por Almir Cezar Filho
Olhando minuciosamente o orçamento público pode-se verificar in loco algumas discrepâncias e priorização que não são os trabalhadores. Estudando-o podemos também entender a relação perversa entre o orçamento público e a dívida pública. Saber que a dívida pública é criada não meramente pelos déficits públicos, e que sim esse é gerado pela dívida pública. E que essa dívida não é criada apenas por dinheiro pego emprestado e gasto pelo Estado, e que agora seria preciso (e moralmente) pagá-lo.
O orçamento público é algo importante, visto que os recursos públicos são limitados, enquanto que as necessidades não, sendo portanto preciso estabelecer um escala de prioridade pelos governos ao Estado, refletida no percentual de valores que vai para cada item, e também revela a relação do governo com a dívida pública.
A crise fiscal nos EUA e em vários países da União Européia demonstram como é importante saber essa relação, que acontece corriqueiramente, sem que o cidadão comum se preocupe como seus impostos acabam engordando o patrimônio dos banqueiros e comprometendo o salário dos servidores públicos e as condições de um bom atendimento nos serviços públicos.
Enquanto no Orçamento Geral da União do Brasil (OGU) há quase metade de recursos transferidos aos banqueiros em pagamento de dívida pública. Disposto em mais de 33% reservado a "Refinanciamento da Dívida Pública Mobiliária" (pagamento de juros), isto é, um terço do Orçamento, e ainda mais 16,36% para "encargos financeiros", totalizando assim quase 50% do Orçamento com repasse aos banqueiros.
Nesse mesmo Orçamento, pasmem, menos de 1% estão reservados para a reforma agrária e agricultura familiar. Na verdade, menos da metade disso, menos de um quarto de 1% (0,23% do OGU), isso apesar de ser dito publicamente que as políticas de desenvolvimento agrário serem tão importante para o combate as desigualdades sociais e conflito agrário.
Sim, a parcela do OGU de "encargos financeiros", que corresponde a mais de 16% do OGU, é constituída de recursos pagos a detentores de títulos mobiliários e outros pagamentos financeiros. Tudo bem, que não é 50%, mas que já é por si só assustador, pois é, a exceção do item "Refinanciamento da Dívida", o maior item, maior que os gastos com Previdência Social (14,63%) e com as ações do Ministério do Desenvolvimento Social (2,2%), responsável por ações como o bolsa-família e outras de combate a fome. Então encargos financeiros são verdadeiros bolsa-família, o "bolsa família rica".
O outros 33% restante dos 50% dos recursos da OGU que vão aos banqueiros, são recursos captados junto a eles e a eles voltam. E embora, tenha-se razão que as despesas de "Refinanciamento da Dívida" se constituam de recursos que "entram e saem", visto que, no mesmo OGU, na parte de receitas o mesmo item aparece. Contudo, quando se abre essa rubrica e entra na análise mais financeira e menos orçamentária, parte da parcela refinanciamento, algo em torno de 22% desses 36%, acabam sendo de transferências de renda direta aos detentores de títulos mobiliários, além daqueles 16% do OGU que mencionei anteriormente.
E para piorar, acabam carregando no estoque da dívida, tendo em vista, que refinanciamento consiste nisso mesmo, refinanciamento, isto é, rolagem, alongamento da dívida. E tal como na dívida de um consumidor comum, quando se pede ao banco para alongar a dívida, pedindo para adiar ou aumentar o número de parcelas, ou se pega mais emprestado para pagar outra dívida, resulta obviamente no aumento da dívida, no estoque. E é nisso que estou falando, não apenas em fluxo de dívida, mas em estoque.
Quanto a dívida pública, é bom lembrar, que na Constituição Federal de 1988 obrigava a uma auditoria na dívida pública. Vale também lembrar, primeiro, que rolou em 2011 no Congresso Nacional uma CPI da Dívida.
Como pode-se ver a seguir os mecanismos de geração de dívida e os meios de pagamentos no setor público não são os mesmos na iniciativa privada. Explica-se em 10 passos:
1) os mecanismos de geração de dívida pelo Estado não se resume ao "despesa maior que a receita". As reservas internacionais, o resgate de título dívida externa, re-escalonamento da dívida externa privada, a emissão monetária, uma elevação da taxa Selic para combater a inflação, etc, tudo isso gera endividamento. E como podem ver a dívida pode ser criada não apenas pelo desequilíbrio fiscal, mas por políticas monetárias e cambiais.
2) o item "encargos financeiros" no OGU é realmente o repasse orçamentário aos detentores de títulos da dívida pública com juros. Representa 16,36% dos 1,7 trilhões de reais em despesa. É uma despesa no OGU maior do que Previdência Social.
3) o item "refinanciamento da dívida pública mobiliária" no OGU é o gasto com refinanciamento, isto é, com o re-escalonamento, resgate e substituição de títulos da dívida. E sim, representa 33,07% da OGU, e em verdade, acaba parte desse gasto não é de fato dispendido, pois se constituí de troca de títulos. Mas poderão ver que no mínimo 22% desse item é efetivamente consumido em novos juros, fora a ampliação da dívida.
4) o Governo embora seja o maior devedor do país, é o maior credor, inclusive dos bancos, pelo mecanismo de open market e taxa Selic
5) o grosso da dívida interna é constituída por dívida externa resgata, incluída dos estados e aquela tomada pela iniciativa privada. Basta ver a renegociação da dívida externa brasileira no início dos anos 90 que antecedeu o Plano Real.
6) outra parte é constituída por juros pós-fixados, aqueles que o credor define a taxa de juros somente no ato do pagamento. E frequentemente estão em patamares muito mais altos, ampliando ao final o tamanho da dívida.
6) a dívida pública é carregada pelo patamar da taxa Selic. Taxa maiores significaram uma aceleração do endividamento. Curiosamente, é o governo que empresta a x% a Selic nos bancos, mas pega empresta no mercado financeiro a taxas 2X, 3X, 4X, etc, etc, em títulos mobiliários. Por outro lado, esse mesmo Governo não paga os precatórios das velhinhas.
7) o grosso da dívida interna é constituída por trombolhos e coisas estranhas - é necessário uma auditoria. Incluí dívida do Império e República Velha. Provavelmente já pagos, nas idas e vindas, nas renegociações e refinanciamentos. Por outro lado, há devedores privados de impostos, contribuições sociais e trabalhistas e massa falida de empresas que nunca foram pagas e não são cobrados pelo Estado.
8) o Brasil fosse uma família ou uma empresas que tomou empréstimo e está com uma dívida enorme, poderia recorrer a moratória ("devo não nego, pago quando puder") indo parar no SPC, ao Procon ou a re-escalonamento judicial. Como não é...fica-se a espera de uma auditoria da dívida pública brasileira
9) A lógica perversa de que se o país não pega empréstimo quebra, ou que a dívida é gerada para cobrir déficit não é verdadeira. Na verdade, o Brasil pega empréstimo porque paga empréstimo, isto é, gera déficit pois paga a dívida. Em um processo que se retroalimenta permanentemente.
10) uma longa série de operações públicas corriqueiras, realizadas tanto pelo Banco Central e Tesouro Nacional, especialmente monetárias e cambiais, são automaticamente geradoras de títulos, todos devidamente remunerados por juros, e geradores de dívida. Como as operações de open market monetário (troca de moedas por títulos), de formação de reservas cambiais (troca de dólares por títulos), etc.
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