Um em cada cinco produtos industriais
consumidos no país ano passado foi importado. A informação é da Confederação Nacional da
Indústria (CNI). Não bastasse o déficit crescente, o setor de autopeças
tornou-se quase totalmente estrangeiro. O nível de investimentos não
acompanha produção de automóveis porque é mais barato importar. Mas o problema não vem de agora, a indústria, em especial de peças e maquinários se acomodou, e não se resume apenas ao câmbio. Contudo, agora o problema tornou contornos assustadores.
Por outro lado, o governo determinou severos cortes
orçamentários sobre programas do Ministério da Ciência e Tecnologia, obrigando a selecionar projetos e "mendigar" junto as estatais. Porém, países líderes do setor de C&T, como EUA, Europa e Japão,
mesmo em crise, têm apostado decididamente nos investimentos em
ciência, tecnologia e inovação, estimulando a busca do conhecimento, o que explica o porque também são tradicionais líderes no setor industrial. Até o ministro do MCT reconhece que, essa é "uma marca de países
que têm tido sucesso e querem continuar a exercer papel de liderança no
mundo". Não abandonam jamais nenhum desses dois lados da moeda. É uma
lição que a gente tem que tirar."
Monitor Mercantil, 19/03/2012
Consumo de eletroeletrônicos importados foi um dos itens que mais cresceu
(Foto: Marcello Casal Jr.) |
DESNACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE INFORMÁTICA CHEGA A 51% E DE PETRÓLEO A 23%
Um em cada cinco produtos industriais
consumidos no país ano passado foi importado. A informação é do estudo
Coeficientes de Abertura Comercial, da Confederação Nacional da
Indústria (CNI).
De acordo com o documento, baseado no
cruzamento de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a participação de bens
importados no consumo doméstico de produtos industriais alcançou nível
recorde em 2011.
O coeficiente de ingresso de produtos importados aumentou dois pontos percentuais, entre 2010 e 2011, alcançando 19,8%.
O maior aumento foi verificado no
setor de informática, eletrônicos e ópticos, que saiu de 45,4% para 51%,
seguido por derivados de petróleo e combustível (de 17,8% para 23,3%); e
máquinas e equipamentos (de 32,5% para 36,8%).
De 23 setores pesquisados, oito
atingiram os níveis máximos da série histórica do coeficiente de
penetração de importações, que começou em 1996.
A maior participação de importação
ocorreu na extração de carvão mineral (87%); seguida pelos setores de
extração de petróleo e gás natural (54,5%); informática, eletrônicos e
ópticos (51%); outros equipamentos de transporte (37,3%); e máquinas e
equipamentos (36,8%).
A pesquisa apurou ainda que as
exportações de produtos industriais cresceram 19,8% em 2011, dois pontos
em relação a 2010. Mesmo com o aumento, a fatia de participação está
abaixo do recorde de 2004, de 22,9%.
"A grande maioria dos setores ainda
apresenta coeficientes inferiores aos níveis máximos alcançados na
década passada, com exceção de extração de carvão mineral e celulose e
papel", destaca a CNI.
Rogério Lessa | Monitor Mercantil | 16/03/2012
"Não bastasse o déficit crescente, o setor de autopeças
tornou-se quase totalmente estrangeiro. O nível de investimentos não
acompanha produção de automóveis porque é mais barato importar". O
comentário é do vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB), José Augusto de Castro, para quem as poucas empresas
brasileiras do ramo que ainda resistem, como a catarinense WEG, só
sobrevivem porque são fornecedores para outros segmentos. "A antiga
Cofap foi vendida para o Grupo Mahle, uma das 30 maiores empresas da
indústria automotiva mundial. O mesmo ocorreu com a Metal Leve, entre
outros diversos exemplos de desnacionalização", acrescenta o vice da
AEB.
Já o Sindicato Nacional da Indústria
de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) divulgou que, em
2011, a balança comercial do setor apresentou déficit de US$ 4,6
bilhões, o que representa alta de 30,9% em relação ao resultado de 2010.
De maneira geral, as exportações avançaram 15,9%, enquanto que as
importações cresceram 20,0%, na comparação com o ano de 2010. Isto
porque, enquanto as exportações atingiram US$ 11,1 bilhões e as
importações, US$ 15,8 bilhões. A média mensal das exportações foi de US$
927,8 milhões e das importações, de US$ 1,3 bilhão.
No entanto, o economista Roberto
Messenberg, do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea),
argumenta que o pior momento da desindustrialização se deu entre 1994 a
1998. "Agora, alguma desvalorização do real seria benéfica, mas não pode
ser exagerada por causa do impacto nos preços", defendendo que, além da
queda na taxa de juros e impulso ao investimento público, o governo
aponte para o setor privado um caminho seguro a seguir.
Por isso, Messenberg avalia que o
governo não irá permitir uma desvalorização abrupta do real, o que
aumenta a importância de outras medidas que reduzam custos e alavanquem
os investimentos. "A redução da taxa básica de juros (Selic) já está
reduzindo o custo das empresas e, consequentemente, o peso desses preços
na inflação", disse, acrescentando que, além de baixar juros, são
necessárias outras medidas, que melhorem o ambiente para o investimento.
"Tais medidas devem partir do setor público, sinalizando para todos os
setores ameaçados pela concorrência externa qual a direção a seguir".
Derrocada
Até o Plano Real, um dos segmentos
econômicos mais pujantes do Brasil era o de peças automotivas. O país
era exportador de autopeças e a Metal Leve possuía fábricas nos Estados
Unidos. Os problemas causados pela paridade real-dólar na fase inicial
do Plano Real não excluem o fato de que, já no governo Lula, o saldo da
balança de autopeças saísse do azul (US$ 607 milhões) para o déficit de
US$ 4,6 bilhões registrados em 2011.
Segundo o professor Geraldo Augusto
Pinto, do Centro de Educação e Letras da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, o setor de autopeças já foi indutor de qualificação da
mão-de-obra no país. Em sua tese de doutorado, ele ressalta que, no
entanto, a partir da década 80, mas, "sobretudo, na década de 90", a
cadeia automotiva brasileira entrou num processo de reestruturação
produtiva.
"Uma das conseqüências desses
processos foi uma severa desnacionalização de grandes empresas de
capital brasileiro, acompanhada por elevação do desemprego e de
significativas mudanças nas condições de trabalho, as quais, por sua
vez, implicaram novas qualificações profissionais e educacionais", diz
Pinto.
Além da paridade cambial, a abertura
comercial ajudou a acelerar tais transformações. Ele acrescenta: "Ao
passo que as montadoras davam passos largos, em muito amparadas pela
abertura econômica, os fornecedores de autopeças, por seu turno, em
especial os fabricantes brasileiros, sofriam severos impactos, pois se a
importação de veículos tendia a diminuir a sua produção no país e, com
isso, baixar a demanda das autopeças, por outro lado, a própria
importação possibilitou às montadoras diminuir sua aquisição de
componentes nacionais."
O setor de autopeças brasileiro foi,
então, submetido a uma avalanche de importações, cerca de 383,5% a mais
somente entre 1989-1996. Com isso, muitas empresas não se mantiveram no
mercado e a falta de resultados das demais induziu à redução de
investimentos, prejudicando a geração de empregos em nível nacional.
"As autopeças são mais intensivas em
trabalho do que as montadoras", explica Pinto, acrescentando que as
aquisições da Metal Leve, da Cofap e da Freios Varga são emblemáticas
deste processo.
"Apesar de grandes para os padrões
nacionais e concentrando os maiores faturamentos do setor, tornaram-se
cada vez menores com relação aos padrões de uma cadeia produtiva
crescentemente internacionalizada, fato que se acentuou na prolongada
recessão dos anos 80 e na crise do início da década de 90", acrescenta o
pesquisador.
Acomodação
O quadro de decadência da indústria
manufatureira não se restringe ao setor de autopeças, destaca o
vice-presidente da AEB. José Augusto de Castro. Ele destaca o estudo
Radiografia do Comércio Exterior Brasileiro: Passado, Presente e Futuro,
da AEB, no qual fica evidente que a disparada dos preços das
commodities, já no período Lula, ajudou a levar o Brasil à uma
"acomodação" com a reprimarização da pauta de exportações.
"No início de 1999, o Brasil adotou o
sistema de câmbio livre, que passou a flutuar conforme as forças do
mercado. E, como primeiro impacto, ocorreu a desvalorização do real,
provocando a elevação do câmbio. Como resultado dessa mudança, o sistema
cambial foi adequado até 2006, mantendo a competitividade das
exportações, sob o aspecto preço", destaca Castro, acrescentando que,
embora o processo de valorização do real tenha começado em 2003, somente
a partir de 2007, os primeiros sinais de problemas nas exportações
começaram a aparecer, "perdurando até os dias atuais, e agravando-se a
cada dia que passa", sublinha.
"Como o valor da taxa de câmbio atual
encontra-se ao redor de R$1,80, constata-se que a defasagem cambial não
representa simples capricho, pois provoca efetiva perda de
competitividade de produtos brasileiros nos mercados externo e
doméstico", prossegue o vice da AEB, acrescentando que o câmbio nominal
que vigorou no segundo semestre de 2010 e no primeiro semestre de 2011
era mais valorização que o praticado em 1999.
"Projetando-se, hipoteticamente, o
repasse de apenas 60% do menor custo inflacionário de 139% do período de
1999 a 2011, correspondente a 83%, e aplicando esse índice sobre a taxa
cambial de R$ 1,2079 vigente em 31 de dezembro de 1998, a taxa de
câmbio que deveria estar vigorando hoje seria de R$ 2,21, apenas e tão
somente para manter patamar equivalente à taxa cambial vigente em 31 de
dezembro de 1998, que à época era considerada defasada".
Bomba de efeito retardado
Assim, o governo hoje busca apoiar
diversos setores com a competitividade ameaçada, como a indústria de
plásticos, também fornecedora do setor automobilístico. Segundo a
Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), o déficit
externo do setor cresceu 37,99%, em 2011, de US$ 1,35 bilhão para US$
1,87 bilhão. Houve queda também na produção (1,5%) na produção, já que
as exportações cresceram 2,63%, de US$ 1,47 bilhão para US$ 1,51 bilhão,
enquanto as importações aumentaram 19,58%, de US$ 2,83 bilhões para US$
3,38 bilhões.
"A bomba que está estourando agora,
atingindo primeiramente a manufatura, resulta de termos insistido muito
tempo na combinação explosiva de câmbio livre com a maior taxa de juros
do mundo. Por isso, o real teve valorização de 74,6% de junho de 2004 a
dezembro de 2011, sem que tivéssemos a mínima possibilidade de melhorar a
nossa produtividade, devido ao brutal aumento de custos", ressalta o
presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast),
José Ricardo Roriz Coelho.
Monitor Mercantil, 16/03/2012
Ministro destaca, porém, que países-líderes não reduzem verbas do setor
Diante do corte de 22% do orçamento
imposto a sua pasta pela política de desviar recursos da economia para
gastar com juros (superávit primário), que retirou R$ 1,48 bilhão dos R$
6,7 bilhões iniciais, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
vai recorrer a parcerias com a Petrobras, e com a Coordenação dos
Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (Coppe/UFRJ).
A informação foi dada pelo ministro
da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp. Raupp admitiu
que a pasta terá contornar "as dificuldades", provocadas pelos cortes
orçamentários determinados pelo governo, recorrendo a parcerias com
instituições ligadas ao setor e priorizando projetos.
As afirmações foram feitas por ele,
após participar da aula inaugural da Coppe/UFRJ: "O ministério pretende
distribuir os cortes de maneira que a gente sofra menos, escolhendo
projetos prioritários e não cortando neles. Em segundo lugar, fazendo
parcerias com Petrobras e Coppe, que teve autorização para financiar o
Projeto Ciência sem Fronteiras" afirmou, ressaltando, porém, que o ideal
seria não sofrer cortes de recursos.
"Conseguindo parcerias a gente vai
superando essas dificuldades, mas evidentemente temos de trabalhar
sempre para não ter cortes", acrescentou.
Em sua palestra, ele destacou que
países com tradição em C&T, como Estados Unidos, Europa e Japão,
mesmo em crise, "têm apostado decididamente nos investimentos em
ciência, tecnologia e inovação", estimulando a busca do conhecimento.
Para ele, essa é "uma marca de países
que têm tido sucesso e querem continuar a exercer papel de liderança no
mundo". Não abandonam jamais nenhum desses dois lados da moeda. É uma
lição que a gente tem que tirar."
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