O juro da notícia: jornalismo econômico pautado pelo mercado financeiro
Jornal GGN - 13/01/2014 | Márcia Pinheiro
A jornalista Paula Puliti lança, nesta segunda-feira (13), às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (São Paulo), o livro "O juro da notícia: jornalismo econômico pautado pelo mercado financeiro". Nele, a profissional, com larga experiência em informação em tempo real, na Broadcast/Agência Estado, destrincha como se deu o processo de financeirização das pautas econômicas, a partir de meados da década de 1980. O jornalista Luis Nassif é um dos entrevistados. A seguir, os principais trechos da entrevista que Paula concedeu ao Jornal GGN.
Jornal GGN: Como foi sua experiência em tempo real?
Paula: Positiva. Tracei um caminho que poucos haviam traçado e que não se tem noção na escola. Tornei-me ágil e desconfiada do que as fontes falavam. Aprendi um novo tipo de jornalismo - o de não ter medo de escrever.
JG: Você diz, no livro, que desde meados dos anos 1980 a imprensa começou a ser pautada pelo mercado financeiro. Como isso de deu? Qual a origem?
P: A origem foram os grandes conglomerados bancários que se formaram nos Estados Unidos. Desde antes de 1929, já havia grandes bancos. Nos anos 1980 e início de 1990, tivemos uma série de fatos que permitiram aos bancos tomar lugar de destaque no discurso econômico, a saber: o capitalismo venceu a Guerra Fria, Tatcher e Reagan tiveram importantes experiências com o Estado mínimo; prosperaram as escolas de economia; a econometria ganhou status de neutralidade (os números não mentem); muita gente ficou rica da noite para o dia com ações e surgiram os yuppies. Isso tudo junto deu força para que o discurso ortodoxo (como hoje é chamado o neoliberalismo) ganhar a posição de destaque que tem hoje. É difícil encontrar alguém que discorde da ortodoxia. É um discurso vencedor.
JG: Com o advento das agências de notícias em tempo real, a academia e o setor produtivo não se deram conta da necessidade de respostas rápidas?
P: Não se deram conta na época. O perfil da imprensa estava mudando, mas a academia e o setor produtivo demoravam dias para uma entrevista.O capital financeiro prosperava, discurso apolítico e muito crível, baseado em números, muita gente fazendo dinheiro no mercado financeiro (inclusive o setor produtivo), e os bancos aproveitaram a abertura política no Brasil para também fazer dinheiro. Os bancos não falavam na ditadura. Só depois, na abertura, começaram a falar: primeiro da hiperinflação, depois instrumentos financeiros para se proteger dos preços altos, e aí veio a inflação mais baixa (com Fernando Henrique Cardoso). Já não era preciso proteger, mas multiplicar o dinheiro. Houve também uma mudança na imprensa: com a abertura, editores passaram a querer outras fontes que não as do regime, mas de onde vinha o dinheiro. Os jornais, principalmente o Estadão, passaram a reproduzir matérias da Broadcast, um serviço voltado para o mercado exclusivamente. Isso contaminou a imprensa em geral, porque a agência de notícias do Estadão distribuía essas matérias. Também houve a proliferação das assessorias de imprensa para promover esses serviços.
JG: Os bancos contrataram economistas para serem meros porta-vozes para a imprensa imediatista do real time?
P: Economistas e financistas foram contratadaos para fazer análises de papeis, juros, moeda e gerir carteiras - projeções que os bancos vendiam. Surgiram no Brasil os departamentos econômicos. Aquele que falava bem passava por uma espécie de treinamento e atendia os jornalistas do real time.
JG: Com a proliferação de sites e redes sociais, você vê alguma mudança neste perfil do noticiário econômico?
P: Sim. Mudou a forma como se faz jornalismo. Agora, os sites buscam profissionais real time -- não importa o tema. Cada um sai com um tablet e escreve a matéria de onde estiver. Os celulares vão na boca do entrevistado e saí exatamente o que o entrevistado diz - tem de ter cuidado com o que fala. Com as redes sociais, ficam mais fáceis as denúncias, que podem dar origem a boas matérias. Mas também a publicidade, os anúncios. É toda uma forma nova de fazer jornalismo, baseada em consumo tecnológico-empresarial. Eu acho que as fontes, até os bancos, estão perdidos.
JG: Algum caso emblemático desta submissão da imprensa ao mercado?
P: Eu acho que as matérias de projeção são uma submissão. Há anos, os economistas/financistas erram PIB, IPCA e outras variáveis. Mas a imprensa sempre fazia essas matérias com gente de banco e consultorias econômicas. Isso só serve para um saber o que o outro pensa. Não vale para o leitor comum. Também havia matérias que demonizavam o aumento do emprego - vinham muitas das agências internacionais - por causa da inflação. Ora, só interessavam ao mercado financeiro. Hoje, a academia e o setor produtivo aparecem mais na mídia. Aprenderam com os bancos.
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