Para ela, isso já era esperado e deve-se não à crise econômica que atinge a Europa, mas a uma política interna que transforma o país “num cassino”, desindustrializa a economia, destina quase a metade do orçamento para pagar dívidas públicas e impede os investimentos tão necessários em serviços públicos como transporte, educação e saúde – além de deixar os servidores sem aumento.
O pior: além de crescer pouco, o país cresceu mal: o aumento do Produto Interno Bruto no ano passado foi concentrado no agronegócio e na produção de commodities demandadas pelo mercado externo, receita que transformou o Brasil no campeão mundial de consumo de agrotóxicos, com inevitáveis consequências para o meio ambiente.
Como recebeu a notícia do baixo crescimento do PIB de 2011? A crise econômica europeia explica esse baixo desempenho?
Já era esperado tal comportamento do PIB brasileiro, tendo em vista o processo de desindustrialização que estamos sofrendo, bem como a ausência de investimentos públicos efetivos, apesar da imensa necessidade por investimentos em todas as áreas, especialmente em transportes públicos, saneamento básico, ciência e tecnologia, estabelecimentos de saúde e educação.
Esse paradoxo decorre da extrema destinação de recursos para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública – que atingiu 44,05% dos recursos do Orçamento da União executado em 2011 – em detrimento da destinação de recursos para todas as demais áreas.Não basta compararmos o percentual de crescimento do PIB, mas temos que questionar em que setor esse crescimento se verificou. No caso do Brasil, esse crescimento se concentrou no agronegócio; setor permeado por grandes empresas transnacionais instaladas em latifúndios cada vez mais extensos, consumindo verdadeiros mananciais de água e toneladas de agrotóxicos, produzindo commodities demandadas pelo mercado externo, principalmente a soja. O crescimento do PIB decorrente dessa atividade não favorece o país, que fica com os danos ambientais decorrentes da contaminação (o Brasil já é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, com riscos incalculáveis para a natureza), o acirramento da concentração de terras e o consumo excessivo de água que falta às famílias de brasileiros. Enquanto isso, o lucro do agronegócio fica para as transnacionais que vendem sua produção ao exterior, onde ficam os elevados lucros, decorrentes especialmente da especulação financeira no mercado de commodities.
A indústria nacional não contribuiu para o crescimento do PIB; pelo contrário, se encontra em franco processo de encolhimento, vítima da enxurrada de produtos importados baratos que inundam o mercado brasileiro, devido à forte valorização do real frente ao dólar. Essa desvalorização tem raízes externas, porém é agravada pela política monetária em prática no Brasil. A própria presidenta Dilma se queixou do tsunami de dólares que está ingressando diariamente no Brasil. Pois é justamente a política monetária que combina a ausência de controle de capitais com o questionável controle da inflação calcado em elevadas taxas de juros e enxugamento da base monetária (mediante a troca de dólares por títulos da dívida pública pelo Banco Central nas operações de mercado aberto) que tornam o Brasil um verdadeiro cassino com drásticas consequências: explosão da dívida pública e comprometimento da indústria nacional. Portanto, não é a crise internacional que está comprometendo o crescimento do país, mas sim a própria política econômica aqui aplicada. Esse modelo precisa ser revisto urgentemente.
Por que os formadores de opinião e agentes do mercado financeiro “comemoram” o corte do orçamento da União? A política de arrocho fiscal e juros elevados beneficia a quem?
Quando o governo anuncia esses cortes recordes nos gastos sociais para garantir recursos ao pagamento dos juros emite contundente sinalização de que continuará com a política atual, mantendo os privilégios para o pagamento da dívida. O setor que lucra com esse modelo é o setor financeiro, que tem elevado seus lucros de forma crescente, enquanto os trabalhadores permanecem na penúria.
A recente CPI da Dívida Pública denunciou que os detentores de quase todos os títulos da dívida pública brasileira estão no setor financeiro. Esse setor não precisa fazer greve, pois detém inúmeros privilégios “legais”, que lhes garante atualização monetária automática generosamente calculada por índice superior à inflação oficial, sobre a qual ainda se multiplicam os altos juros reais, além de benesses tributárias e muitos outros privilégios, garantindo-lhes lucros crescentes.
Apesar do cenário econômico, o governo segue arrecadando mais e gastando menos. Há justificativa para não conceder a reposição salarial do funcionalismo público?
A questão primordial é: gastando menos com quem? Os dados evidenciam que está gastando menos com as áreas sociais, porém gastando cada vez mais com o pagamento de juros e amortizações da dívida. Apesar disso, a dívida não para de crescer. Não há justificativa para negar os reajustes devidos aos funcionários públicos, ou negar melhores reajustes ao salário mínimo ou aos benefícios dos aposentados do regime geral, especialmente porque são justamente esses que arcam com a elevada carga tributária e não recebem o devido retorno em serviços públicos de saúde, educação, segurança, saneamento, transporte, etc. O Brasil é de fato uma potência. Recursos existem, a questão é a opção para sua destinação.
Recursos estão sobrando para o setor financeiro. Ao mesmo tempo, direitos humanos são aviltados, transformando o Brasil em um dos países mais injustos do mundo. As privatizações continuam a todo vapor. [ver “A Privataria do PT”, em www.divida-auditoriacidada.org.br). Os servidores públicos têm sido continuamente prejudicados com a negativa de reajustes salariais, condições de trabalho aviltantes, direitos trabalhistas usurpados, previdência pública sendo privatizada e transformada em fundos de pensão justamente quando estes estão quebrando no mundo todo.
Em recente plenária da categoria, o funcionalismo público federal decidiu intensificar o uso dos dados da Auditoria da Dívida como argumentos políticos que tentam desmentir o discurso oficial quanto aos gastos públicos. O que você diria para os servidores públicos, que iniciam uma campanha salarial pelo fim do congelamento?
Digo que é preciso lutar conjuntamente e perceber que o modelo econômico atual favorece a uma minoria localizada no setor financeiro e grandes transnacionais e prejudica toda a classe trabalhadora; prejudica a sociedade como um todo e ameaça o meio ambiente. É preciso olhar para o resto do mundo, pois essa comparação evidencia o modus operandi desse modelo econômico, bem como o papel que a dívida pública exerce, funcionando como um mecanismo que ao invés de aportar recursos ao Estado, sangra esses recursos e os remete para aquela mesma minoria privilegiada que domina a grande mídia, o sistema político por meio do financiamento de campanhas, e a corrupção – ingrediente intrínseco ao modelo capitalista injusto que produz miséria e exclusão.
Acredito no movimento organizado e consciente. Por isso nos dedicamos, na Auditoria Cidadã da Dívida, ao levantamento de informações e dados úteis para empoderar a classe trabalhadora. Acredito que ao defender conjuntamente todas as pautas dos trabalhadores – do setor público e privado; aposentados, ativos, pensionistas, e também dos desempregados e subempregados – de forma unida, atacando com fortes argumentos o modelo que nos destrói, estaremos criando as bases para uma sociedade mais justa e igualitária. Somos a maioria e devemos nos unir para atuar de forma mais contundente em favor dessa outra realidade que defendemos.
Por Hélcio Duarte Filho e Juliana Silva
Fonte: Sintrajud
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