quarta-feira, 12 de maio de 2010

UE e FMI dão um "presente de grego" aos trabalhadores da Grécia

Mesmo setores da mídia burguesa consideram explosivo o "salvamento" da Grécia orquestrada pela União Européia e FMI. Após o estouro da crise financeira em 2008 que obrigou o socorro do sistema bancário pelos governos e a ampliação do gasto público o problema agora não é mais com as dívidas privadas mas com as dívidas públicas, especialmente na periferia industrial da UE (Grécia, Portugal, Islândia, Irlanda, o chamado PIIGs), como também em países intermediário como Inglaterra, Itália, e principalmente Espanha.

A questão é que o socorro trilhonário ao governo grego (o maior da história) vem junto de arrocho salarial e cortes brutais nos gastos públicos, remédio amargo, que não prejudica quem não teve nada a ver com a crise (a culpa foi dos banqueiros), e para piorar não evita que no futuro o problema persista, ou pior, volte mais forte, à medida que, por um lado, empurra o país para recessão, derrubando ainda mais a arrecadação fiscal e a poupança interna, e por outro, para convulsão social, em vista que a carga é brutal sobre trabalhadores e aposentados.

Presente de grego

Para evitar que a Grécia quebre, a União Europeia e o FMI receitam arrocho salarial e redução nos gastos públicos. Mas os gregos não aceitam pacificamente


Adriana Nicacio, Isto É (09 de maio de 2010)

Sem condições de pagar as dívidas bilionárias em euro que começam a vencer este mês, a Grécia foi obrigada a aceitar o mesmo remédio amargo já experimentado pelos países em desenvolvimento. A velha receita ortodoxa, que leva sofrimento aos mais pobres e aos aposentados, com redução de salários, aumento de impostos e de juros, foi prescrita sem dó por quem teme uma contaminação de si próprio: a União Europeia (UE).

Só que a UE foi ainda mais exigente que o FMI. A Grécia terá que pagar à Europa juros bem acima daqueles cobrados pelo FMI e sentirá na pele, pela próxima década, o significado da expressão presente de grego. Entre a cruz e a espada, o primeiro-ministro da Grécia, o socialista George Papandreou, pediu ao Congresso que aprovasse o acordo com o FMI e a Europa e sentenciou: A situação é simples: votamos e implementamos o acordo ou condenamos o país à falência. Dos 110 bilhões de euros que serão emprestados à Grécia para tentar evitar a bancarrota geral, 80 bilhões de euros sairão dos cofres europeus. Países como Portugal e Espanha, que mal sabem como vão sanar suas próprias dívidas, também terão de contribuir.

Pouco mais da metade dos parlamentares aprovou as novas regras, na quinta-feira 6. O plano inclui o congelamento de salários até 2013, o fim do 13º e do 14º salários para os servidores públicos e pensionistas e o aumento da idade mínima de aposentadoria para 60 anos. O imposto mais alto do país será elevado de 2% para 23% e o intermediário, de 1% para 11%. Como já era esperado, a população grega não aceitou pacificamente o plano de resgate da sua economia. Nos últimos dias, em meio a uma greve geral, foi desencadeada uma sequência de manifestações violentas. O saldo foi negativo. Três pessoas morreram e prédios públicos e bancos foram depredados. Há outras coisas que eles (o governo) podem fazer antes de optar por tirar dinheiro de pensionistas, disse Spyros Papaspyros, líder do Adedy, sindicato dos servidores públicos do país. O coordenador do Programa de Estudos Europeus da UFRJ, Franklin Trein, avalia que a Europa poderia ajudar de outras maneiras: Uma delas é o redirecionamento de parte dos recursos gastos com armamentos.

Os gregos não sabem por que estão sendo chamados a pagar com sacrifício essa conta. Mas é fato que, nos anos pré-crise, a Grécia aproveitou de maneira equivocada a abundância de capital e juros baixos. Com a crise, os investimentos estrangeiros evaporaram e as contas públicas derreteram. Hoje, a dívida pública da Grécia é de 113% do PIB. Ou seja, se usarem tudo o que produzirem em um ano para pagarem a dívida continuarão no vermelho. Em outra época, esse seria um problema apenas dos gregos, que é apenas a 34ª economia do mundo. Mas se decretar moratória, em razão da manipulação de estatísticas fiscais pelo governo, a Grécia pode arrastar para o buraco todos os seus vizinhos. O risco é considerado maior no momento em que os países tentam superar a crise e temem o que chamam de W quando batem no fundo do poço, se recuperam e caem novamente. Na semana passada, o euro caiu ao menor patamar em 12 meses ao valer US$ 1,2936 e levou as bolsas de todo o mundo com ele. Temos que ter sucesso na Grécia para evitar o contágio, alerta o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn. Diante do pedido ao resistente Congresso alemão para que aprovasse a ajuda, a presidente da Alemanha, Angela Merkel, desabafou: Estamos numa encruzilhada. O governo germânico deve emprestar 22 bilhões de euros à Grécia.

Para piorar, as agências de risco colocaram sob suspeição não só a Grécia como os outros países que chamam de PIIGs (Portugal, Itália, Irlanda e Espanha). Com mais riscos estão Portugal, Irlanda e Espanha. A questão não são as dívidas do setor privado, mas as obrigações do setor público. Os déficits fiscais são enormes e estruturais, diz o respeitado economista Nouriel Roubini, chairman da Roubini Global Economics. O fato é que ninguém consegue prever o que acontecerá se esses países quebrarem. Por enquanto, quem está pagando a conta para que isso não aconteça são apenas os gregos. Mas se o remédio amargo não surtir efeito, o débito será rateado por todos os europeus. Para o diretor-executivo do FMI pelo Brasil e oitos países, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., que faz questão de dizer que fala apenas por si, o Brasil tem que tirar lições da crise grega. Segundo ele, as contas públicas devem estar sob controle e os déficits só são permitidos em momentos de recessão. Além disso, é preciso manter reservas internacionais elevadas e preservar a competitividade internacional. A crise desnudou fragilidades e inconsistências do projeto europeu. Mas é mais provável que o euro sobreviva a esse teste, diz Batista Jr. Ou seja, a crise é grave, mas não dá para apostar na desvalorização permanente do euro.

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