sábado, 12 de março de 2011

Terremoto no Japão: se fosse no Haiti seria muito mais devastador

Re-publicamos a entrevista com o ativista brasileiro José Luis Petrola, militante do MST, que vem atuando no Haiti. Na entrevista fica evidente que o impacto de um terremoto só é proporcional a situação peculiar que vive a sociedade atingida. Um tremor, como o visto no Japão desta semana, seria muito mais devastador no Haiti, que sofrera com um sismo em janeiro de 2010. Basta comparar o número de vítimas até o momento, com o grau do sismo. Portanto, não é a geografia, entendida aqui especialmente como localização geográfica, que faz a tragédia de um povo, e sim seu padrão de desenvolvimento econômico e social. Que condiciona a prevenção e preparação para as tragédias naturais, o socorro e resgate das vítimas e a própria reconstrução da infra-estrutura e das condições mínimas de vida decente a sua população.

Um tremor dessa magnitude no Japão não seria tão devastadorMaria Mello
 Desde janeiro de 2009, a Brigada Internacionalista Dessalines – composta por quatro militantes brasileiros da Via Campesina - atua no Haiti com as organizações camponesas do país para contribuir com o desenvolvimento de agricultura no país, buscando saídas coletivas para o povo, por meio da solidariedade internacional. Lá, os militantes brasileiros atuam em quatro frentes de cooperação: produção de sementes, reflorestamento e produção de mudas, captação de água da chuva e escolas técnicas de nível médio.

José Luis Patrola, militante do MST e integrante da Brigada, está no Brasil desde dezembro e se preparava para voltar ao Haiti na próxima semana. Ele acredita que “o descaso social, acompanhado das precárias condições econômicas vividas pela população e de um Estado que verdadeiramente abandonou seu povo oferecem condições favoráveis para desastres como o ocorrido”.

Segundo ele, os problemas estruturais do país caribenho - que já eram graves - se agravaram enormemente com o terremoto, e avalia a possibilidade de retorno rápido da Brigada para oferecer solidariedade e articular medidas para a reconstrução das áreas atingidas. “No curto e no médio prazo, o problema alimentar afetará gravemente a população, e deveremos buscar formas de ajudar nesse aspecto. Acreditamos ainda que deveremos reforçar a presença de recursos humanos no Haiti, prestando a solidariedade e ajudando a reconstruir um país que há muito necessita da solidariedade internacional que deverá ser construída junto àquele povo”, afirma.

Leia a entrevista.

Qual é a proposta e as atividades de cooperação desenvolvidas pela brigada internacionalista Dessalines no Haiti até agora? Há quanto tempo?

A Brigada se instalou no Haiti em janeiro de 2009. Neste primeiro ano de trabalho, os quatro membros se dedicaram a andar o país em articulação com as organizações camponesas na perspectiva de instalar as bases para o programa de cooperação. Nesse período de diagnóstico da realidade haitiana identificamos quatro áreas de ação. Estas seriam trabalhadas neste ano de 2010. Entre elas se encontram a produção de sementes, reflorestamento, construção de cisternas e construção de uma escola técnica.

Existe uma expectativa muito grande de que o programa de cooperação possa ajudar as frágeis organizações camponesas do Haiti. Nossa brigada se relaciona com todas as organizações camponesas.

Quais as características do meio rural haitiano? Em que aspectos ele pode ser comparado ao Brasil?

O meio rural haitiano é muito pobre. A população pobre daquele país é mais pobre do que todos os países do continente. 65% da população habita o meio rural fazendo com que parcela importante da economia do país dependa da agricultura. No entanto, os camponeses, dentro de seu nível de pobreza, conformam o grupo social mais abandonado da população se localizando em zonas montanhosas e de difícil acesso. Alem de tudo, recursos disponibilizados abundantemente em quase todo o Brasil como água e energia elétrica são raridades no interior do país.

Os camponeses haitianos comercializam seus produtos em grandes feiras instaladas na zona rural e urbana. Ao mesmo tempo, sofrem as dificuldades da abertura comercial que inundou o país de gêneros alimentícios importados. Caso prossiga essa política os problemas dos camponeses que já são terríveis tendem a se agravarem ainda mais.

As consequências do terremoto podem ser consideradas um reflexo do descaso social e político com o povo haitiano? Se os riscos de terremoto sempre foram conhecidos, por que nenhuma providência foi tomada para evitar tantas mortes?

Terremotos ocorrem sem muita previsibilidade. A região onde o Haiti se encontra é suscetível a esses fenômenos. Seguramente, o descaso social, acompanhado das precárias condições econômicas vividas pela população e de um estado que verdadeiramente abandonou seu povo oferecem condições favoráveis para desastres como o ocorrido.

Assim que chegamos ao Haiti, constatamos a ausência de infra-estrutura e recursos básicos na maior cidade do país. Porto Príncipe, onde ocorreu o terremoto, possui em torno de dois milhões de habitantes e a absoluta maioria vive amontoada em bairros pobres. Um tremor dessa magnitude em Tóquio, no Japão, não seria tão devastador devido a preparação e as condições oferecidas pelo Estado à sua população.

Talvez agora, após a catástrofe anunciada, a comunidade internacional faça valer o quarto objetivo das Nações Unidas para aquele país: “formar o desenvolvimento institucional e econômico do Haiti”.

Como a Brigada pretende se mobilizar para ajudar na reconstrução do país e na solidariedade ao povo haitiano a partir de agora?

Após o terremoto, que surpreendeu a todos, teremos que reavaliar nossa estratégia para o médio e longo prazo já que o problema urbano se agravou. Existe, desde agora, um fluxo migratório da capital, afetada pelo tremor de terra, ao interior. Muitos problemas estruturais do Haiti já eram graves antes do terremoto. Agora a situação se agravou enormemente. No curto e no médio prazo, o problema alimentar afetará gravemente a população e deveremos buscar formas de ajudar nesse aspecto. Além disso, a falta de água potável é um grave problema no qual deveremos trabalhar. Ao mesmo tempo a população morre de enfermidades consideradas superadas em países desenvolvidos. Com os desastres naturais elas se agravarão e deveremos pensar com cuidado o aspecto da saúde do povo haitiano. Acreditamos ainda que deveremos reforçar a presença de recursos humanos no Haiti prestando a solidariedade e ajudando a reconstruir um país que há muito necessita da solidariedade internacional que deverá ser construída junto àquele povo.

Fonte: http://alainet.org/active/35573


Da Página do MST - 15 de janeiro de 2010 - http://www.mst.org.br/node/8942

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