Legado sob escombros
Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - A se confirmar a suposição de que os prédios da avenida Treze de Maio desabaram por causa de obras ilegais que abalaram a estrutura de um deles, o qual caiu e levou os outros dois, isso deixa nosso tempo muito mal. Tinha de acontecer justamente numa região do Rio marcada por obras pioneiras da engenharia brasileira - uma delas, a simples construção ali de prédios altos.
A Treze de Maio é uma via curta e larga, ligando a Cinelândia ao largo da Carioca. Nos séculos 17 e 18, aquela região, uma sucessão de charcos e lagoas digna de "O Cão dos Baskervilles", foi aterrada pelo desmonte de vários morros. Um desses, o das Mangueiras, onde fica hoje o largo da Lapa, sufocou a lagoa do Boqueirão e permitiu que se inaugurasse, em 1783, o primeiro espaço de lazer do Brasil, o Passeio Público.
Na esquina da Treze de Maio com a rua Evaristo da Veiga, também no século 18, construiu-se o primeiro depósito de água da cidade, abastecido pelo rio Carioca por um aqueduto que descia de Santa Teresa, anterior aos Arcos. E o Manuel de Carvalho que dá nome à ruazinha que a corta, onde ficava o prédio que desabou junto ao anexo do Theatro Municipal, foi um destacado engenheiro do "bota-abaixo" que transformou o Rio, entre 1902 e 1906.
Mais importante ainda foi o Bethencourt da Silva (1831-1911) que dá nome à rua no fim da Treze de Maio: era grande arquiteto, ex-aluno do francês Grandjean de Montigny, urbanizador do bairro de Vila Isabel e fundador do Liceu de Artes e Ofícios. E sem contar que, apenas no século 19, a avenida Treze de Maio, ex-rua do Bobadela e, então, rua da Guarda Velha, era o território de, entre outros, Debret, José Bonifácio e do próprio d. Pedro 1º.
Triste imaginar que tal legado histórico e científico esteja agora sob os escombros de uma engenharia aparentemente irresponsável.
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