por Almir Cezar
No Brasil, a má distribuição é um problema histórico, marca da colonização e dos rumos das sucessivas revoluções burguesas, que não infligiram alterações ao padrão fundiário. Atualmente [1], 56% da terra agricultável do país estão nas mãos de 3,5% dos proprietários rurais, enquanto que, os 40% mais pobres têm apenas 1% dessas terras. Contudo, a crise mundial, a expansão dos negócios com commodities e a corrida pela terra, inclusive por estrangeiros, impactaram no aumento dos conflitos fundiários, na ampliação do riscos à segurança e soberania alimentar e em um forte perigo às populações tradicionais, já vulneráveis.
No fim da década de 1990 e ao longo da década de 2000 houve uma "corrida mundial por terras", que transformou a América Latina, em geral, e o Brasil, em particular, em alvos preferenciais para negócios, com aumento considerável de investimentos estrangeiros no setor agropecuário, inclusive na compra de terras, com a participação de empresas do setor financeiro. Mesmo sendo um mercado de baixa liquidez, os negócios com terras não são novidade no Brasil, mas têm aumentado consideravelmente após 2002, sendo, inclusive, possível perceber esse processo no sistema de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Acresce-se que com a crise econômica mundial, iniciada em 2008, essa “corrida por terras” agravou-se, inclusive, tanto pela fuga ao investimento no mercado de commodities, como por busca em propriedade fundiária sob espécie de "reserva de valor" das riquezas, alternativa às costumeiras, à medida que na crise se combinavam a desvalorização de ativos físicos e financeiros, instabilidade das principais moedas de reserva de valor (dólar estadunidense e euro), crise das dívidas públicas (risco no títulos públicos) e baixa na rentabilidade dos negócios empresariais tradicionais, em especial, os industriais.
Esse processo recente de investimentos na compra de terras no Brasil, tem como uma das principais consequências, possíveis influências sobre os preços da terra e impactos sociais e políticos nas históricas disputas pelo acesso à terra no Brasil, e que ainda pode agravar a insegurança alimentar, ainda mais com a concentração da posse por grupos estrangeiros.
Essa “explosão” na venda de terras em larga escala, ameaça a comunidades e populações tradicionais [2] (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas florestais, etc), que, na maioria dos casos, ainda não tem domínio das terras em seu uso, ou estão em áreas ainda não reconhecidas e demarcadas pelo Estado, como é o caso das comunidades Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, à medida que, força a especulação imobiliária sobre essas áreas ou pressão do agronegócio já instalado por sua posse e uso. Situação semelhante acontece com os agricultores familiares, especialmente, posseiros, arrendatários e sitiantes.
Em geral, a agricultores familiares e populações tradicionais desenvolvem uma agropecuária de subsistência ou voltada à produção de alimentos básicos, fundamentais à segurança e soberania alimentar, e de baixo impacto ambiental, enquanto que, a produção sob controle do agronegócio, especialmente, com a concentração da terra nas mãos de estrangeiros, é focada na exportação e produção de commodities, em detrimento do abastecimento local, da sobrevivência das comunidades e da estabilidade e acessibilidade dos preços dos alimentos no mercado interno. Além disso, as propriedades de grande extensão de terras sempre envolvem acesso a água ou melhor logística e infraestrutura.
Embora, a posse por estrangeiro sempre estivesse presente, a estrangeirização de terras em massa no Brasil ainda é um fenômeno relativamente recente, mas já há pelo menos 4 milhões de hectares em mãos de grupos não nacionais, a maior parte empresas ligadas à produção de soja e de cana-de-açúcar para a fabricação de etanol. Entre 2002 e 2008, foram aplicados cerca de US$ 47 bilhões de investimento externo direto no agronegócio brasileiro.
No restante do mundo, em especial na América Latina, Ásia e África, o fenômeno do comércio de terras em larga escala tem avançado nos últimos anos estimulado, pelo aumento do preço dos alimentos e pela expansão da produção de biocombustíveis, que elevam a demanda por áreas agricultáveis. No mundo, até 2008, girava em torno de 4 milhões de hectares de terra por ano. Só entre outubro de 2008 e agosto de 2009, movimentou 45 milhões de hectares [3], tomou uma proporção muito grande, desses 75% estão na África.
O Banco Mundial afirma que o crescimento da produção agrícola e, consequentemente, das demandas e transações de terras, se concentra na expansão de oito commodities: milho, soja, cana-de-açúcar, dendê (óleo), arroz, canola, girassol e floresta plantada, sendo que a participação brasileira se dá fundamentalmente nos três primeiros produtos. A maioria dos investimentos recentes em terras está relacionada à produção de grãos (principalmente soja) e de cana-de-açúcar (produção de açúcar e etanol), mas também à mineração, resultando em aumento dos preços da terra, entre outras consequências em algumas regiões do Brasil.
Essa "corrida por terra" chegou a tal ponto que, levou o governo federal a restabelecer mecanismos legais para "controlar" esses investimentos estrangeiros em terra. Contudo, de maneira tardia e parcial, bem ao estilo que se convencionou no Brasil ao tratar a questão da terra, e muito também porque, há certo apoio do setor agropecuário de capital nacional.
No Brasil, a má distribuição é um problema histórico, marca da colonização, e dos rumos das sucessivas revoluções burguesas, que não infligiram alterações ao padrão fundiário. Atualmente [1], 56% da terra agricultável do país estão nas mãos de 3,5% dos proprietários rurais, enquanto que, os 40% mais pobres têm apenas 1% dessas terras. Essa concentração tem origem nos tempos coloniais, apesar de ter sido agravada a partir dos anos 1960, com a implantação da Revolução Verde e do atual modelo agropecuário, baseado na modernização de grandes extensões de terras
Parte da área ocupada pela soja tem sido angariada às custas do desmatamento e/ou do deslocamento forçado de agricultores familiares ou aldeias indígenas. Não é à toa a forte pressão dos empresários rurais sobre a legislação ambiental (Código Florestal, etc) e aquela voltada aos direitos sociais de comunidades nativas, mormente ocupadas de forma tradicional/coletiva (quilombos, terras indígenas, fundos de pasto, áreas extrativistas, etc.), em busca da abertura de novas frentes de expansão, em especial nas regiões de Cerrado e do bioma amazônico.
1 Dados do relatório Situação da Terra, divulgado 16 out. 2012, Dia Mundial da Alimentação, pela organização não governamental ActionAid.
2 O alerta está ActionAid.
3 BANCO MUNDIAL. Rising global interest in farmland: Can it yield sustainable and equitable benefits? Washington D.C., 07 de setembro de 2010
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