Governo vai perseguir superávit além da meta
Valor Econômico
A meta de superávit primário será de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos quatro anos, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao Valor. Na primeira entrevista a um jornal após sua confirmação no ministério pela presidente eleita Dilma Rousseff, Mantega foi além: para 2011, embora a meta seja esta e sem ajustes, ele terá de fazer um superávit adicional - que não quantificou - para aumentar a poupança pública ou fazer uma desoneração de impostos.
"Nós vamos fazer uma redução de gasto para valer", assegurou o ministro. Segundo ele, "a mão será pesada" e abrangerá não só os gastos de custeio, mas adiantamento de investimentos previstos que ainda não tiveram início.
Corte de gastos vai incluir investimento, diz Guido Mantega
Claudia Safatle, Luciana Otoni e Fernando Travaglini | De Brasília
Em sua primeira entrevista a um jornal depois de confirmado no cargo de ministro da Fazenda no governo de Dilma Rousseff, Guido Mantega afirmou que o pacote de medidas para estímulo ao crédito de longo prazo será anunciado em 2 de dezembro, na reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o "Conselhão". Entre as medidas, ele adiantou que será alterado o Imposto de Renda cobrado nas captações de longo prazo. A questão não está fechada, pois há o temor de que os investidores encontrem brechas para se beneficiar da isenção e continuem aplicados no curto prazo. "Aqui no Brasil está todo mundo mal acostumado. Todo mundo quer aplicar, ter uma taxa de retorno alta e ter liquidez imediata", disse.
No controle da inflação, o ministro enfatizou a necessidade de avançar na desindexação da economia e propõe, nos futuros contratos de reajuste dos preços administrados, a substituição do IGP pelo IPCA, mas acrescenta que o ideal seria que não houvesse nenhum reajuste pré-fixado. "Prefiro que não haja indexador, que haja negociações." Ele vinculou a necessidade de desindexação a uma futura redução na meta de inflação. Outro caminho vislumbrado pelo ministro é o uso de uma medida de núcleo de inflação, no futuro, para o balizamento da meta. "Pode ser. Como fazem os americanos. Vamos discutir essa questão."
Mantega acredita que o aumento da inflação corrente não é estrutural, decorrente do descasamento entre oferta e demanda, mas passageiro, fruto de pressão de alimentos e commodities. Deixou claro, porém, que se o Banco Central considerar necessário o aumento dos juros, isso será feito. "Não vou me opor.". A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual é a meta de superávit primário, de fato, para 2011: 3,3% do PIB, 3,1% ou R$ 117,8 bilhões?
Guido Mantega: A meta era 3,3%, que correspondia a R$ 117,8 bilhões, porque não podemos ficar correndo atrás das variações do PIB. Então, preferimos fixar em R$ 117,8 bilhões. Com a exclusão da Eletrobras, que ainda não foi aprovada, teremos uma redução de 3,3% para 3,1% do PIB. Agora, para o governo central não muda nada. Nossa meta é um superávit de 2,15% do PIB.
Valor: Meta de primário de 3,1% do PIB é para 2011 ou para os próximos quatro anos?
Mantega: É para os próximos quatro anos.
Valor: Essa meta é compatível com a necessidade de frear a escalada do IPCA? O sr. está preocupado com a inflação?
Mantega: Essa meta já estava prevista antes, só que agora faremos um esforço adicional. O que foi anunciado em relação ao corte de gasto é para termos um superávit além dessa meta. Isso não quer dizer que aumentaremos o primário. Vamos mantê-lo em 3,1% do PIB para os próximos em quatro anos. É uma meta boa e faremos cheia, sem dedução do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].
Valor: O que será feito com essa provável economia adicional ?
Mantega: O esforço fiscal adicional aos 3,1% de superávit nos permitirá fazer poupança ou desoneração de impostos. Queremos colocar esse adicional no Fundo Soberano, que está engordando. Hoje, temos R$ 19 bilhões no fundo. Ele começou com 0,5% do PIB e com os rendimentos e compras de títulos deve estar em 0,7% do PIB.
Valor: Quanto o sr. imagina que terá que cortar no gasto?
Mantega: Não tenho um número. Para não chutarmos, pedi ao Tesouro e ao Planejamento para fazerem o estudo da redução de gasto para 2011. Queremos uma redução considerável.
Valor: O sr. comentou que na hora do corte, "a mão será pesada".
Mantega: Eu disse isso? (perguntou para seus assessores, que confirmaram). Então é. Nós vamos fazer uma redução de gasto para valer. Mais importante que a redução que será feita é não permitir que cresçam.
Valor: É possível formalizar em lei que o gasto público crescerá menos que o PIB?
Mantega: Acho que não precisamos formalizar em lei. Precisamos fazer um acordo com o Congresso, porque uma parte dos gastos é originada lá. Havendo diálogo, consenso de que é necessário fazer isso nesse momento, é suficiente. O reajuste do Judiciário, por exemplo, não está na proposta do Orçamento, não tem autorização e não acredito que o Congresso fará mudança. Na proposta orçamentária não está previsto nenhum aumento ao funcionalismo. O que está previsto é a correção pela inflação para a alta magistratura. Se aprovar o Orçamento dessa maneira, não haverá espaço fiscal para outros aumentos.
Valor: E se aprovarem a PEC 300, que representa um gasto de R$ 43 bilhões para União, Estados e municípios, e outros projetos, como aumento do salário mínimo acima de R$ 540, o sr. vai sugerir o veto?
Mantega: O problema é que não se veta PEC. Por outro lado, para aprovar uma PEC é preciso maioria qualificada. E não acredito que passe, acho que há uma conscientização. Mesmo porque a PEC 300 (que cria um piso salarial para todos os policiais civis, bombeiros, da ativa e aposentados) não afeta só a União. Afeta principalmente os Estados e os municípios. E vai ter Estado que vai quebrar.
Valor: O BNDES já pediu mais R$ 60 bilhões de empréstimo ao Tesouro para o 2011?
Mantega: Não posso revelar. Ainda vamos conversar, mas posso dizer que o aporte será bem menor que os mais de R$ 105 bilhões repassados este ano. Pode ser em torno de 50% do que foi neste ano. Só aí já teremos uma grande economia.
Valor: E nos demais bancos públicos, BB, Caixa, como será?
Mantega: Esses bancos se comportam como bancos privados. Hoje, o volume de crédito que aportam na economia é igual ao do Itaú, Bradesco, Santander, não há diferença. O crédito neste ano está crescendo cerca de 20%. Não estou exigindo nada deles, eles estão se comportando pelas regras do mercado. Quando faltou crédito, aí sim, tinham que ser mais ousados, agora que tem crédito sobrando, eles tem que se comportar como bancos normais. Não adianta forçar a barra, porque hoje há mais crédito que demanda.
Valor: Como o sr. vê a elevação dos índices de inflação?
Mantega: Os índices de inflação refletem principalmente o movimento de commodities e de alimentos. São trajetórias sazonais, de entressafra, ou que captam problemas pontuais. Isso tem reflexo forte nos preços. Subiram os preços de alimentos. Não são fatos relacionados com demanda, com aquecimento, não dá para correlacionar. Esse crescimento haveria de qualquer forma, seja qual for a demanda. Onde se pode detectar algum estímulo de demanda é nos preços dos serviços, porque dependem da mão de obra, e hoje temos quase pleno emprego. É onde os preços reagem mais à demanda.
Valor: O índice de difusão, que passou de 61% para quase 69%, não mostra uma propagação da inflação para o resto da economia?
Mantega: Há efeitos secundários, porque subiu o preço do combustível, por causa do álcool. Temos de examinar com cuidado os dados da inflação para saber o que está acontecendo, se é uma inflação estrutural causada por demanda, ou se é passageira e será revertida em um segundo momento.
Valor: Os cortes de gastos serão em custeio ou podem atingir também o investimento?
Mantega: Investimentos também.
Valor: Mas que tipo de investimentos? Os que ainda não saíram do papel?
Mantega: Exatamente. Os que já estão em curso, terão prioridade. Os que ainda não começaram podem ser postergados um pouco. Vai depender desse conjunto de dados que estamos reunindo.
Valor: O sr. diria que 2011 será ano de um freio de arrumação na área fiscal, como 2003, ou a austeridade será para os próximos quatro anos?
Mantega: Não tem nada a ver com 2003. Agora é diferente. Em 2003 estávamos com a situação toda desarrumada. Não era só a inflação. Não tínhamos recursos mesmo. Tivemos que cortar, porque não tinha o que gastar. Então, praticamente não teve investimento. Agora não é pelas mesmas razões. É por um comportamento anticíclico. Estamos explicitando uma estratégia anticíclica do Estado brasileiro. Isso tem que ficar claro. Em 2007 e 2008, arrecadamos mais e poderíamos ter gasto mais, mas não o fizemos. Nós fizemos mais superávit primário do que estava estabelecido e ainda fizemos uma poupança no Fundo Soberano. Isso é comportamento anticíclico. A economia não precisa crescer mais do que já está crescendo. Já está crescendo bastante, então o governo reduz seus gastos, reduz a sua demanda. Depois tivemos os anos de crise, em 2009 e 2010, de recomposição da economia perante a crise. Ai o anticíclico significou substituir o que o setor privado não está fazendo. Aí você gasta mais, dá subsídios, estimula mais o investimento. Agora é o momento de reequilibrar essa dinâmica, porque a economia já recuperou o fôlego, já está com seu dinamismo restabelecido.
Valor: Diante disso, ainda é possível a desoneração da folha de salário das empresas?
Mantega: Não é impossível. Ela deverá entrar no nosso cenário de 2011.
Valor: O sr. preparou um pacote de incentivos ao financiamento de longo prazo, agora que deve haver uma retração no crédito do BNDES?
Mantega: Justamente por isso. O programa de estímulo ao financiamento de longo prazo é mais do que necessário à medida que estamos reduzindo o papel do BNDES e abrindo espaço para que o setor privado ocupe. Essas medidas são fundamentais para o setor privado se viabilizar.
Valor: Quando ele será anunciado?
Mantega: Nas próximas duas ou três semanas vamos aprovar as medidas.
Valor: Elas serão submetidas a discussão?
Mantega: Vai ter reunião do Conselhão dia 2 de dezembro. Espero que elas estejam prontas até lá. Ainda faltam alguns detalhes. Não vai ser fácil.
Valor: E a poupança, o sr. pretende mexer definitivamente na remuneração da poupança para reduzir juros?
Mantega: Nesse conjunto de medidas, não.
Valor: Mas está no horizonte?
Mantega: Não sei. Estamos focados agora em viabilizar um aumento do crédito de longo prazo e temos que criar condições para redução do custo de capital de giro.
Valor: Como será essa redução?
Mantega: Por exemplo, se nós conseguirmos criar as condições para se reduzir a taxa básica de juros. Estamos discutindo com o Banco Central.
Valor: O sr. disse que se precisa avançar na desindexação da economia até para ter uma meta de inflação menor a partir de 2012. Como o sr. pretende fazer?
Mantega: Há uma rigidez da inflação. A inflação têm dificuldade de cair a partir de um certo patamar, por dois problemas. Primeiro, ainda temos indexação em um terço dos preços. São os preços administrados, que são indexados a maus indexadores, o IGP [Índice Geral de Preços, da FGV], que traz a inflação de fora para dentro. Cria-se um circulo vicioso. O IGP mede os preços das commodities, por exemplo. Esse é o segundo problema. O Brasil é cada vez mais um forte exportador de commodities e estamos num ciclo de expansão desses preços. Aí, somos afetados. É claro que por um lado é positivo, pois faturamos mais. Mas, por outro lado, isso implica inflação.
Valor: Qual a solução?
Mantega: Já falei para a FGV que ela deveria fazer o IGP-DI de novo. O IGP-DI é de preços internos mesmo, não preços internacionais. Outra coisa é mudar o indexador. Isso nós teremos oportunidade de fazer à medida que os contratos dos preços administrados vencerem. Não podemos mexer nos contratos que estão em curso.
Valor: Mas não são contratos longos?
Mantega: Tem contratos que vencem agora. Podemos recomendar que o índice que seja adotado não seja mais um índice que reflete o preço internacional, mas um que reflita preço nacional. O IPCA é mais adequado. Ou inventar alguma outra forma que não seja por indexação. O ideal seria desindexar a economia.
Valor: Para avançar na redução da meta de inflação no futuro, o sr. acha que precisa fazer isso antes?
Mantega: Acho que precisa. Nós continuaremos a ser uma economia forte em commodities. Isso já é uma pressão inflacionária, pelo menos enquanto tivermos um ciclo de elevação. O dia que vier um ciclo de baixa, ai vai ser o contrário. Vamos ter uma pressão de baixa. Mas fica muita oscilação. Eu prefiro que se use um indicador que tenha menos essa volatilidade externa ou, no limite, prefiro que não haja indexador e que haja negociações. Não sei se isso é possível.
Valor: Outro caminho seria usar o núcleo de inflação, transformá-lo em meta?
Mantega: Pode ser, vamos discutir essa questão.
Valor: O sr. pretende adotar o déficit nominal como meta fiscal?
Mantega: Acho que o déficit nominal é tão ou mais importante que o superávit primário. Mas já se criou a cultura de que o primário é importante, então ele vai ficar por aí. Agora, temos que olhar cada vez mais para o nominal. E nós já fazemos isso.
Valor: Mas se passar a ser meta, não se estaria incorporando duas variáveis sob as quais não se têm controle, que é taxa de juros e variação patrimonial?
Mantega: É por isso que não estou estabelecendo meta para nominal. O dia que zerar o nominal, aí talvez você possa ter uma meta. Temos ainda muita instabilidade em termos de juros e inflação. Se você diminuir essa instabilidade, terá uma segurança maior.
Valor: A redução da dívida líquida como proporção do PIB para 30% em 2014 pressupõe déficit nominal zero?
Mantega: Não quero assumir o compromisso de zerar o déficit nominal, porque depende de outras variáveis. Eu tenho mais controle sobre o primário do que sobre o nominal. O primário eu falo: vou fazer e acabou. Não tem conversa. Corta aqui. Corta ali. E dá para fazer. Mas o nominal passa por variáveis fora do nosso controle.
Valor: E 2% de juro real em 2014, é um objetivo?
Mantega: Isso também não é tão rígido. O que foi dito é que é possível chegar a juro real em torno de 2% ao cabo de quatro anos. É possível, dependendo das condições. Pode ser que não se alcance. Porque não dá para engessar a política monetária. A política monetária depende de circunstâncias. Mas é possível, porque o Brasil vai reunindo condições que permitem a taxa de juro real cair. Já foi muito maior. Dizia-se que a taxa real não poderia ser menor do que 10%. Isso era um mito que foi derrubado.
Valor: Qual seria a taxa de juro neutra?
Mantega: Não sei se tem taxa de juro neutro. Isso é coisa do Banco Central. Não sei, mas certamente é abaixo do que esta aí. Aí eu concordo com o BC. O BC falou exatamente isso no Relatório de Inflação, que a taxa de juro neutra é menor do que o mercado estava esperando. Eu assino embaixo. O que tem se provado é que a taxa de juro neutra é menor que os 10% .
Valor: Dada as condições da economia hoje, se a inflação não foi algo focalizado, o sr. considera a possibilidade de aumentar juros?
Mantega: Olha, se o Banco Central achar que tem que aumentar, ele vai aumentar. Não vou me opor, mesmo porque não tenho esse poder de decisão. É o Copom que toma essa decisão.
Valor: Houve uma parada na apreciação da taxa de câmbio.
Mantega: Foi uma combinação das últimas medidas que tomamos, que foram mais fortes, e também compramos todo o excesso que havia (de moeda estrangeira). Juntou a questão da Irlanda e de outros países com problemas e o fluxo diminuiu.
Valor: O sr. disse recentemente que dispõe de uma arma secreta que ainda não usou para conter a valorização do real. Qual é?
Mantega: Se eu falar, não será mais secreta. Mas não é uma. São várias. O mercado conhece. Não foi usado o swap reverso, não foram dados limites para o capital externo que entra pela Resolução 2689, do dinheiro de não residente.
Valor: No limite o sr. implementaria uma quarentena?
Mantega: Eu não gosto de quarentena. São instrumentos diferentes. Tributação é diferente de você dizer que tem que ficar com o capital parado.
Valor: O sr. falou no incentivo ao financiamento mas não mencionou incentivo às captações de longo prazo. Elas não entram no programa?
Mantega: Essa é a parte que não está definida e explico por quê. O incentivo seria diminuir o imposto de renda. Eu aceito reduzir o IR para captações de longo prazo, hoje de 22% e 15%, desde que que consiga blindar para que sejam de fato captações de longo prazo. Porque aqui no Brasil tudo vira liquidez diária. Essa é a equação para os técnicos resolverem, senão vai ter benefício fiscal de longo prazo para quem está no curto prazo.
Valor: A indústria de fundos ainda é da época da hiperinflação.
Mantega: Exatamente. É essa a modernização que precisa ser feita. Acho que o sistema financeiro está aceitando porque ele também não saiu do curto prazo. Os bancos se queixam que a captação é curta. Estamos tentando criar instrumentos para que ele possa captar no longo prazo. Mas ainda precisa ter taxas diferenciadas.
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