Riscos de desindustrialização relativa já se demonstram na balança comercial em pior déficit em 22 anos no setor de indústria média e alta tecnologia e os segmentos de média-alta e alta tecnologia são os que mais sofrem com o câmbio, os juros e os tributos altos, porque são por eles que passam as inovações mais aprimoradas.
Balança comercial de indústria de média e alta tecnologia tem pior déficit em 22 anos
João Villaverde | Valor Econômico | de São Paulo |15/04/2011
Entre janeiro e março, a balança comercial da indústria de alta e média-alta tecnologia, onde estão concentrados os setores intensivos em capital e inovação, atravessou o pior primeiro trimestre em 22 anos. Nos primeiros três meses deste ano, esses segmentos registraram déficit de US$ 17,7 bilhões, mais de US$ 5 bilhões superior ao de igual período do ano passado e o dobro do registrado nos primeiros três meses de 2008 e 2009.
Já a indústria de baixa tecnologia, que fabrica, por exemplo, calçados, vestuário e alimentos, aumentou seu superávit comercial de US$ 7,7 bilhões, registrados no primeiro trimestre de 2010, para US$ 8,5 bilhões no mesmo período deste ano. O crescimento do saldo não foi suficiente, porém, para evitar um rombo de US$ 10 bilhões no saldo comercial total da indústria de transformação.
Nem a abertura comercial promovida por Fernando Collor, a valorização do câmbio durante o governo Fernando Henrique Cardoso ou o surgimento da China como provedor em grande escala de bens manufaturados ao longo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foram capazes de gerar, isoladamente, um rombo tão grande quanto o registrado nos primeiros três meses do governo Dilma Rousseff. Autor de um estudo sobre a balança comercial da indústria de transformação por conteúdo tecnológico, Rogério Cezar de Souza, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), avalia que a indústria brasileira vive um momento decisivo.
"A redução do déficit passa por ganhos de produtividade. Toda a incorporação de tecnologia que precisava ser feita aconteceu da abertura para cá, a hora é de investir em inovação e novos modelos de produção", diz Souza.
Os setores de baixo conteúdo tecnológico, mais tradicionais no parque industrial brasileiro, "chegaram no limite", diz Souza. Com preços em alta no mercado internacional, forte demanda interna e a condição de não serem facilmente comercializáveis com o exterior, os alimentos processados registraram o maior superávit para o período, de US$ 7,4 bilhões, sustentando o segmento de baixa tecnologia. Isso porque o ramo produtor de vestuário, calçados e couro registrou, entre janeiro e março de 2011, o primeiro déficit para o período desde o início da série histórica do Iedi.
"O setor calçadista, por exemplo, foi muito hábil ao longo dos anos 90 e na década que terminou ao incorporar ganhos de produtividade, importar máquinas e insumos e mesmo aprimorar a gestão, e hoje está praticamente no limite a que pode chegar", avalia Souza, para quem, neste caso, a luta por maiores ganhos de produtividade deve ficar em segundo plano. "Para os segmentos de baixa e média-baixa tecnologia, resta aguardar alguma alta de preços dos seus produtos ou uma reversão nas trajetórias do câmbio, para baixo, e dos juros, para cima", afirma.
Importante por servirem de base para maior produção industrial, os fabricantes de máquinas e equipamentos passam pelo período de importação mais forte - quase US$ 8,2 bilhões adquiridos do exterior entre janeiro e março deste ano, US$ 2,1 bilhões a mais do que em igual período do ano passado.
Os produtos metálicos, frutos das indústrias metalúrgica e siderúrgica, aproveitando os preços internacionais elevados, registraram o maior saldo para os primeiros três meses de um ano desde 1989 - superávit de US$ 2 bilhões, o dobro em relação a igual período de 2010. "A indústria só não registra um rombo maior", afirma Edgard Pereira, professor da Unicamp e sócio da Edgard Pereira & Associados, "porque os exportadores de frangos, suínos e metais estão aproveitando a demanda mundial". Mas, como destacam os especialistas em indústria, são justamente os segmentos com cadeias produtivas mais curtas, e com menor teor tecnológico.
"Os segmentos de média-alta e alta tecnologia são os que mais sofrem com o câmbio, os juros e os tributos altos, porque são por eles que passam as inovações mais aprimoradas. Se ele está com problemas, como está hoje, o país vai sofrer no futuro", diz Souza.
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