por Almir Cezar Filho
A indústria brasileira como um todo está perdendo espaço na economia brasileira e demonstra em parte o processo de desindustrialização relativa do Brasil. Revela na verdade que na década esteve em curso uma quarta etapa da industrialização nacional assumindo portanto uma nova face na economia brasileira a dependência econômica ao grande capital monopolista internacional.
Dados do IBGE sobre a economia entre 2003 e 2010, um fase de forte expansão da economia brasileira e da indústria, observou que enquanto nesse período o consumo no país cresceu 69%, a produção industrial avançou apenas 31%.
Desindustrialização não é o inverso de industrialização, isto é, a atividade industrial vai diminuir até desaparecer. Mas sim, que o peso/espaço da produção industrial no conjunto da economia diminuí ou que perde participação para os produtos industriais vindos de fora.
Para comprovar que não há um desindustrialização absoluta, e sim, apenas uma relativa, os dados da PIA divulgados em 2009 pelo IBGE - obviamente os dados captam a realidade pré-crise, mas essa nova situação não pode ter revestido tal cenário. Há uma transformação em curso na economia brasileira com uma respectiva recomposição na classe operária, com previsíveis e interessantes impactos na luta de classe futuros.
Entre as causas do recuo da peso da indústria na economia total, pode-se apontar no problema crônico do câmbio valorizado, que leva que parte da economia seja abastecida por produtos industriais importados, e no perfil do investimento das empresas no Brasil, tanto de capital nacional como transnacionais, cada vez menos voltado para a produção de bens de consumo industriais e de bens de capital e mais para commodities, especialmente os semi e manufaturados.
A indústria nacional além de perder peso, passa a se voltar a produção das commodities, que são matéria-primas na indústria de outros países. A desnacionalização da economia acaba reforçando esse perfil, à medida que as empresas compradas pelo capital estrangeiro ou as multinacionais se voltam a esse perfil, em vista de atender a economia de suas matrizes ou inserir suas filiais brasileiras nessa dinâmica global. Cujo mercado brasileiro é visto como mero consumidor de bens industrializados e produtor de matérias-primas elaboradas para os bens industrializados fabricados lá fora.
Em relatório recente do próprio BNDES, já apresentado aqui no blog, os investimentos das empresas brasileira mostra cada vez mais um padrão industrial voltado à 'commoditização' da economia, um velho traço da dependência econômica. Segundo o BNDES, o investimento projetado para o mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014), será de R$ 3,3 trilhões, mais 62%, em termos nominais, do entre 2006 e 2009. O maior salto deve se dar no setor petróleo e gás, cuja projeção saltou de R$ 295 bilhões, de 2010 a 2013, para R$ 378 bilhões.
Isso prova que a economia nacional não passa por uma desindustrialização, mas, cada vez mais, apesar do progresso e desenvolvimento econômico, sua inserção no capitalismo mundial se dá de maneira subordinada e voltada a completementar a produção exterior e atender aos interesses do grande capital internacional. O Brasil portanto, é visto centralmente pelo capital internacional como estratégico fornecedor de commodities semiprocessadas, matérias primas industriais e energia barata, enquanto que para os bens de ponta e novas tecnologias apenas seria um gigante mercado consumidor. A recente aceleração da concentração e da desnacionalização reforçam esse perfil.
Essa desindustrialização relativa apresentada pelos números IBGE, demonstra que está em curso na economia brasileira, cada vez mais dependente, uma nova etapa da industrialização nacional, cujo setor fica menos voltada ao mercado interno, voltando-se ao abastecimento de insumos à indústria estrangeira, como parte da longa cadeia global de produção das empresas.
Esse processo vivido na década de 1990 e mais fortemente nos anos 2000, inverte lógica das três etapas de industrialização vividas pelo Brasil no século XX (1900-1930, 1930-1950, 1950-1970), que em resumo, substituíam o atendimento da demanda de bens industriais do mercado nacional pela produção doméstica. Mas, que, em verdade, prepararam a economia para o momento atual, ao montar um parque industrial completo e moderno, porém controlado e dependente de capitais e tecnologias estrangeiras e complementar ao parque das matrizes das transnacionais.
Essa desnacionalização e desindustrialização relativa não é benéfica aos trabalhadores brasileiros, mas muito pelo contrário, gera à burguesia nacional enormes ganhos. A consequência é a ampliação das remessas ao exterior devido a desnacionalização, e logo o envio de lucros, ou aumento da dívida externa privada, e logo o pagamento de juros dos empréstimos internacionais. Além disso gera um forte pressão para ampliar a exploração sobre o trabalhador brasileiro, sob a alegação da busca de "ganhos de competitividade". Fora a ampliação da concentração do patrimônio e do capital, com pressão à desigualdade econômica e social e fortalecimento da oligopolização dos setores produtivos.
O desenvolvimento recente do Brail houve a manutenção e mesmo a ampliação da grande desigualdade social, usando para comprovar isso os dados da PNAD do IBGE, que vem sendo justamente usado por alguns especialistas para mostrar melhorias na qualidade de vida dos mais pobres, associando assim a uma redução na desigualdade, porém os mesmos acabam negligenciando as "melhorias" na contraparte, os mais ricos.
Em verdade, a desigualdade social persiste apesar de todo o desenvolvimento econômico recente à medida que não houve a superação dos grandes problemas nacionais, que têm em base na reprodução da ordem patrimonial e fundiária extremamente concentrada, condição agravada recentemente com o fortalecimento do setor bancário financeiro entre a burguesia brasileira e a forte desnacionalização. É só observar a alta taxa de lucratividade e rentabilidade dos bancos e dos portadores de títulos a juros e das transnacionais que remetem lucros e dividendos às matrizes e acionistas.
As melhorias na vida do povo trabalhador foram em um proporção muito menor do que da vida dos ricos, principalmente os banqueiros. Toda melhoria portanto, na vida do povo trabalhador, foi obra do próprio povo, através do aumento em sua exploração, a nível nunca antes vistos, a níveis acima do que seria "normal" para o Capitalismo se reproduzir, mesmo o capitalismo brasileiro, sempre pautado na superexploração do trabalho, um regime de exploração que por si já é alto (tudo em decorrência de uma burguesia descapitalizada e que ainda precisa partilhar a mais-valia de seu trabalhador com o capital internacional).
A superexploração do trabalho é amplamente disseminada na China, e visível o caso das recentes greves e ondas de suicídios de operários, embora traço típico de dependência de países periféricos dentro do sistema mundial imperialista, não impede sua transformação desse países em país semiperiférico ou mesmo central, fenômenos que estamos vivenciando agora com os BRICs - Brasil, Rússia, Índia e China.
A produção industrial acaba refletindo esse novo estágio que o Brasil está vivendo em termos de presença na economia mundial. Nos dias de hoje, dois terços da expansão econômica do mundo está dependendo da situação dos países não desenvolvidos. Os BRICs (acrônimo que representa o grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China) responde hoje por 40% do crescimento da economia do mundo, contudo há um grande interesse em entender, mas pouco conhecimento sobre esse processo de países como o Brasil, resultada de uma circunstância em que cada vez mais se avança para uma situação na qual a maior parte da produção não está localizada nos países desenvolvidos, e sim, nos ditos não desenvolvidos.
Por sua vez, até esse conceito 'desenvolvido' (e sua contraparte 'não-desenvolvido') é colocado novamente em xeque, e se abre uma perspectiva de novo ponto de vista da divisão internacional do trabalho, de como a produção se divide no mundo e quais são os motores de sua expansão para os próximos anos.
Segundo estudos do Ipea, o crescimento da massa salarial brasileira foi menor do que o crescimento do PIB, indicando que os ganhos de produtividade do trabalho não foram repassados aos trabalhadores. Segundo estudo, no biênio 2008/2009, o peso do trabalho na renda nacional, de 43,5% no período, aumentou 9,5% em relação aos anos de 1999 e 2000 (40%). O Brasil ainda tem longo um caminho para alcançar os países desenvolvidos, onde os salários representam mais de dois terços do total da renda.
Porém, enquanto o salário segue em baixo, os lucros do grande capital segue em tendência crescente, puxado sim pelo crescimento do nível emprego, mas também provável reforçado pelo baixo nível de massa salarial, aumentando portanto a margem dos lucros (menores salários, menores custos, maiores os lucros, que é receita menos lucro - desde que a receita, através de demanda em alta, se mantenha apesar da queda dos salários). E se a taxa de desemprego foi a menor desde 2002 (6,7%), a vagas são de até 2 mínimos.
Os ganhos de produtividade do trabalhado nas últimas décadas não forão revestidos em aumentos salariais ou na redução da jornada de trabalho, mas retidos pelo empresariado brasileiro. Aplicados na compensação da tendência declinante da lucratividade das capitais nacionais, à medida que, acossadas crônica e duplamente pela alta taxa de juros e pelo câmbio apreciado, parte dos lucros são assim drenados e/ou comprimidos. É bom destacar portanto que, juros e câmbio tornaram-se canais de drenagem do excedente social produzido pela economia brasileira para o exterior.
A industrialização brasileira, instalação de grandes indústrias transnacionais e a transnacionalização de grandes empresas de capital nacional não evitam o fenômeno da dependência, apenas deram novos contornos. E, por outro lado, mostra que apesar de dois grandes fatores contrários, a taxa de juros altos e câmbio desfavorável, as empresas tiveram ganhos crescentes nos lucros.
Por sua vez, há o sério problema da alta da taxa de juros brasileira. Curiosamente, um dos principais fatores que condiciona o BC a sempre fixar a Selic muito alta, não é o combate a inflação como seus diretores e a mídia alega, mas é a busca por arbitragem, isto é, que a taxa de juros interna seja maior que a internacional, que pela diferença, atraí especuladores e logo capitais, para que o fluxo e o saldo nas contas externas seja sempre positivo (mais dólar entrando do que saindo). Por sua vez, a taxa de juros básica, fixada cronicamente alta pelo Banco Central, força as grandes empresas brasileira recorrerem a captações externas para se financiarem, trazendo mais dólares.
Contudo, o efeito pode ser oposto do esperado pelo BC, pois a alta de juro ajuda a puxar os preços e a inflação, especialmente sobre os preços das commodities. A política monetária influi no câmbio, os financistas, constatando a queda do dólar, fogem para as commodities, à medida que a elevação da taxa desvaloriza o câmbio, estimulando fuga para mercados futuros, pressionando seu valor para cima.
Por sua vez, juros é custo industrial, e em uma estrutura oligopolista como é o mercado brasileiro, onde as grandes empresas têm força sobre os seus competidores, consumidores e trabalhadores, podem repassar a elevação das suas despesas para os preços de suas mercadorias vendidas sem perdas. Fora que, juros são rendimentos para os banqueiros, financistas e rentistas em geral, e numa elevação da taxa de juros aumentam seus rendas e ganhos, que podem ser transferidos para aumento em seu consumo, numa espécie de 'efeito-renda' elitista. E ainda, juros altos inibem investimentos produtivos, restringindo a expansão da capacidade produtiva que elevaria a oferta de produtos que atenuaria a pressão inflacionária.
Porém, é justamente essa política monetária que gera dificuldades nas contas externas, à medida que, por um lado, o câmbio valorizado prejudica as exportações e favorece as importações, pressionando a balança comercial, e por outro, estimula a remessa externa de lucros das transnacionais, pois o lucro doméstico em moeda nacional fica ainda maior em dólar, pressionando a balança de serviços.
Em suma, apesar do desenvolvimento econômico do último período, o Brasil ainda está em um círculo macroeconômico vicioso, típico das economias dependentes, obrigado a fixar alta sua taxa de juros para compensar o déficit externo. Para piorar, armadilha em que se encontra a política econômica estruturalmente força a desnacionalização do capital das grandes empresas brasileiras (76% do PIB está sob controle de capitais estrangeiros), condicionando a perda da autonomia dinâmica da economia, reforçando ainda mais a dependência do Brasil dentro do sistema mundial capitalista ao capital externo.
A consequência é um processo de re-industrialização da economia brasileira, mas essa re-industrialização se dá através de um maior peso do capital estrangeiro sobre o montante de capital, um processo que não só apesar da crise de 2009, mas talvez acelerado por ela, à medida que passado o susto inicial, as transnacionais estão buscando refúgio no Brasil. Traz a aceleração da desnacionalização da economia brasileira, com um menor comando do capital e do empresariado nacional sobre a dinâmica da economia.
Teremos transformações importantes na dinâmica econômica e na dinâmica social do país. Por um lado, mais suscetível as crises mundiais, porém, embora mais dependente, uma economia com papel mais importante na economia mundial. Por outro, teremos um novo movimento operário, mais fortalecido do ponto de vista objetivo, pelo tamanho do seu contingente, inclusive para enfrentar os ataques da burguesia em caso de crises.
Assim, enquanto o Brasil não romper com o capitalismo, a dependência se repetirá infinitamente, apenas com pequenos ajustes e teremos cada vez uma indústria voltada não ao atendimento das necessidades dos trabalhadores brasileiras mas do capitais internacionais. E cabe a essa classe trabalhadora à tarefa histórica da luta pela superação da dependência enfrentando o grande capital nacional e transnacional.
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