O advogado Aderson Bussinger, Conselheiro da OAB-RJ e militante do PSTU e da Conlutas, é um dos organizadores do livro "Direito de Classe e Revolução Socialista", de autoria do revolucionário Piotr Stutcka.
A obra reúne uma seleção de textos teóricos sobre a concepção marxista do Direito e de como a revolução socialista de 1917 na Rússia tratou a questão do Judiciário no primeiro governo de Lênin e Trotsky.
O lançamento será no próximo dia 26 de junho, no Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (Sind-Justiça).
Em sua terceira edição (a primeira foi em 2001), este é um livro dedicado ao estudo do Direito, conforme bem antecipa o seu título, mas sobre um Direito totalmente diferente dos padrões e conteúdos das disciplinas dos cursos jurídicos de nossa época — um direito que hoje se revela longínquo e que, de maneira ousada, buscou se afirmar quando do início do século XX, na esteira da Revolução de Outubro: o Direito da classe trabalhadora que acabava de tomar o poder.
O autor dos textos nele selecionados, Stutcka, foi um advogado, mas também um advogado totalmente diferente porquanto, antes de tudo, um revolucionário socialista que, ao lado de outros tantos revolucionários (e revolucionárias), dedicou-se a teorizar e aplicar os pressupostos deste novo direito no calor da luta, juntamente com os trabalhadores e trabalhadoras que naquele conturbado momento histórico, após a tomada do poder, tiveram que construir também um novo conceito (e prática) de Justiça: a Justiça de classe.
Buscando dar conta das principais formulações de Stutcka no campo do Direito, a par do seu trabalho e militância enquanto primeiro Comissário do Povo para Justiça da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e, posteriormente, presidente do Supremo Tribunal, é que escolhemos os textos “Tribunal Velho e Tribunal Novo”, de janeiro de 1918; “A Constituição da Guerra Civil”, de setembro de 1918; “Direito Proletário”, de 1919 e, por último, o texto “O problema do Direito de Classe e da Justiça de Classe”, este de 1922. Juntamente com estes trabalhos, cuidamos de anexar o famoso Decreto nº 1 sobre o Tribunal criado pela revolução, em 24 de novembro de 1917, que fornece uma visão de como o então Conselho de Comissários do Povo, dirigido por Lênin e Trotsky, enfrentou desde já os intrincados assuntos judiciários, em meio a tantas tarefas imediatas e à notória falta de quadros para estes assuntos específicos.
Em “Tribunal Velho e Tribunal Novo”, sublinha-se, pelo menos, três formulações importantíssimas para o entendimento sobre o que pensava Stutcka, quais sejam: a) a ideia de que o Poder Judiciário burguês é o que denominou de “o órgão mais consistente do sistema capitalista e dos interesses das classes possuidoras, daí a necessidade da completa abolição do que era considerado o ‘templo do Direito e da Justiça’”; b) Em segundo lugar, a ideia de que a construção de um novo sistema judiciário deveria guiar-se pela premissa fundamental da elegibilidade dos juízes, na forma de um tribunal popular eletivo; c) a recusa do modelo clássico burguês de divisão dos poderes entre Judiciário, Executivo e Legislativo, sendo o novo poder unitário e assentado na classe trabalhadora. Ainda sobre este capítulo, chama-se atenção para questões colocadas como direito material revolucionário, tanto civil como penal; separação de Igreja e Estado; poder de inquérito e fim do monopólio estatal da acusação, sendo atribuída essa função a todo cidadão que é livre para processar; abolição da advocacia enquanto estamento privilegiado da antiga Rússia Czarista.
Em “A Constituição da Guerra Civil”, de forma sintética, acompanha-se o trabalho de elaboração da nova constituição, quando se vivia, no dizer de Stutcka, “o período mais agudo da guerra civil” e, concomitantemente, a jovem república dos operários e camponeses precisava fixar normas fundamentais, de forma escrita, como a “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado” e uma carta fundamental das liberdades dos Trabalhadores da República Operária e Camponesa. Como escreve Stutcka, em contraposição ao que acusa de hipocrisia burguesa, a constituição da república soviética fala, tão somente, das liberdades da classe trabalhadora (a população trabalhadora das cidades e do campo). Interessante, também, neste texto a abordagem de questões como liberdade de consciência, religião, direito de cidadania e embasamento teórico em Karl Marx.
Sobre o texto Direito Proletário, de 1919, (no qual Stutcka faz questão de ressalvar “não ser possível falar-se em um Direito Proletário, porque o objetivo da própria revolução socialista encerra-se na abolição do Direito, na sua constituição por uma nova ordem socialista”) este trabalho se interliga e dialoga com o texto seguinte, “O problema do Direito de classe e da Justiça de classe”, de 1922. Isto porque, tanto em um como em outro, se desenvolvem as principais análises e conceitos sobre a estrutura da sociedade capitalista e o papel do Direito na velha e nova ordem que se pretende construir, valendo-se Stutcka da máxima de Voltaire: “se boas leis quiserdes ter, queimai as antigas e criai novas”. Destaco, também, as observações sobre direito de família, matrimônio, antes e pós-1917; os conceitos sobre contratação do trabalho, em que este último se transforma em obrigação e dever do Estado, como parte integrante do conceito de Direito Social; o conceito de direito adotado oficialmente nos preceitos fundamentais de Direito Criminal; prescrições específicas relativas às penas e delitos criminais, no âmbito do novo poder operário e, principalmente, o debate sobre o que vem a ser o Direito, em que cita Kant, Jhering (que diz “amaldiçoar” as revoluções) e a “Declaração dos Direitos Humanos” da grande Revolução Francesa, tudo isto permeado por uma cortante e incisiva crítica marxista sobre o que considera as ilusões sobre a Justiça e o Direito, ressaltando o lado ideológico destes. Interessante, igualmente, é o debate sobre o dualismo entre letra do Direito e Direito real, muito presente nas discussões atuais sobre o “Direito Alternativo”, principalmente entre os jovens estudantes de Direito que buscam uma saída em relação ao direito conservador e ‘positivista’ que lhes é ensinado.
Os advogados e militantes que se deram à tarefa de organizar, em trabalho coletivo, esta valiosa seleção de textos, dentre os quais faço questão de destacar o papel de seu tradutor, o Professor Emílio Astuto — hoje residente na Alemanha, onde advoga e leciona Direito —, pretendem, através de mais esta edição, atingir ao menos dois objetivos, além da óbvia contribuição para a história do Direito: a) despertar o pensamento crítico acerca do Direito que nos é imposto pelo regime capitalista, com a falsa idéia de direito “natural”, “apolítico”, “neutro” e positivista; b) demonstrar que, historicamente, já foi possível dar passos adiante na construção do socialismo e de um novo Direito e que estes registros e reflexões são necessários e úteis para todos aqueles que acreditam na retomada dos ideais desta revolução, tal como acreditaram K. Marx, F. Engels, Leon Trotsky, Rosa de Luxemburgo, sobretudo quando, nos dias atuais, o capitalismo mundial adentra em uma de suas maiores crises, provavelmente a maior destas.
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