Ali está a dica provável que nos setores ideológicos e/ou econômicos da burguesia deve passar por uma virada nas ideias ou atualização diante da nova conjuntura e da nova estrutura da economia brasileira, pois está se tornando claro o descasamento total e insustentável entre o programa político-econômico, manifestado nos textos da grande mídia, com a realidade econômica do país.
Essa postura também reflete que, uma considerável fatia da burguesia, que não adere ou se descolou da ideologia dominante da grande mídia, e defendido pela sua própria classe.Portanto necessita ouvir/ler outras ideias, menos "neoliberais hardcore", e mais a la keynesianas, mas ideias não menos burguesas, e visa se preparar para tentar impô-las ao futuro governo, utilizando como sempre a grande mídia como correia de transmissão.
Como diz o próprio título do artigo, visa "aproveitar os espaços" para corrigir a política macroeconômica aos seus interesses e a realidade, garantindo mecanismo que mantenham crescimento do PIB para atender os lucros, o fluxo de capitais especulativos, o ajuste fiscal e o pagamento dos juros da dívida, sem que esses três últimos comprometam o primeiro.
É sinal que a burguesia industrial está mais forte e exige limitação dos ganhos (não confundir com fim dos ganhos) da burguesia bancária-financeira. Quer o Estado à serviço, menos do pagamento da dívida e dos especuladores internacionais, e mais do gasto corrente e de investimento. Mas sempre gastos à serviço dos lucros, e não das necessidades dos trabalhadores. Como pode-se ler a seguir, o autor em nenhum momento fala em gasto governamental em habitação, saúde, educação, transporte, salário e terra, a Macroeconomia do Setor Público que verdadeiramente interessa aos trabalhadores.
Aproveitar os espaços
Amir Khair - O Estado de S.Paulo -23 de setembro de 2010
Ganha destaque neste período de disputa eleitoral o que pretendem fazer os candidatos à Presidência sobre os principais temas, como a questão fiscal, as contas externas e o câmbio. No entanto, as propostas têm sido de forma geral genéricas. Talvez para evitar compromissos claros e/ou desgastes eleitorais.
De qualquer forma há um reconhecimento de avanços na economia e na parte social, embora estejam aquém das necessidades do País. O mercado financeiro prevê um crescimento econômico de 4% a 4,5% para os próximos anos. Desde 2004, está na média de 4,5%, apesar da crise e das altas taxas de juros cobradas pelos bancos. Creio que será superior a 5%, caso continue a política de aproveitar o potencial de consumo existente, facilitada por taxas de juros cadentes. Espaço para isso não falta.
Ajuste fiscal. Crescimento de 5%, com redução de 1 ponto porcentual (p.p.) da Selic por ano e superávit primário (receitas menos despesas exclusive juros) de 1,8% do PIB permitiriam obter ao final de 2014 equilíbrio fiscal e dívida líquida de 30% do PIB. Em relação ao PIB, as despesas com juros cairiam dos atuais 5,4% para 1,8% em 2014 com economia de 3,6 p.p. (5,4 menos 1,8). Esse é o principal ajuste fiscal a ser feito. Para comparar, na Previdência Social a diferença entre contribuições e benefícios, equivocadamente chamada de déficit da Previdência, deverá atingir este ano 1,2% do PIB, mesmo nível de 2002. Assim, esse ajuste de 3,6% do PIB equivale a três vezes o "déficit" da Previdência.
Despesas. O enfoque nas despesas públicas é importante quanto ao destino dos recursos e sua gestão, que tem muito espaço para melhorar. Ainda bem. Mas a análise isolada da despesa, sem considerar o seu impacto nas receitas, pode induzir a erro. É o caso, por exemplo, da elevação do salário mínimo. É fácil calcular seu impacto nas despesas da Previdência, mas não se dimensionam os retornos de arrecadação para a União, Estados e municípios pelo crescimento da massa salarial, produção, lucro e consumo.
Tripé. Os dois principais candidatos prometem manter o tripé: meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. Creio, no entanto, que este tripé está superado. Primeiro, porque o crescimento econômico, ausente neste tripé, influencia todas as suas variáveis. Segundo, porque não existe câmbio flutuante, dadas as intervenções do Banco Central (BC) e, agora, do Fundo Soberano. Terceiro, porque o resultado primário não expressa o resultado fiscal, que inclui todas as despesas, inclusive os juros. Quarto, porque o regime de metas de inflação, para funcionar melhor, deveria fixar, em vez da meta para o ano, meta para os próximos 12 meses e usar, em vez do IPCA, o seu núcleo, que expurga alterações sazonais e circunstanciais, provocadas por fatores temporários ou casuais.
Sobre isso, o efeito anormal das chuvas sobre os preços dos alimentos gerou forte impacto inflacionário no 1.º trimestre, depois eliminado por inflação praticamente nula de junho a agosto, quando os preços dos alimentos voltaram à normalidade. No entanto, a escalada inflacionária do início do ano serviu para elevar desnecessariamente a Selic. Agora, com atraso, o BC reconheceu que a inflação não seria tão elevada quanto parecia e, ao não elevar mais a Selic, desagradou ao mercado financeiro, que adora uma Selic robusta.
Reservas e câmbio. O aumento das reservas internacionais para segurar o câmbio é um tiro no pé. Aumenta a dívida pública, o déficit fiscal e atrai mais dólares. É jogar dinheiro fora. Para atenuar o problema do câmbio apreciado é necessária a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e retornar a aplicação do Imposto de Renda sobre as aplicações de estrangeiros em carteira (ações e títulos públicos) para reduzir/eliminar os ganhos de arbitragem. Isso eleva a arrecadação fiscal e limita a ação especulativa sobre o real.
Tem muito espaço para avançar na melhoria dos fundamentos macroeconômicos no próximo governo. O que não se pode é dar marcha à ré com políticas tendentes a segurar o potencial de crescimento do País.
CONSULTOR, É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV
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