domingo, 21 de agosto de 2011

Preobrazhenski, Trotski e a Oposição de Esquerda: o debate sobre desenvolvimento e transição ao socialismo na URSS na década de 1920




por Almir Cezar

Seguindo na lembrança dos 85 anos de publicação de "A Nova Econômica" e de 80 anos de "O Declínio do Capitalismo" do economista soviético Eugueni Preobrazhenski, co-liderança da Oposição de Esquerda ao stalinismo, apresentaremos em um breve artigo o que foi o debate sobre desenvolvimento econômico e transição ao socialismo na década de 1920 na URSS.

Presidium do 9o Congresso  do PC Russo, 1920. Sentados (da esquerda):
 A.Yenukidze, M. Kalinin, N. Bukharin, M.Tomsky, M. Lashevich,
L. Kamenev, E. Preobrazhensky, L. Serebryakov, V. Lenin e A. Rykov.
A Oposição de Esquerda soviética da década de 1920 e o debate sobre os rumos da transição ao socialismo: além da discussão sobre o regime interno do Partido(com a oposição advogando mais amplo espaço para o debate e a democracia internos), maioria se opunham sobre a continuidade ou não da Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo), que - adotada em 1921, ainda sob direção de Lênin, em substituição ao chamado "comunismo de guerra", posto em prática logo após a revolução e durante a guerra civil.

A NEP re-estabelecia relações mercantis no campo e em algumas atividades urbanas, garantindo aos camponeses que a coletivização agrícola só ocorreria por adesão voluntária. Assim, em muitos casos, os camponeses (sobretudo os médios e os grandes) chegaram a desfrutar de um padrão de vida superior ao dos operários urbanos. A manutenção da NEP - defendida então por Stalin e, sobretudo, por Bukharin, que se tornara seu principal teórico - era apoiada também pela maioria do Comitê Central do PCUS. A Oposição de Esquerda, liderado por Trotski, Preobrazhensky e Radek, entre outros, defendia, ao contrário, o abandono da NEP e a adoção de uma política de industrialização acelerada, com base num rigoroso planejamento central e numa "acumulação primitiva socialista", a ser feita mediante a transferência de renda do campo para a cidade, ou seja, mediante a expropriação dos camponeses.

É interessante observar que, depois de derrotar a oposição e expulsar Trotski da URSS, Stalin rompeu em 1929 também com Bukharin, abandonou a NEP e passou a pôr em prática algo muito semelhante ao programa de industrialização acelerada e de coletivização forçada defendido pela oposição unificada trotskista-zinovievista. Em conseqüência, esta o acusou de ter "roubado " o seu programa, por sua vez, Stalin não hesitou em chamar de "revolução pelo alto" esta sua nova política.

A idéia de uma revolução política e os Estados Operários burocraticamente degenerados

Trótski anos mais tarde, já derrotada a Oposição de Esquerda e no exílio, considera no livro "A Revolução Traída" (1936) que a União Soviética se tornara num Estado de trabalhadores degenerado, controlado por uma burocracia não-democrática - derivada, no entanto, da própria classe operária (em um processo descrito como) e que teria eventualmente de ser derrubada por uma revolução política que restaurasse o caráter democrático da revolução socialista, ou, então, degenerar ao ponto de regressar ao capitalismo.

Trotsky rejeitou as teses ultraesquerdistas de certos opositores bolcheviques do estalinismo que consideravam que o stalinismo era uma restauração do capitalismo, algo similar à restauração da monarquia francesa pelos Bourbons em 1815.

Através desta mesma analogia com a Revolução Francesa, Trotsky considerou que o regime de Stalin era um Termidor soviético, no sentido de que, assim como o 9 de Termidor francês havia derrubado o radicalismo pequeno-burguês de Robespierre, Saint-Just e dos jacobinos, mas preservado o caráter burguês da sociedade francesa, do mesmo modo o stalinismo havia eliminado todos os elementos internacionalistas e de democracia proletária do regime soviético, mas não havia, de momento, abolido o caráter socialista da economia e das relações sociais na Rússia. Considerando a URSS stalinista, assim, como presa num estágio de transição entre o capitalismo e o socialismo, e não considerando que ela houvesse se convertido num capitalismo de Estado.

Desta forma, a opinião dos trotskistas era que os regimes do Bloco de Leste (“estados operários burocraticamente degenerados”) seriam “regimes transitórios”, intrinsecamente instáveis, estando à beira de serem derrubados, ou por uma “contra-revolução social”, que restaurasse o capitalismo; ou por uma “revolução politica”, que derrubasse o poder dos burocratas e do Partido Comunista e instaurasse a democracia dos “Conselhos de Trabalhadores”, em moldes multipartidários

A explicação dessa “degenerescência” está noutra tese trotskista, a da “degenerescência burocrática das organizações operárias”: a “exploração capitalista” estimula o desenvolvimento político do proletariado (já que o leva a lutar contra o sistema, e por isso a criar sindicatos, partidos, etc.) mas retarda o seu desenvolvimento cultural (já que a pobreza e/ou a submissão a um trabalho embrutecedor tenderão a “embrutecer” também o espírito do trabalhador). Tal leva a que, nas organizações operárias de massa, tendem a surgir “dirigentes profissionais” (“burocratas”, no jargão trotskista), que acabam por ser os verdadeiros chefes, enquanto que os elementos de base (devido ao tal “embrutecimento espiritual”) se remetem, na maior parte do tempo, a uma posição passiva, em que se limitam a pagar quotas e a seguir as ordens da “Direcção” (no fundo, transferem para a organização operária os hábitos de submissão à hierarquia a que estão habituados na empresa capitalista).

Ora, num país pobre (como a Rússia em 1917), o “desenvolvimento cultural” do proletariado será ainda mais diminuto, pelo que no “Estado Operário” irão (tal como nos sindicatos e partidos operários) também surgir os tais “burocratas”. Aliás, segundo os trotskistas, a longo prazo, só há dois caminhos possíveis – a burocratização do Estado ou o desaparecimento gradual do Estado: ou a pobreza e o atraso cultural mantêm-se, impedindo o proletariado de poder assumir efectivamente a gestão do Estado; ou, pelo contrário, a sociedade vai evoluindo, tornando mais fácil a tal “gestão do Estado pela simples cozinheira”, mas, ao mesmo tempo, tornando também o Estado menos necessário, já que, havendo menos escassez de bens, haverá também menos necessidade de um aparelho repressivo (ou seja, quando for possível um Estado 100% democrático, em que todos participem em plena igualdade nas tomadas de decisão, já nem sequer será necessário um Estado).

Assim, nos “Estados Operários” (sobretudo se forem muito atrasados à partida), há duas tendências em confronto: por um lado, há a tendência para os burocratas irem concentrando o poder nas suas mãos e remeterem as massas a uma situação passiva; por outro, a elevação gradual do nível de desenvolvimento económico e cultural (e, se possível, o triunfo de revoluções operárias no estrangeiro) tenderá a estimular a participação popular e a enfraquecer o aparelho estatal. Desta forma, a “construção do socialismo” não é um processo mecânico e linear (como, frequentemente, está implícito em muitos “estalinistas”), mas um caminho com avanços e recuos, em que a vitória só estará assegurada com a criação de uma sociedade comunista à escala mundial e com o desaparecimento do Estado (até lá, há sempre o perigo de uma contra-revolução burocrática).

Burocratização e atraso, atraso e burocratização

a relação entre a burocratização e desenvolvimento é bilateral: tal como o atraso estimula a burocratização, também esta prejudica o desenvolvimento – segundo os trotskistas, a única alternativa eficiente ao mercado é a “democracia operária”.

Por exemplo, se for um patrão privado a organizar o trabalho dentro de uma empresa, tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para maximizar o lucro); se for uma Comissão de Trabalhadores a fazer isso, também tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para os trabalhadores fazerem mais facilmente o seu trabalho); se for gerida por um burocrata não-proprietário, não há nenhum incentivo para escolher os melhores métodos de trabalho.

Outro exemplo: a questão “O que produzir?” – como assegurar a ligação entre os que as empresas produzem e as necessidades dos consumidores? No capitalismo, tal ligação faz-se pelo mercado; na “democracia operária”, através da participação das organizações de trabalhadores e consumidores na elaboração do plano económico (Trotsky chegou a dar o exemplo de um sistema em que os cidadãos pudessem escolher entre o “partido do carvão” e o “partido do fuelóleo”); já no sistema burocrático, em que a planificação é feita, não pelas organizações populares, mas por comités de “especialistas”, não há maneira de assegurar que o plano corresponde às necessidades efectivas da sociedade (a respeito disso, Trotsky escreveu que “a democracia, mais que uma necessidade política, é uma necessidade económica”).

Assim, o programa da Oposição de Esquerda e o do sucessor, o movimento trotskista internacional, frisa duas questões no plano interno da revolução:

a)o desenvolvimento da industrialização e a planificação econômica, como desenvolvimento incentivado das forças produtivas gerais da sociedade. Para melhorar o padrão de vida da classe operária, libertando-a da servidão do trabalho duro, alienante, permitindo mais tempo livre para estudar e lidar com a gestão da produção;

b) e a democracia operária. Pois a democracia operária nas palavras de Trotski é uma necessidade econômica. A burocracia é contrária ao desenvolvimento do socialismo, e o atraso desse desenvolvimento gera mais burocracia. Só a democracia operária, com o fortalecimento dos Conselhos como organismo de direção do Estado e a gestão operária da produção devolverá ao socialismo o ímpeto ao desenvolvimento da revolução. E consequentemente previnirá da degenerescência restauracionista.

Mas poderiam perguntar: e a NEP? Ela não ajudou, à medida que como reversão parcial e temporária das medidas de socialização não poderia ter fortalecido a burocracia? Não alimentou uma leve desigualdade social, re-hierarquização, formação de camadas gerenciais nas empresas que operavam no mercado e de burocratas tais quais os países capitalistas têm. A resposta é não!

A burocracia e a burocratização estavam presentes desde antes, ainda mesmo no “Comunismo de Guerra”. As revoltas e questionamentos no seio da massa a esse regime político-econômico são que obrigaram a flexibilidade representada pela NEP, inclusive como medida para reverter os problemas econômico-sociais do novo Estado Operário advindo da situação de penúria, desorganização e atraso econômico. No Comunismo de Guerra toda a produção e distribuição eram controladas centralmente. E no meio do caos e atraso cultural, não há espaço para as massas democraticamente gerirem o Estado e a economia. E ali estava burocracia para fazê-lo.

A NEP era um plano transitório para planificação, por meio da recomposição das indústrias e das atividades econômicas por meio de liberalização privada (que traria recursos e iniciativa, difíceis pelo Estado naquele momento de desorganização), mas sempre sob a vigilância do planejamento e da implantação paulatina da nacionalização. Porém quando deu sintomas da necessidade de ajuste, pelos anos de 1924/25 - ajustes não-feitos pelos interesses e acordos da burocracia (que obrigaram ao próprio Stalin impreterivelmente a fazer em 1929, do jeito dele, a ferro-e-fogo) – Lênin estava incapacitado e depois morto e, por sua vez, a Oposição de Esquerda, que tinha um programa coerente e a capacidade de fazê-lo, não conseguiu se impor.

Foi a necessidade é que gerou a NEP

A NEP não era uma necessidade, mas havia uma necessidade que gerou a NEP. Haviam em discussão em 1921/22, antes de sua adoção, 3 tipos diferentes de projetos. A questão que se colocou a partir de 1924, era o quanto poderia haver de outras maneiras de conduzir a recuperação econômica e a transição para o socialismo num país como a Rússia que era subdesenvolvida, em termos capitalistas, e havia passado por um longo processo de destruição da estrutura econômica.

Os 3 projetos, todos balizados pela idéia de que enquanto a revolução mundial não vinha (a revolução alemã havia retrocedido), era necessário reorganizar a URSS para sobreviver ao cerco e boicote capitalista e recupera-la e transiciona-la:

a)de Trotsky que havia necessidade "militarização dos sindicatos". Os sindicatos passariam a ser gestores da economia, mas seria estruturados em termos de exército revolucionário permante, a exemplo do Exército Vermelho. Não era a toa, Trotski era dirigente e fundador do Exército Vermelho, e o havia organizado, contrário a opinião geral dos bolcheviques, em termos de exército estatal, com um corpo de especialistas mas com democracia interna e sem grande hierarquização,mas que conseguira vencer a intervenção estrangeira e guerra civil. Por outro lado, defendia a liberalização do comércio para os camponeses.

b) Oposição Operária - grupo de esquerdista interno do Partido Bolchevique - defendia o "controle operário da produção". Esse setor, impactado pelos questionamentos aos bolcheviques advindos da movimento que antecedeu a revolta de Kronstad, pregava acertadamente que somente a democracia operária inclusive sobre a gestão direta das empresas e do plano permitiria maior eficiência na economia e impedir a burocratização.

c) tese mediadora de Lênin - pregava que a concessão de liberdade econômica aos camponeses, setor que mais reclamava do Comunismo de Guerra, por outro lado, defendia Lênin, que deveria a URSS adotar a técnica mais moderna ocidental, somente obtida com a concessão de liberdades a sua reinstalação.

Lênin acreditava que com uma liberalização parcial, subordinada a socialização progressiva e continuada o problema do atraso interno (subsenvolvimento) e externo da revolução (falta de outras economias pós-capitalistas) seria resolvido ou mediado.

A NEP não atacava 3 pilares: o monopólio do comércio exterior, a estatização das grandes empresas, de infra-estrutrura e do crédito e o planejamento (embora a planificação para as estatais e indicativa às privadas).

Naquele momento a aliança operária-camponesa estava ameaçada. Os camponeses queriam produtos fabris em troca de seus produtos que as indústrias não estavam em condições de fornecer, devido a desorganização, carência de matérias-primas, falta de fabricas. E o capital privado poderia com sua iniciativa e recursos e tecnologia, produzir subsidiariamente produtos ou mesmo pela acumulação gerar poupança interna e concentração de mercado.

Porém nos anos de 1923/24, já doente, concluira Lênin (nos seus escritos e pensamento que veio a público) pela necessidade de fazer ajustes na NEP - devido ao enriquecimento de camadas médias camponesas, os chamados kulaks, e pelo grande poder econômico das empresas privadas e de seus donos ou gerentes, o chamados nepmen - mas estava muito doente para operar qualquer modificação. Por sua vez, Trotski e a antiga oposição operária, afunilaram suas posições, inclusive formando após a ascensão de Stalin uma corrente comum, a Oposição de Esquerda.

Uma das principais lideranças do grupo, Preobrazhenski, propôs uma alternativa. Defendia a tese da desnecessidade do prosseguimento da NEP e sua substituição pela "acumulação socialista primitiva". Isto é, numa situação onde ainda existe pequeno comércio e agricultura privada - à medida que o campo havia acumulado capitais e a economia é guiada parcialmente pelas leis de mercado - subordina-los pelo planificação, aplicar um processo de transferência de excedente para obter recursos à industrialização, mecanização e obras públicas. Casando com a democracia operária no planejamento e gestão da economia.

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