entrevista do economista Bruno Galvão que fala sobre o problema cambial
Monitor Mercantil, 12/11/2010
12/11/2010 - 21:11
Bruno Galvão /Economista
Real forte reduz exportação da indústria nacional em até 97%
O economista Bruno Galvão, doutorando pela UFRJ, considera a questão do câmbio, atualmente, mais grave do que o conservadorismo fiscal. Galvão denuncia a "incrível a perda de participação do Brasil no mercado americano de manufaturas".
Valendo-se de dados do insuspeito U.S. Census Bureau (o IBGE dos Estados Unidos), ele destaca que as exportações de produtos cerâmicos, por exemplo, apresentou uma queda de 97% em apenas 5 anos.
"Com exceção de produtos químicos, que têm uma lógica segundo a qual a taxa de câmbio não influi muito sobre o nível de exportações no curto e até no médio prazo, a queda das exportações de manufaturados do Brasil para os Estados Unidos foi de 61%. O valor passou de US$ 15,7 bilhões, em 2005, para US$ 6,1 bilhões, em 2010, o que é extremamente preocupante", compara o economista, esclarecendo que os dados utilizados por ele referem-se ao período de janeiro a setembro.
Uma outra comparação evidencia que, nesse mesmo período, as exportações de manufaturados, com exceção de químicos, vindos do Vietnã quase duplicaram, atingindo US$ 9,8 bilhões nos nove primeiros meses do ano.
"Há pouquíssimo tempo, o Vietnã era um dos países mais pobres do mundo. Esse pequeno país está seguindo os passos chineses, que combinam uma política industrial agressiva com a manutenção de câmbio desvalorizado. Enquanto, nos últimos cinco anos, a moeda brasileira teve uma valorização nominal superior a 100% e uma valorização real de cerca de 175%, a moeda vietinamita segue desvalorizando", critica o economista, em entrevista exclusiva ao MONITOR MERCANTIL.
Defasagem
Pelos dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), a queda da participação brasileira no mercado mundial de bens industriais também é significativa.
Contudo, Galvão observa que essa trajetória ainda é menos acentuada do que a observada em relação nos dados oficiais do governo dos EUA. De acordo com o economista, há três motivos para tal diferença.
"Primeiro, porque a OMC só divulgará os dados de 2010 em outubro do próximo ano, enquanto o governo dos EUA informa os dados mensalmente, com defasagem aproximada de apenas dois meses. Depois, o mercado dos EUA é o mais competitivo do mundo, constituindo-se no maior mercado para bens industriais. Por essa razão, todos os grandes players competem agressivamente lá. Significa que, provavelmente, o que ocorre nos EUA irá acontecer em outros países", analisa Galvão.
O terceiro motivo apontado pelo economista para a defasagem entre o desempenho do Brasil em relação aos EUA, em comparação aos demais países, são os acordos comerciais com a América Latina, particularmente no Mercosul, que protegem as exportações brasileiras:
"Não sabemos quanto tempo isso pode durar, com um câmbio tão valorizado", alerta.
Ladeira abaixo
Galvão destaca também a queda vertiginosa no setor automobilístico. Enquanto, a participação do país no mercado de automóveis dos EUA é um terço hoje do que era em 2005, graças aos acordos comerciais com nossos vizinhos, o Brasil conseguiu estabilizar o market-share (fatia de mercado) internacional.
No entanto, talvez isso não seja possível em outros setores, como no de confecções. Nesse segmento, as exportações para os EUA são hoje um décimo do que ha cinco anos, as de produtos de cerâmica são apenas um vigésimo, em relação ao mesmo período.
Em produtos industriais de consumo final, a participação do Brasil no mercado norte-americano caiu de quase 1% para 0,33%. Tudo isso em cinco anos apenas.
A mesma queda foi registrada nas exportações de máquinas e material de transporte, destaca o pesquisador
"Este ano, as exportações brasileiras de manufaturas para os EUA foram bem menores do que as realizadas pelo Vietnã. É uma situação que qualquer especialista consideraria impossível há quatro anos", reitera.
Câmbio ameaça desestruturar a cadeia produtiva
Por que a questão cambial é mais grave que a obsessão de determinados setores por intermináveis ajustes fiscais, mesmo o Brasil tendo o menor déficit nominal do G20?
Por que o câmbio pode desestruturar a cadeia produtiva da indústria brasileira como um todo. Os países desenvolvidos já têm patentes, fornecedores que facilitam a inovação e diminuem custos, conhecimento acumulado, inclusive da parte dos trabalhadores. Para competir com eles, o Brasil precisa ter preço competitivo. Sem isso fica difícil para qualquer país que deseja crescer e se projetar no comércio internacional.
O que fazer para resolver o problema do câmbio?
O caminho mais fácil é reduzir os juros, adotar controle de capitais e acumular reservas (a custo mais baixo, se os juros caírem). Mas o principal é baixar juros, porque o próprio crescimento vai gerar déficit comercial e acabará valorizando o dólar. Isso só é possível porque hoje somos credores em dólar.
A recuperação do dólar não irá pressionar a inflação?
Sim, mas se o dólar for para R$ 2,40, por exemplo, teremos um ganho fiscal muito grande, de cerca de R$ 200 bilhões. Se essa folga for usada para melhorar, por exemplo, a infra-estrutura de transportes e reduzir tarifas, ou para subsidiar a cesta básica haverá uma compensação positiva do impacto inflacionário. Podemos também investir em logística e ajudar a reduzir o "custo Brasil". O fato é que estamos diante de uma oportunidade de ouro, sobretudo por causa das reservas de US$ 300 bilhões.
RL
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