sexta-feira, 2 de março de 2012

A melhora do serviço de transporte público passa por sua democratização

                                                                                                                              por  Almir Cezar

grandes engarrafamentos e poucos e ruins ônibus
As dificuldades no atual modelo de transporte público prejudicam tanto seus usuários, que estudos recentes mostraram que no Brasil, além de insatisfeitos, houve redução do número de passageiros, que optam até mesmo por andar a pé, levando que vários cartéis do transporte optem por aceitar a organização de seus respectivos sistemas pelo Estado, ou que o Estado ou grandes empresas concedentes operem pelo menos a parcela de massas do transporte local, mas sem resolver a fundo no problema.

Impera a solução de "mercado", eufemismo para legitimação da força dos lobbies das grandes empresas de ônibus na questão do transporte, que impede o planejamento, as soluções integradas e as alternativas mais adequadas ao transporte dos trabalhadores, em destaque o uso de transporte sobre trilhos ou hidroviário.

A organização do sistema é feito em gabinetes da burocracia ou nos corredores dos parlamentos, nunca em plenários de audiências públicas e debate onde estudos documentais tanto estatísticos, teóricos e prospectivos são confrontados. Em geral, os trabalhadores do setor, os usuários e os moradores das comunidades e suas respectivas entidades não são ouvidas, sendo a razão para imperar soluções ineficientes nos transportes. A sua reversão unicamente passa pela resistência aos lobbies e cartéis e pelo controle do sistema pelos  usuários e trabalhadores do transporte.


Apesar do poderoso lobby da construção civil, os governos estaduais e prefeituras evitam desenvolver projetos de transporte sobre trilhos, apostando em duplicação de avenidas, permissão de novas linhas de ônibus e de faixa seletivas ou corredores expressos, ou quando muito implantação de BRTs (Bus Rapid Transport - sistema de integrado de ônibus expressos, semelhantes ao ligeirinho de Curitiba) e sistemas integrados, que consistem em paliativos aos gargalos na questão do transporte urbano.

Proporcionalmente maior até a metade do século XX, o transporte urbano sobre trilhos, relativamente desapareceu na atualidade, com aceleração da urbanização, o Brasil viu perder seus transportes sobre trilhos, bondes e trens suburbanos, em geral em mãos de empresas estatais ou privadas à beira da estatização, para liberação do emprego de linhas de ônibus operadas por empresas privadas de âmbito local. Vimos assim sobre a segunda parte do século XX a pulverização do sistema de transporte em cada cidade, mesmo em áreas metropolitanas, sendo controlado por cartéis locais de empresas.

Nossas ruas acabaram entupidas de linhas de ônibus sobrepostas e o ar poluído pela carburação dos motores à diesel, enquanto que, bairros inteiros sem nenhuma linha ou vítimas de ônibus lotados ou em pouquíssimos horários. Linhas de ônibus eram criadas não por estudo e com licitação de sua concessão, mas por pedido e permissão da empresa ao governo. Passagens, que deveriam ser tarifadas a partir de decisão estudada do Poder Público, ficaram sujeitos a caixa-preta de planilhas, cujos custos são majorados pelas empresas. O direito ao passe-livre à parcela da população que a precisa, ficou sujeita ao beneplácito do conluio das empresas e dos tribunais e parlamentos. E, eventualmente quando um governo local se insurgiu contra as empresas (não discutamos o motivo), tentando a criação por exemplo de empresas públicas, sofriam represálias e a resposta ideológica da não interferência no livre mercado.

Não esqueçamos que em qualquer lugar do mundo, mesmo no Brasil, transporte urbano não é uma atividade sob as regras do livre mercado, come inúmeros benefícios fiscais e legislação protecionista. É ilusória a alternativa de "livre-mercado", onde supõe-se que as empresas agiriam atendendo de maneira ótima a população por meio da concorrência. Ao invés de ônibus com ar-condicionado e demais confortos, vemos como resultado, sobreposição de linhas entupindo ruas e avenidas, a superlotação e falta de ônibus em vários horários, linhas e bairros como por fim a própria falência de empresas.

Outro resultado é a entrada das vans, que reprimidas pelo Estado, instigado pelos empresários de ônibus, acabaram sendo controladas por máfias, à medida que ficaram na ilegalidade. Vimos ainda a paulatina extinção do cargo de trocador/cobrador nos ônibus, o surgimento da dupla função do motorista-trocador, o aparecimento da bilhetagem eletrônica e a limitação do acesso ao passe-livre pela passe eletrônico, com contagem do número de viagem por usuário.

Vimos, quando muito, o aparecimento de poucos metrôs e trens (sub)urbanos, sempre com linhas curtas e superlotadas, quando não associados a privatização e suas tarifas altas, especialmente a partir dos anos 1990. O VLT, modal alternativamente mais adequado às metrópoles médias ou em corredores de transporte de massa de médio porte, quando comparado  ao metrô e ao ônibus - como acontece nos países da Europa e América do Norte - é tratado com desprezo ou usado como marketing eleitoral ou como meio de atrair as grandes construtoras para contribuir em candidaturas. Os modais de massa, em especial sobre trilhos, são modalidades de transporte que necessitam para sua implantação e expansão de grande volume de investimentos. Um Estado em permanente crise de financiamento, obviamente tem dificuldade nisso.

Sua operação cara e complexa, que envolve não apenas o material permanente (a via, os trilhos), mas também o material rodante (o trem, em si), e não-integrada ao conjunto do sistema de transporte da cidade, não permite a captação de receitas em volume necessário para sua operação e manutenção. É mais barato para o Estado a autorização de linhas ônibus e a duplicação de avenidas e construção viadutos. Embora fique com ele as despesas com as obras, o recapeamento periódico do asfalto e da sinalização e os terríveis custos com saúde e seguridade das vítimas dos acidentes de trânsito.

Por sua vez, tal estratégia também legou ao trabalhador o custo dessa opção de modelo de transporte. Em tempo perdido dentro dos ônibus presos ao engarrafamento, ou nos pontos/paradas dos ônibus aguardando ônibus que não passam, especialmente fora do horário de pico. Tendo também que pagar tarifas altíssima, que em muito caso, seu empregador não quer arcar, levando-o a optar por morar em favelas, próximas ao local de trabalho, ou banca do próprio salário, ou andar a pé ou em transportes ilegais. Obrigando alternativamente, quando a renda familiar permite, sacrificando em despesas com consumo e lazer, a aderir ao transporte individual, com seus custos altos em impostos, combustíveis, manutenção, seguros e estacionamentos pagos. E o pior custo, o ambiental, com a poluição do ar e sonora produzida pelos motores a combustão. Fora as despesas com os acidentes de trânsito.

Porém, também surgiram experiência de Curitiba de linhas especiais de ônibus funcionando como um substituto ao metrô, mas também foram surgindo e disseminando-se sistemas integrados ou semi-integrados como o de Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Uberlândia, etc. Os sistemas integrados permitiram pela primeira vez uma abordagem integral e sistêmica do transporte urbano de passageiros.  Permitiram o usuário pagar menor número de tarifas em caso de baldeação, reduzir a sobreposição de linhas e coordenar a circulação dos veículos. São vendidos à opinião pública como solução mais barata, rápida e adequada a realidade brasileira, à medida que implicariam menor aporte de investimentos e traumas na conversão no modelo atual de transporte praticado nas cidades. Mas trouxeram promessas não cumpridas como menor tarifa e fim da superlotação. 

O que de fato ocorreu foi que o planejamento central pôs fim a luta da concorrência entre as empresas. E também na maioria dos casos a unificação ficou restritas as linhas de ônibus, outros modais especialmente sobre trilhos ficaram de fora ou sub-aproveitados, enquanto que, as vans e ciclovias ficaram totalmente esquecidas. Além disso, o que seria natural em um sistema integral não acontece, o excedente financeiro das linhas mais lucrativas não é repassado a operação das linhas deficitárias (com menor número de passageiros) e na implantação de melhorias e de novos modais, principalmente de grande volume de passageiros.

É nesse contexto que, linhas troncais do sistema integral são em geral operados por ônibus articulados, pois não foi tirada das mãos das empresas de ônibus o controle sobre o transporte, apenas colocadas sob tutela do Estado. Assim o que seriam o principal eixo dos sistemas integrais, e deveria ser operado por transportes de massas de grande capacidade, em especial sobre trilhos, tornam-se vítimas de um fator limitante do número de passageiros transportados.

Além disso, as tarifas, número de veículos circulando, horários de circulação, linhas e tipos de modais, tipos de veículos, em resumo tudo ainda são definido nos gabinetes. As pessoas continuam se exprimindo nos veículos, esperando horas nos pontos (e agora nos terminais) e pagando passagens caras. O que temos portanto, são "sistemas integrados" que mais prejudicam os usuários e trabalhadores do que beneficiam. Puseram fim no que pouco haveria de bom na livre concorrência, a competição que forçava as empresas a melhorias para buscar o "consumidor", e não puderam constituir condições a usufruir dos benefícios da unificação do sistema. Além do que proporcionam um processo de estrangulamento muito rápido de sua capacidade e eficiência.

Mais do que um discussão sobre qual matriz ou modal de transporte urbana é o melhor, até porque não estamos fazendo aqui uma elegia de metrôs ou VLTs  (não represento o lobby desse modal, nem desejo sê-lo), passa pelo abandono da lógica empresarial na gestão do transporte e a criação de empresas públicas, mesmo que passe pela desapropriação das atuais operadoras do sistema. O que se deve fazer é uma discussão sobre democratização das políticas sobre transporte, e como essa versão de modal sobre trilhos, apesar de mais adequado nas grandes e médias cidades, não consegue ser implantado, inclusive onde não se justificaria por custos ou por volume de usuários um metrô, sempre em detrimento dos ônibus e do transporte individual.

O principal fator a se resolver é o planejamento central democrático nos sistemas integrais, onde usuários e trabalhadores decidam os rumos e a estrutura dos respectivos sistemas. Complementados por uma unificação geral dos modais de transporte, incorporando o transporte pesado de passageiros, especialmente de trilhos, quando não o implantando. Unificação geral verdadeira incluí mexer a fundo, sem melindres quanto a causar prejuízos ou ferir interesses aos donos das empresas de ônibus.

Assim, o transporte sobre trilhos é uma alternativa dos trabalhadores e usuários de transporte coletivo, e só será implantado de fato, pela ação deles.  As várias promessas de inúmeros e sucessivos governos de implantação pelas cidades sairão do papel, pois não serão abortados por lobbies e interesses ameaçados. A luta pela melhoria e eficiência no transporte público urbano, passando pela defesa da transporte sobre trilhos urbanos, é a luta pela democratização nos transportes públicos e o combate ao oligopólio nos transporte, em especial o cartel das empresas de ônibus.

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