Esse é um dos exemplos de que não houve melhorias estruturais na vida dos trabalhadores brasileiros apesar do desenvolvimento econômico do último período, e que esse mesmo desenvolvimento reproduz o que sempre pautou a dependência econômica e o subdesenvolvimento, entre outras coisas a não superação da questão da reforma agrária e o padrão de alta concentração na malha fundiária. Persiste assim um dos itens do grande problema nacional a manutenção de agricultura baseada no latifúndio monocultor exportador e de uma ordem patrimonial e fundiária extremamente desigual.
Governo Lula desapropriou apenas 8% das terras destinadas à reforma agrária
Evandro Éboli, O GLOBO 05/07/2010
BRASÍLIA - Dos 46 milhões de hectares destinados ao programa de reforma agrária no governo Lula, entre 2003 a 2009, apenas 8,2% (3,8 milhões) foram obtidos pelo critério da desapropriação, considerados improdutivos. Outros 393 mil hectares foram comprados e 42 milhões são terras públicas destinadas ao programa. O baixíssimo volume de áreas adquiridas via desapropriação consta na ação que o Ministério Público Federal propôs contra o governo na Justiça Federal. Na ação, os procuradores cobram a revisão dos critérios de produtividades das áreas privadas para ampliar o número de terras destinadas à reforma agrária.
Promessa de campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, a revisão do chamado índice de produtividade rural - critério para se desapropriar terras para a reforma agrária - ainda não saiu do papel. Os procuradores recorreram à Justiça para que se esses índices, fixados na década de 70, sejam atualizados e aplicados pelos fiscais do Incra no momento da vistoria das fazendas. Durante estes oitos anos de governo Lula, um racha entre os ministérios do Desenvolvimento Agrário e o da Agricultura impediu acordo e que fosse publicada portaria mudando as exigências para se considerar um imóvel produtivo.
Um estudo encomendado pelo Ministério Público concluiu que a atualização desses índices irá aumentar a disponibilidade de terras passíveis de desapropriação para reforma agrária e também pode reduzir a violência no campo. A resistência às alterações ocorre na pasta da Agricultura, contrária a essa revisão, atendendo à pressão do setor ruralista. Aliado dos movimentos sociais, o Ministério do Desenvolvimento Agrário é autor da minuta da portaria enviada ao presidente Lula. Mas, para ser publicada no Diário Oficial e entrar em vigência, a portaria depende da anuência do Ministério da Agricultura, o que não ocorreu até agora.
Na ação, os procuradores Álvaro Manzano e Luciana Oliveira argumentam que a pasta da Agricultura sempre colocou dificuldades para a atualização desses índices. Segundo o Ministério Público, essa demora atrasa o processo da reforma agrária, principalmente nas áreas onde, de acordo com os índices vigentes, não há mais imóveis improdutivos. "A atualização desses índices neste momento, mais do que urgente, visa a minimizar injustiças na avaliação da produtividade de grandes imóveis rurais", afirmam os procuradores.
O índice de produtividade verifica o rendimento dos produtos agrícolas por hectare, levando em conta as condições de cada região. No caso de vários produtos, por conta da demora do governo, até mesmo os índices novos já estão superados. Um exemplo: para ser considerada produtiva, uma fazenda de soja em Sorriso (MT), maior produtor do Brasil, precisa render 1.200 quilos por hectare/ano. O índice proposto dobra para 2.400 quilos.
Mas, hoje, a produção de soja na cidade ultrapassa esse valor e atinge a 3 mil quilos por hectare num ano.O índice também verifica a Unidade Animal por Hectare. Em Alta Floresta (MT), para ser considerado produtivo, o fazendeiro tem que ter o equivalente a 0,46 de um boi por um hectare. É metade de um animal. O novo índice ampliou para apenas 0,95.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirmou que, com esses critérios, considerados por ele defasados, os fiscais do Incra saem para inspeções e praticamente não conseguem desapropriar terra alguma.
- Quem tem medo do índice de produtividade? Quem pode ser contra? O setor conservador, os ruralistas, que têm dificuldade de aceitar os novos índices. Sou um otimista patológico e espero que seja publicada a portaria. Mas não sei se vai ser - disse Cassel.
O ministro afirmou que as equipes de vistoria do Incra não encontram terras improdutivas.
- Como está, até terra abandonada é produtiva.
Ex-ministro da Agricultura de Lula até abril deste ano, o deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR), que sempre se opôs a Cassel nesse assunto, diz não ser necessário atualizar índices.
Stephanes afirmou que a ação do Ministério Público é coisa de uma "minoria organizada", formada pelo Ministério Público, MST e Ministério do Desenvolvimento Agrário.
- O que o MDA propõe é inaplicável. Essa discussão é perda de tempo e de energia; Se aplicar os índices propostos, metade da área produtiva do Brasil será considerada improdutiva. É ridículo. Não há necessidade de revisão alguma - disse Stephanes.
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