sua História separada e autônoma não mais interessa, pois o que antes servia para legitimar seu Estado Nacional, não é válido à medida que a própria importância do Estado Nacional perde força devido ao neoliberalismo que proporciona governos mais comprometidos com o capital internacional (bancos, fundos de investimentos, multinacionais, etc) e com os organismos econômicos internacionais (OMC, FMI, Banco Mundial, etc).
Além disso, a história de D. João VI vem recentemente, pela historiografia geral mais crítica, passando por muito escracho. Livros falando de maneira jocosa sobre os hábitos dos membros da família real, minisséries televisivas e filmes tecem comentários maldosos, levam o espectador a concluir que as origem dos nossos males atuais residirem nesse passado – embora os mesmos não apontem as circunstâncias atuais em que isso se reproduz ou se preserva tardiamente.
Porém, a historiografia econômica e a pesquisa social sobre desenvolvimento econômico ainda não acompanhou tal tendência - mesmo que se retiramos nesse aspecto, o contorno meio burlesco e caça-níquel que a literatura histórica vem ganhando. Continua-se a sobrevalorizar ou valorizar positivamente a transferência da Corte do império português para o Rio de Janeiro. E também, a concluir equivocadamente que D. João VI ajudou no processo de independência do Brasil, de construção do Estado Nacional, sendo inclusive por aí, que as poucas comemorações (como as promovidas pelo prefeito do Rio César Maia) vêm sendo feitas pela burguesia.
Para limitar a uma severa crítica e demonstrar o papel sinistro que D. João VI desempenhou para o Brasil, devemos nos restringir no crônico e longevo processo de construção da dívida externa brasileira. A dívida brasileira é uma herança do colonialismo português, o que D. João VI foi herdeiro direto e seu maior representante em sua época. Embora tenha sido obrigado pelas circunstâncias a fazer mais do que seria seu papel, fez sempre dentro deste papel e para reproduzir a sociedade que governava. Se construir alguns elementos do futuro Estado Nacional brasileiro fez obrigado porque precisava tornar a colônia temporariamente em metrópole.
Gênese secular da dependência e dívida externas
A dívida externa tem sua gênese muito tempo atrás, ainda mesmo na época da “Restauração”i, quando Portugal começou a estabelecer enormes endividamentos com a Inglaterra, envolvendo primeiramente os empréstimos para a guerra de libertação contra a Espanha e posteriormente a guerra luso-brasileira da expulsão dos holandeses do Brasil e costa sudoeste da África, Em segundo, Portugal recorrerá freqüentemente a bancaii inglesa por dois motivos coligados, os termos desiguais do balanço de pagamentos com a Inglaterra e o financiamento da empresa colonial.
A dívida externa tem sua gênese muito tempo atrás, ainda mesmo na época da “Restauração”i, quando Portugal começou a estabelecer enormes endividamentos com a Inglaterra, envolvendo primeiramente os empréstimos para a guerra de libertação contra a Espanha e posteriormente a guerra luso-brasileira da expulsão dos holandeses do Brasil e costa sudoeste da África, Em segundo, Portugal recorrerá freqüentemente a bancaii inglesa por dois motivos coligados, os termos desiguais do balanço de pagamentos com a Inglaterra e o financiamento da empresa colonial.
Este último, já aparece antes da “Restauração, e mesmo antes da União Ibéricaiii, motivada pela implantação da colonização e de suas atividades econômicas, no investimento com os empreendimentos econômico-comerciais (por exemplo, os engenhos de cana-de-açúcar) como toda a infra-estrutura econômica e político-administrativa foi estabelecida por meio de endividamento junto a banqueiros. Embora estes a partir da metade do séc. XVI estejam não mais em Portugal, mas especialmente nos Países Baixos, em decorrência da expulsão dos judeus, segmento majoritário entre a banca, enquanto que os burgueses metropolitanos estavam envolvidos nas navegações e na colonização. Sendo assim, o sistema era financiado, e consequentemente acumulado por uma banca estrangeira a Portugal.
Assim, a acumulação de capital (ou pelo menos grande parte) não era feita em Portugal. A partir do sucesso da empresa colonial por parte da burguesia portuguesa, esta não desenvolveu nenhum mecanismo nesse sentido, restringindo-se, como dito antes, a navegação e colonização direta, deixando a comercialização no restante da Europa, e mesmo, de determinados tipos de beneficiamento dos produtos coloniais (especiarias, drogas tropicais, açúcar e minerais preciosos) ficam em mãos dos comerciantes holandesesiv. E no decorrer do séc. XVII, com o aparecimento de novos concorrentes do expansionismo marítimo (França, Inglaterra e mesmo Países Baixos), o peso da lucratividade paulatinamente passa para o setor comerciante distribuidor, em detrimento do das navegações e o colonizador.
Durante a União Ibérica, ocorrem severas prejuízos a burguesia portuguesa, como o fim da parceria com os holandeses (em guerra perpétua com a Espanha), dificultando o escoamento da produção colonial-marítima, na ausência de um sucessor a parceria. Paralelamente, Portugal vê-se as voltas com as guerras espanholas, principalmente contra os Países Baixos, e ainda passa a ter perdas territoriais importantes, como boa parte das colôniasv no subcontinente indiano, das ilhas malaio-indonesas, o Nordeste brasileiro, colônias da África Subssaariana, como costa de Angola e África do Sul e feitorias na China, como Cantão. Com o fim da União Ibérica, Portugal está empobrecido e ainda sem parte de suas colônias, apenas recuperando das perdidas, o nordeste brasileiro e costa de Angola, embora por iniciativa em grande parte dos colonos brasileiros, e ficando com o não-invadidos na África e diminutos enclaves na Ásia (Goa, Diu, Macau, Timor Leste).
Após a Restauração, passa a uma condição de dependência a Inglaterra, aliada que apoiou e financiou a guerra de libertação, mas não apenas devida ao endividamento, mas por passar a ter o mesmo comportamento que antes tinha com os Países Baixos, acrescida de um novo fenômeno, os tratados comerciais privilegiados e trocas comerciais desfavoráveis (pelo advento de um setor manufatureiro inglês melhor desenvolvido.
A Inglaterra obteve de Portugal tratados comerciais privilegiados envolvendo baixas ou ausentes tarifas alfandegárias, principalmente entre vinhos (produzidos por Portugal) e produtos têxteis manufaturados (produzidos pela Inglaterra), que beneficiaram apenas uma parcela do setor agrícola português em detrimento da esterilização do setor manufatureiro, paralelamente, por representar melhor termos de troca para a Inglaterravi, gerando assim desequilíbrios permanentes na balança comercial, obrigando a Portugal a utilizar o ouro recém descoberto do Brasil para cobrir os déficits e/ou a ter que recorrer a banca inglesa para financiá-lo por meio de novos empréstimos.
Por sua vez, tais fenômenos permitiram, por um lado, uma forte acumulação de capitais à burguesia inglesa e, por outro, a desestruturalização de qualquer possibilidade de industrialização em Portugal, e por extensão o Brasil (sem incluirmos o “Alvará das Manufaturas” ou qualquer outra forma colonial de proibição), ou de uma autonomia de sua economia e das suas colônias frente à Inglaterra.
Tal situação tão grave que explica porque Portugal foi a primeira, e por um tempo a única, a recusar o bloqueio continental imposta por Napoleão ao comércio com a Inglaterra, o que resultou na invasão das tropas napoleônicas a fuga da Corte portuguesa para o Brasilvii.
Custos da Corte e da Independência
Os custos da transferência administrativa da Corte, as despesas com a Guerra e a manutenção da situação econômica anterior geraram um agravamento do endividamento. Assim, com o fim da Guerra Napoleônica devido a Revolução do Porto e as agitações liberais no Brasil e Portugal, a Corte regressa a Lisboa, mas consigo leva todo os recursos dos cofres do império, incluindo toda as reservas e divisasviii do Tesouro, resultará posteriormente à medida que tornasse inviável a manutenção da unidade colonial, num Brasil sem recursos nenhum para conduzir-se como um novo Estado Nacional.
É importante salientar, que a principal razão para o esgarçamento da relação entre Portugal e Brasil será em torno da questão da reconstituição do “pacto colonial”, re-subordinando o Brasil urna necessidade econômica premente para obter recursos a uma metrópole destruída e empobrecida diante de uma colônia rica. Significando refinanciar a dívida externa e prover uma acumulação de capitais.
Dessa maneira quando começa a guerra de independência após o “Grito do Ipiranga”, será facilmente vencida pelo Brasil, num conflito onde por clara duplicidade de interesses a Inglaterra não apoiará nenhum lado, diametralmente distinto do que fizera com as colônias espanholas, embora tenha financiado o armamento de ambos os lados e tenha por fim agido com mediador. Como termo do acordo, o recente governo brasileiro (encabeçado pelo ex-príncipe herdeiro do trono português) aceita absorver as dívidas de Portugal, por meio de um re-financiamentoix a banca inglesa, Acrescida do próprio re-financiamento da sua recente dívida decorrente da Guerra de Independência.
Mas também, toma novos empréstimos para formar divisas e reservas necessárias ao novo autônomo comércio exterior, como também para cobrir os novos déficits comerciais decorrido com a Inglaterra, pois negociará depois da independência, novos tratados comerciais concedendo-lhe tarifas menores que a outro produtor estrangeiro.
O Estado Brasileiro vê-se também as voltas com dificuldades fiscais, revoltas internas (Confederação do Equador, revolta dos Malês, etcx) e a Guerra da Cisplatina, consumidoras de recursos bélicos e obstáculo a negócios capitalistas, que lhe obrigarão a recorrer a empréstimos para recuperar as finanças públicas.
Tal situação de déficit público, alto endividamento e crise no comércio exterior conduzirão como desfecho a insatisfação popular crescente e explosiva do governo de D. Pedro I, desaprovação das classes dominantes, e por fim sua derrubada, a chamada “Abdicação”, e o conseqüente fim do Primeiro Reinado.
Independência ou nova dependência
A História mostrou que o projeto de desenvolvimento das elites brasileiras apenas reproduzia os mecanismos que foram implantado por Portugal que o Capitalismo fez e o faz o Brasil ser uma colônia, pelo menos do ponto-de-vista econômico. O processo recente de neoliberalismo apenas reforça algumas tendências que as contradições do Capitalismo século do XX (transferir capitais e produção para sua periferiaxi) e as revoluções proletárias (como a Revolução Russa) e anti-coloniais atenuaram ou foram obrigados no sistema, de centralizar as riquezas e ampliar dependência dos países um com os outros.
A História mostrou que o projeto de desenvolvimento das elites brasileiras apenas reproduzia os mecanismos que foram implantado por Portugal que o Capitalismo fez e o faz o Brasil ser uma colônia, pelo menos do ponto-de-vista econômico. O processo recente de neoliberalismo apenas reforça algumas tendências que as contradições do Capitalismo século do XX (transferir capitais e produção para sua periferiaxi) e as revoluções proletárias (como a Revolução Russa) e anti-coloniais atenuaram ou foram obrigados no sistema, de centralizar as riquezas e ampliar dependência dos países um com os outros.
A única alternativa para os trabalhadores e povos oprimidos é constituirmos um planejamento mundial e o controle democrático e proletário sobre as empresas multinacionais. Uma nova economia onde todas as conquistas materiais a humanidade que os capitalismos nacionais não conseguiram trazer, e mesmo aquilo que falta a vir.
(*) artigo escrito em 2008, quando se completava 200 anos da transferência da Corte Portuguesa ao Brasil
i Denominação dada ao processo de restauração a independência de Portugal, que no período entre o m do século XVI e primeira metade do XVII fazia parte de um reino unido a coroa espanhola (a “União Ibérica’), tal como sua possessões coloniais
ii São os primitivos banqueiros. Não dá para falar em bancos ainda, devido ao baixo grau de desenvolvimento do sistema bancário e financeiro.
iii União entre as coroas de Portugal e Espanha.
iv o exemplo disso, é que o maior mercado negociador de ouro, jóias e diamantes do mundo reside ainda hoje em Amsterdã, capital dos Países Baixos, fenômeno que se iniciou aí.
v Até o fim da Segunda Guerra Mundial, a atual Indonésia era denominada “Índias Orientais Holandesas”, o que é caso similar da África do Sul, onde a maioria da população branca atual é de descendência holandesa, os chamados “africânder”. Territórios que antes eram colônias portuguesas.
vi Os produtos manufatureiros possuem maior valor agregado, isto é, permitem maior lucratividade a seu setor produtor, e também, envolvem para sua produção uma série maior de segmentos produtores (maior número de “peças”), fazendo com que tenha custos maiores e múltiplos; e ainda, gera um efeito irradiador de desenvolvimento econômico. Em suma, a troca de um vestido somente é igual à de umas dezenas de litros de vinhos, e lhe é preferível.
vii A “Abertura dos Portos as nações amigas”, diga-se Inglaterra (até porque era a única grande nação “amiga”, em razão da adesão dos países europeus a bloqueio de Napoleão).
viii As Divisas são as moedas estrangeiras que servem de pagamento às mercadorias importadas. As Reservas é o montante de divisas em posse do Estado Nacional que os comerciantes nacionais adquirem com este para pagar suas mercadorias importadas junto aos produtores. Adquire-se divisas para importações exportando, pegando empréstimo ou entrando investimentos. Já quando um Estado não tem reservas, não há como os importadores adquirir mercadorias no estrangeiro. Quando um exportador vende sua mercadoria, troca junto ao Estado a moeda estrangeira pela moeda nacional ao trazer suas receitas com as vendas para o país.
ix Re-financiamento é o termo, que todo bom devedor sabe, de alongamento de sua dívida através de outro empréstimo ou aumento do número de parcelas por meio do aumento do percentual de juros sobre o valor inicial da dívida
x Confederação do Equador foi o levante separatista organizado em 1924 em algumas províncias nordestinas. Revolta dos Malês foi um das principais revoltas de escravos e negros livres do século XIX, liderada por negros da etnia Male. É importante lembrar que não só o período regencial, mas o 1º reinado (1822-1831) viveu uma série de revoltas, incluindo algumas populares e de escravos, o que explica o porquê as elites brasileiras de então apoiaram o governo bonapartista de D. Pedro I, que havia impondo uma Constituição que lhe garantia super-poderes ao fechar a Assembléia Constituinte constituída por membros da elite.
xi Ao longo do desenvolvimento capitalista do século XX os capitais e a produção foram se transferindo parcialmente no objetivo de encontrar maior remuneração e lucros e mão-de-obra e matérias-primas mais baratas, mas mantendo a acumulação de capitais no país sede do capital (Europa Ocidental, Japão e EUA). Nessa tendência vários países ex-coloniais e semi-coloniais se industrializaram (Brasil, Coréia do Sul, Índia, etc), ganhando inclusive um certo peso estratégico ao Capitalismo.
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