Diogo Rivera, Léon Trostky e André Breton |
WILSON H. SILVA da redação do Opinião Socialista
• Hoje em dia, não é raro que, em uma conversa, alguém se utilize do termo “surreal” para se referir a algo completamente absurdo, despropositado ou completamente sem sentido. Contudo e lamentavelmente, o verdadeiro absurdo é a associação destes significados tanto ao movimento quanto às intenções, estéticas e políticas, que estiveram origem do Surrealismo, em meados dos anos 1920.
E, para se corrigir este “erro”, nada melhor do que conhecermos um pouco melhor a vida de um dos seus principais articuladores, o francês André Breton, que faleceu a 45 anos, no dia 28 de setembro de 1966.
O desejo de recriar o ser humano
Em uma biografia sobre o artista (“Breton: a transparência do sonho”), o jornalista e historiador José Geraldo Couto sintetizou de forma bastante precisa o que poderíamos chamar de “projeto” Surrealista.
O movimento foi “antes de tudo, um chamado à ação”. Couto lembra que não havia nada de “absurdo” nesta história. Muito pelo contrário. Por mais que as armas escolhidas tenham sido o humor, a irreverência, o escândalo e o mergulho no universo do fantástico, suas motivações eram pra lá de sérias: “Transformar o mundo, mudar a vida. Despertar pela poesia e pela revolta os sentidos humanos soterrados por séculos de civilização. Fazer o desejo triunfar sobre o bom senso, destruir de um só golpe Deus, pátria e família. E recriar o homem”.
O fato de um jovem como Breton ter ajudado a formular um projeto como este é fruto do mundo em que ele viveu. Nascido em fevereiro de 1896, Breton foi testemunho de uma das mais profundas crises já vivenciadas pela humanidade.
No início do século 20, o mundo havia naufragado num mar de contradições. Revolução Industrial e Imperialismo caminhavam lado a lado; símbolos de modernidade (como o carro, o avião, o cinema) impressionavam a todos, mas não impediam que se visse que a miséria e a exploração promoviam a degradação humana em todo o mundo.
Nas artes e na cultura, padrões burgueses ditavam as regras e aprisionavam a sensibilidade humana, cada vez mais, ao gosto pela “ordem”, à padronização e à mediocridade impostas pela crescente cultura de massas e pelos critérios definidos pelo mercado.
Enquanto isto, novas ciências e concepções de mundo (da Psicanálise de Sigmund Freud ao marxismo-leninismo dos bolcheviques) sacudiam as “certezas” e os “dogmas” da sociedade burguesa e propunham novas abordagens, tanto para o mundo quanto para o próprio ser humano. Estas contradições explodiram no pesadelo da Primeira Guerra Mundial.
As loucuras e os absurdos do Capital
Filho de uma família abastada, Breton estudou medicina e, durante a guerra, foi deslocado para um hospital psiquiátrico onde chegou à conclusão de que os chamados “loucos” que ali estavam nada mais eram do que vítimas dos desequilíbrios ao seu redor. Gente cujo comportamento “anormal” deveria ser entendido mais como uma insubmissão à lógica enlouquecida do mundo burguês do que como uma simples patologia.
Breton não foi o único a desenvolver esta percepção. Nas artes, movimentos como o Cubismo, o Dadaísmo, o Futurismo e o Expressionismo, cada qual ao seu modo, também significaram tentativas de “refazer” o mundo, de buscar novos sentidos para a humanidade ou de simplesmente “forçar” o ser humano a olhar para o mundo (e representá-lo) sob novos ângulos e perspectivas.
Mergulhar no inconsciente para refazer a realidade
Breton foi profundamente influenciado pela obra de Freud, que havia formulado a idéia de que os desejos mais profundos e significativos do ser humano encontram-se mergulhados naquilo que ele chamou de “inconsciente”. Juntamente como outros artistas, Breton emprestou do poeta Apollinaire o termo “surrealismo” para designar sua nova proposta artística.
Significando, literalmente, “aquilo que está para além, ou sobre, a realidade”, o movimento tinha um propósito bastante claro: produzir um tipo de arte que permitisse ao artista e ao público um “acesso direto”, sem nenhum tipo de censura, a esta camada mais profunda de nossa mente. O objetivo seria captar o funcionamento real do pensamento, tido como um passo fundamental para a destruição da “lógica” e da “racionalidade” burguesas e, consequentemente, para a construção de uma nova mentalidade, libertária e libertadora.
Segundo Breton, “surrealidade” – ao contrário de uma realidade “absurda” – significava a “realidade absoluta”, onde real e imaginário se fundem; onde o passado e o futuro se encontram e onde o sublime o grotesco sejam vistos como partes de um mesmo processo.
Os caminhos para tal projeto, evidentemente, não eram simples. No decorrer dos anos, Breton e seus companheiros utilizaram-se, para compor seus poemas, imagens, romances, fotos e filmes, das técnicas e experimentações das mais variadas, a começar pela “escrita automática” (tentativa de transpor para o papel ou para a tela as primeiras idéias que viessem à mente, sem questionamento, censura ou tentativa de ordenamento).
Para se chegar a este estágio, os métodos também eram vários: da abstinência de sono à hipnose; da ingestão de substâncias alucinógenas à exploração do acaso; da livre associação de idéias ao relato e transcrição dos sonhos. Tudo isto com um único objetivo em relação ao mundo “real” que os cercava: a revolta absoluta, a insubmissão total e a sabotagem de toda e qualquer regra imposta pelo sistema.
Em graus e formas diferentes, estas foram técnicas e perspectivas, amplamente debatidas pelo movimento, que impulsionaram as obras geniais de fotógrafos como Man Ray, cineastas como Luis Buñuel, pintores como Miró, Frida Kahlo e tantos outros artistas geniais.
Trotsky e Breton: arte e revolução
Breton foi um artista-militante. Militou no Partido Comunista e com ele rompeu quando o stalinismo formulou a política de Frente Popular, na França e traiu a Guerra Civil Espanhola. Empenhou-se de “corpo e alma” na luta contra o nazifascismo. Nos anos 1950, diante da Guerra da Indochina, lançou a palavra de ordem “Liberdade é uma palavra vietnamita” e protestou contra a repressão soviética à Revolução Húngara. Como também se colocou a serviço da revolução argelina contra o império francês.
Ciente da impossibilidade de separação do fazer artístico da vida política comprou brigas com amigos artistas que vacilaram diante disto. A mais famosa foi com Salvador Dali, expulso publicamente do movimento depois de seu apoio à ditadura de Franco.
Mas o maior feito de Breton nesta área foi sua aproximação do revolucionário russo León Trotsky, com quem o artista formulou, em 1938 (quando Trotsky encontrava-se exilado no México), o manifesto da Federação Internacional por uma Arte Independente e Revolucionária, a Fiari, cujos propósitos podem ser sintetizados em suas últimas linhas: “O que queremos: a independência da arte, para a revolução; a revolução para a libertação definitiva da arte”.
Marco da luta pra recolocar a Arte no seu “devido lugar”, ou seja, longe das garras da burguesia e como ferramenta da verdadeira emancipação do ser humano, o Manifesto da Fiari (cuja íntegra pode ser encontrada no site do PSTU) foi mais uma das tentativas do incansável Breton para transformar em realidade o “verdadeiro” sonho que sempre alimentou o Surrealismo: que a Arte, quando realmente livre e independente, é uma poderosa e importante arma na luta pela liberdade.
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