‘O ajuste leva ao estancamento’. Entrevista com Joseph Stiglitz
O economista Joseph Stiglitz foi a estrela e a ovelha negra da Conferência de Prêmios Nobel na Ilha de Lindau, ao sul da Alemanha, que terminou no sábado. O professor da Universidade de Columbia faz parte de um reduzido grupo entre os 17 condecorados que participaram do encontro, que não reclamam publicamente medidas de austeridade, mas maiores estímulos fiscais para enfrentar a crise e reduzir o desemprego.
Enquanto os jovens economistas e jornalistas o rodeiam em cada oportunidade, seus pares o olham com receio. As declarações que faz sobre o fracasso e a incapacidade das ideias econômicas dominantes para compreender e oferecer uma ruptura à crise se chocam com a visão que os outros Nobel possuem. Estes especialistas consideram que o marco teórico não teve nenhuma responsabilidade, posição compartilhada por muitos dos 373 economistas de todo o mundo que fazem parte do evento e discordam das críticas de Stiglitz.
Depois de várias tentativas interrompidas poucos minutos antes de começar, o ganhador do Prêmio em 2001 concedeu uma entrevista ao Página/12 durante uma caminhada do centro de conferências até a ópera da ilha, onde devia participar de uma reunião a portas fechadas. Ao longo do trajeto, o economista destacou o desempenho dos “países emergentes” e assinalou que a Argentina deve aprofundar a industrialização, já que “as commodities não são suficientes para o desenvolvimento”, assim como fortalecer o mercado interno. Antes de terminar a reportagem, perguntou: “Parece que vai ser reeleita, não?”, em referência a Cristina Fernández de Kirchner. E depois adiantou que “ainda não está confirmado, mas me parece que vou retornar à Argentina em dezembro”.
A entrevista é de Tomás Lukin e está publicada no jornal argentino Página/12, 28-08-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Por que considera os planos de ajuste fiscal errados?
Essas políticas levam ao estancamento; são necessários mais planos de estímulo fiscal para recuperar o crescimento e alcançar níveis menores de desemprego nos Estados Unidos e na Europa. A política monetária hoje não é efetiva. Os primeiros pacotes de estímulo fiscal, em 2008, funcionaram bem. Do contrário, o desemprego teria sido muito maior. Ao mesmo tempo, essa expansão gerou importantes déficits orçamentários. A melhor forma para enfrentar esses déficits é com maior gasto, a austeridade vai na direção contrária. É uma visão equivocada, é a mesma receita que o FMI aplicou na Argentina. Sabemos o que acontece: a economia se desacelera, depois entra em recessão e finalmente termina com uma depressão. Sem crescimento não é possível sair da crise. Quanto mais demorara o resultado político maiores serão a instabilidade e os custos.
Os argumentos contra os estímulos fiscais sustentam que essas medidas aprofundarão ainda mais os déficits.
O problema não são os déficits orçamentários, nem sequer a recessão; o problema é o déficit de emprego que há. Atualmente, nos Estados Unidos temos 14 milhões de desempregados, mas na realidade são 25 milhões as pessoas que não podem conseguir um emprego de tempo completo. Esta situação só vai piorar com os planos de austeridade. A melhor forma de enfrentar a crise é criar postos de trabalho. A teoria econômica tradicional fracassou. Há um princípio muito simples chamado “multiplicador orçamentário”: caso se arrecadar impostos e gastar o dinheiro de forma balanceada de tal forma que o déficit não cresça, a economia crescerá. No médio prazo, essa política tende a reduzir o déficit e assegura a sustentabilidade da economia porque o PIB crescerá e a dívida e o déficit serão menores em termos relativos. Caso se desenhar bem o multiplicador, o estímulo fiscal pode ser muito grande. Nesse sentido, nos Estados Unidos se pode cobrar impostos do 1% mais rico que concentra 25% do ingresso e gastar o dinheiro em investimentos que garantem maior crescimento. Essa dinâmica é uma forma de resolver este dilema.
A crise estrutural na Europa desencadeará a desintegração da união monetária?
Será preciso mais dinheiro para que o euro funcione, assim como também será preciso mais dinheiro para que deixe de fazê-lo. De uma forma ou de outra, a Alemanha vai perder muito dinheiro. Há vida após o default e após abandonar um sistema de câmbio fixo. Na Argentina, o fim da paridade cambiária e o default tiveram um alto custo. Depois de um período de queda, a Argentina começou a crescer muito rapidamente, inclusive na ausência do que muita gente considera as “melhores” práticas econômicas, com boas políticas, mas não perfeitas. Eu creio que é muito difícil voltar a juntar um ovo quebrado, me parece que o euro é uma iniciativa muito boa. Por isso, não creio que seja necessário que nenhum país abandone o euro. Como disse antes, é necessário impulsionar planos de estímulo. Para isso se pode injetar mais recursos no Fundo de Estabilidade Financeira Europeia para fazer frente aos problemas da região. Também é possível emitir eurobônus.
O aprofundamento da crise nos Estados Unidos e na Europa atingirá os países em desenvolvimento?
Em 2010, o crescimento global foi bom. Até agora, os países emergentes foram bem, essa é uma grande notícia. Muitos se recuperaram com força, como a China e o Brasil. Mas se a recessão se aprofundar nos Estados Unidos e na Europa, as economias emergentes terão dificuldades. Creio que vão poder enfrentar uma queda nas exportações, mas é necessário que fortaleçam a demanda interna. Embora uma diminuição do crescimento chinês pressionasse os preços das commodities para baixo e isso atingiria a Argentina, considero que a China vai poder driblar a crise e manter assim os níveis de demanda destes produtos.
O bom desempenho das economias como a argentina responde somente às exportações de bens primários e aos elevados preços internacionais?
Não, essa situação vai beneficiar a América Latina e outros países dependentes das exportações de commodities. Mas essas exportações não são suficientes para garantir o crescimento sustentável e a redução do desemprego. Os países da região como a Argentina têm que diversificar suas estruturas produtivas, investir em setores de alta tecnologia. É um processo demorado. Os países como a Argentina, Brasil e China implantaram políticas macroeconômicas muito boas. Compreenderam a importância de um estímulo keynesiano bem desenhado para escorar a economia e garantir que o desemprego não se alastre. Há um conjunto de aspectos que permitem que os países emergentes não se vejam diretamente afetados pela crise. Por exemplo, as regulações bancárias em muitos países são muito melhores, de melhor qualidade, que as dos Estados Unidos e da Europa. Em alguns casos isso se deveu ao fato de que os países já haviam atravessado grandes crises. A Argentina fez as coisas muito bem nos últimos anos para garantir um forte crescimento a taxas muito altas e controlar a inflação.
A inflação é um problema para as economias emergentes?
A Argentina enfrenta, como muitos países emergentes, o desafio de controlar a inflação em um mundo em recessão. É um tempo muito difícil para levar adiante essa tarefa porque se experimentam choques negativos de demanda e choques inflacionários externos. Não há uma forma simples para atravessar ambos os desafios. O foco excessivo dos bancos centrais em controlar a inflação é um erro, mas também é um erro ignorar o fenômeno. A estabilidade financeira, o crescimento e o emprego também têm que fazer parte de seus objetivos. A baixa inflação não garante o crescimento sustentado. Na Europa, a preocupação do Banco Central com os aumentos de preços é um dos fatores que debilita a economia. Por sua vez, o Brasil conseguiu crescer, mas seu excessivo enfoque na inflação deu como resultado taxas de juros muitos elevadas, entre as mais altas do mundo.
O que quer dizer quando afirma que a teoria econômica tradicional fracassou?
Os modelos utilizados pelos bancos centrais, economistas, os banqueiros, criaram um marco de política que esteve no epicentro da crise. Diziam que não era necessária a regulação, que os mercados eram eficientes por sua conta ou que a baixa inflação era suficiente para garantir um caminho de crescimento. A macroeconomia não se auto-regula e não leva ao pleno emprego. O problema não é a simplificação à qual os modelos recorrem, a questão é que estes modelos dizem que a crise não podia acontecer. Se os modelos não contemplam os bancos então não existe o crédito. Como é possível pensar em estratégias para impulsioná-lo? Em matéria laboral, a teoria assinalava que um dos problemas era a rigidez no mercado de trabalho. Mas os países onde hoje se aprofunda o problema do desemprego são aqueles que mais desregularam esse mercado. Ao contrário, onde essas políticas não foram aplicadas o desemprego é menor. Um dos principais problemas em nossa sociedade é a crescente desigualdade, essa situação diminui a demanda agregada e a brecha que se gerou foi coberta por uma bolha bancária de consumo artificial que impulsionou a instabilidade. A agenda da economia ignorou isto e acreditava que a alcançava com aumentos de produtividade. Os modelos dominantes tradicionais não se faziam as perguntas adequadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário