sábado, 27 de novembro de 2010

Tropa de Elite três, quatro, cinco... 510 anos

(matéria atualizada em 28/11/2010 às 19h38)

As imagens da dimensão da reação confrontos e a quantidade de traficantes que se movem de um bunker a outro do tráfico em favelas do Rio de Janeiro espantaram os telespectadores. Os analistas mobilizados pela grande Mídia em histeria contudo não explicam aos telespectadores aterrorizados e hipnotizados pelas cenas por que, apesar da quantidade de baixa (banalizadas pelo discurso triunfalista do governo, com apoio uníssono da mídia, de "guerra ao tráfico"), a fábrica de transformar jovens pobres em bandidos não pára de funcionar.

"A desculpa para a pena de morte implantada no Rio de Janeiro é a segurança pública, a situação de guerra em que nos encontramos. Sob a égide de "precisamos fazer alguma coisa", repetem-se cenas de barbárie já antes vistas, só que agora em maior escala. Esses mesmos governantes esquecem que as prisões brasileiras são habitadas na grande maioria por jovens entre 18 e 24 anos. Aqueles que não são presos, são mortos.

A continuar assim daqui a alguns anos outras gerações de jovens enfrentarão problema similar, em proporções inimagináveis. De que adianta matar os jovens de hoje - o que contraria a lei maior da nação - e preparar as crianças também de hoje para ser mortas no futuro? O exército de jovens armados e desesperados que vemos na televisão foi criado pela Tropa da Elite que assalta toda a população brasileira há 510 anos."

Tropa de Elite três, quatro, cinco... 510 anos
Afonso Costa*

A guerra que o Rio de Janeiro vive já era esperada por muitos, mas por incrível que pareça menos pelas autoridades responsáveis. A implantação das UPPs se por um lado significou um avanço, por outro mostra o despreparo e a discriminação reinante nesses mesmos governantes.

Ao coibir o aberto tráfico de drogas em várias favelas - aberto, porque na calada ainda existe, por mais que em pequena escala - a política de segurança do Rio tirou o ganha pão de centenas, talvez milhares de jovens; além, é óbvio, de afetar o lucro dos grandes grupos de traficantes.

Ora, o que era de se esperar? Que mais cedo ou mais tarde viesse o troco. E não apenas o troco como forma de "protesto", de tentativa de coerção, que é a única forma que os governantes conseguem enxergar. Mas como luta pela sobrevivência, pelo ganha pão, pelo retorno de parte dos lucros.

É inconcebível que a inteligência das autoridades, mais precisamente da Secretaria de Segurança, não tenha detectado esse movimento ao longo do tempo, ou sequer previsto isso, muito menos conseguido identificar quais os grupos mais afetados e traçado políticas para coibir quaisquer tentativas de revanche e até mesmo de disputa territorial, que tudo indica ser o dado decisivo nesse contexto.

Se por esse aspecto reside um problema de ausência de planejamento, de continuidade da implantação das UPPs, não somente dentro nas favelas, mas no Rio como um todo, uma política de segurança ampla, o mais gritante é a falta de sensibilidade, de capacidade de enxergar esses jovens como seres humanos. Não há proposta para tentar trazê-los ao convívio social, recuperá-los das mãos do tráfico, oferecer-lhes estudo, atividade produtiva, assistência social e psicológica.

Por conta disso, grande parte da população defende que a polícia mate esses jovens, atire, jogue bombas, que os puna da forma mais cruel por algo que o Estado, capitaneado pela Elite, é o grande responsável. Assistem às cenas na televisão batendo recordes de audiência, como se fosse um simples filme de mocinho e bandido. Mas não é. É a dura realidade de uma população marginalizada pela Elite, massacrada pela busca incessante de lucros, de coerção, de abuso, abandonada pelo Estado, pelos intelectuais, pela classe média que agora se vê bruscamente afetada.

Diante disso, o governador lamentavelmente vem a público tentar se explicar, como se explicação houvesse. Vem repetindo velhos erros, desde dar entrevista para o canal de televisão de maior audiência, ao invés de convocar uma coletiva; até o fato de criticar abertamente a lei - que jurou defender - ao mostrar-se contrário ao direito dos presos de receberem visitas e advogados. Insinuou que através desses contatos saem as ordens dos presídios, isentando-se de culpa e aos agentes penitenciários, mal pagos, mal treinados, também fruto do mesmo descaso que norteia o Estado brasileiro.

A desculpa para a pena de morte implantada no Rio de Janeiro é a segurança pública, a situação de guerra em que nos encontramos. Sob a égide de "precisamos fazer alguma coisa", repetem-se cenas de barbárie já antes vistas, só que agora em maior escala. Esses mesmos governantes esquecem que as prisões brasileiras são habitadas na grande maioria por jovens entre 18 e 24 anos. Aqueles que não são presos, são mortos.

A continuar assim daqui a alguns anos outras gerações de jovens enfrentarão problema similar, em proporções inimagináveis. De que adianta matar os jovens de hoje - o que contraria a lei maior da nação - e preparar as crianças também de hoje para ser mortas no futuro? O exército de jovens armados e desesperados que vemos na televisão foi criado pela Tropa da Elite que assalta toda a população brasileira há 510 anos.

(*) é jornalista

Publicado originalmente: Monitor Mercantil, 26/11/2010

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