quinta-feira, 8 de julho de 2010

Superexploração diária do operariado garante competitividade chinesa

A construção da China como superpotência econômica após a restauração capitalista, iniciada a partir da década 1980, é feita diária e cotidianamente em base a superexploração de sua classe operária a serviço do capital internacional. Essa situação acabou agravada diante da crise mundial de 2008, que condicionou as grandes transnacionais européias, norte-americanas e japonesas a recorrer a suas filiais e joint-ventures chinesas para compensar suas severas quedas nas taxas de lucros nas economias das respectivas sedes.

Isso traz efeitos maléficos não apenas sobre a distribuição interna de riqueza (uma poderosíssima burguesia nacional chinesa superexploradora de uma gigantesca massa operária miserável), mas sobre a saúde de seu trabalhador, inclusive mental (vide recentes episódios de epidemia de suicídios em fábricas). Tudo infelizmente sobre o beneplácito do Partido (ex)Comunista da China em nome da "competitividade". Essa triste sina será o rumo do Brasil, caso queira seguir exemplo ou concorrer de igual.



Uma noite na fábrica de eletrônicos chinesa

Foxconn busca tirar o máximo de seus trabalhadores e fazer disso seu instrumento de competitividade

06 de julho de 2010 |  David Barboza - O Estado de S.Paulo

No interior de uma das maiores fábricas de produtos eletrônicos da China, Yuan Yandong, 24 anos, fica sentado num banquinho seis noites por semana, 12 horas por noite, tirando refeição e idas ao banheiro, e monta discos rígidos de computador para uma empresa americana.

Até um mês atrás, ele vivia no norte da China, onde cresceu numa fazenda e trabalhou num hotel local. Este ano, porém, viajou 36 horas de trem para a Província de Guangdong no sudeste do país para procurar trabalho em Shenzhen. "Os amigos em minha cidade natal disseram que os salários na Foxconn eram bons."

Uma série de suicídios intrigantes na Foxconn e greves trabalhistas em fábricas de autopeças da Honda no sul da China colocaram na berlinda a situação do trabalho no interior das trepidantes fábricas chinesas.

Analistas dizem que a pressão salarial crescente e as reivindicações por melhores condições de trabalho estão ameaçando a vantagem competitiva da China e suscitando questões sobre seu modelo industrial poder continuar despejando boa parte dos brinquedos, têxteis e eletrônicos a preços irrisórios que o mundo consome. Para isso, a China precisará que legiões de migrantes como Yuan continuem fazendo a viagem das aldeias para os centros manufatureiros Como é a vida de um dente de engrenagem no modelo fabril com trabalho intensivo da China?

19h30. Começa o turno de Yuan. Sua tarefa é ajudar a completar 1.600 discos rígidos - sua cota diária - e assegurar que cada um esteja perfeito. Sentado no meio da linha de montagem com sua camisa esporte Foxconn preta, calça de algodão e chinelos de plástico brancos exigidos pela empresa, ele espera a esteira transportadora entregar um disco rígido retangular parcialmente montado em sua estação de trabalho. Ele coloca dois chips de plástico no interior da caixa do disco, insere um dispositivo que redireciona luz no disco e depois aperta quatro parafusos com uma chave de fenda elétrica antes de devolver o disco à esteira. Ele tem exatamente um minuto para completar as múltiplas etapas de sua tarefa.

22h30. Tempo para refeição subsidiada na cantina. Esta noite, arroz e ovo frito com tomate e berinjela, bem dentro da tolerância de US$ 0,65 pela refeição. Depois, uma pequena caminhada.

23h30. De volta à linha de produção. A Foxconn, pertencente ao Hon Hai Group de Taiwan, é uma das maiores fabricantes por contrato do mundo - construindo e montando para marcas de ponta como Apple, Dell e HP.
Luo Jar Der, um professor de sociologia da Universidade Tsinghua em Pequim , diz que os fabricantes contratados como a Foxconn tomaram emprestadas técnicas dos EUA e do Japão. "A Foxconn tem 500 pessoas que analisam cada ação que o trabalhador realiza", disse Luo. "Eles querem descobrir as ações mais eficientes de um trabalhador." Luo diz que os trabalhadores são tratados como máquinas em algumas fábricas. Essa é a maravilha do boom manufatureiro de baixo custo da China.

Fábricas são conhecidas por substituírem trabalhadores por máquinas que automatizam o processo, mas, na China, fábricas com frequência invertem a tendência e substituem máquinas caras por trabalhadores como Yuan - mais lentos, mas que não exigem grande investimento prévio de capital.

5h30. Após uma segunda parada para comer às 4h 30, Yuan começa seu turno de horas extras. Curiosamente, ele diz que não conhece uma lei que limita as horas extras a 36 horas mensais. Ele frequentemente trabalha mais que o dobro disso. Yuan ganha cerca de US$ 0,75 por hora. Com as horas extras, leva para casa US$ 235 por mês.

8 horas. Yuan retorna ao apartamento que divide com a namorada, que trabalha numa fábrica menor. Ele geralmente lê um livro ou assiste TV.

Por quanto tempo a China poderá ser a fábrica do mundo? Poucos países podem se equiparar em disponibilidade de mão de obra, cadeia de suprimento ou vontade de trabalhar. Mas fábricas como a Foxconn têm um alto índice de rotatividade. Uma nova geração poderá se cansar da monotonia. Yuan, por exemplo, diz que não pretende ser um trabalhador fabril por muito tempo. Ele gostaria de abrir o próprio negócio. Isso poderá ser mais viável quando entrar o aumento de 33% que a Foxconn concedeu recentemente a seus trabalhadores. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

Repercussão mundial

Este ano, nove empregdos se mataram na Foxconn. O caso teve repercussão porque ali são fabricadas partes do iPads e iPhones da Apple. Os empregados receberam 30% de aumento.

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