segunda-feira, 10 de março de 2025

"Desmascarando a desmascaração": Sobre os absurdos dos críticos à tributação de lucros e dividendos - uma crítica da crítica

por Almir Cezar Filho


O artigo de Ricardo Sayeg, “Desmascarando o absurdo da tributação de lucros e dividendos”, parte de uma visão tipicamente neoliberal, segundo a qual a carga tributária brasileira seria excessiva e um entrave ao crescimento econômico. No entanto, uma análise crítica sob uma ótica progressista e desenvolvimentista permite desmontar 5 dos argumentos apresentados.
 
1. O Mito da Carga Tributária Excessiva sobre as Empresas
O autor afirma que as empresas no Brasil já enfrentam uma carga tributária "descomunal" que pode chegar a 40% do faturamento. Esse número é, no mínimo, controverso. A carga tributária total no Brasil gira em torno de 32% do PIB, o que nos coloca abaixo da média da OCDE (cerca de 34%). Além disso, grande parte da arrecadação brasileira recai sobre o consumo e a folha de pagamento, enquanto o capital e a renda dos mais ricos são relativamente pouco tributados.
 
No que se refere ao lucro das empresas, o Brasil tem um dos regimes mais generosos do mundo: não há tributação sobre lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas desde 1995. Em comparação, países como Estados Unidos, Alemanha e França taxam dividendos a taxas superiores a 20%. Ou seja, o Brasil está na contramão da prática internacional, beneficiando especialmente os mais ricos.
 
2. O Erro ao Chamar a Tributação de Lucros e Dividendos de "Bitributação"
Sayeg argumenta que tributar dividendos equivaleria a uma bitributação, pois as empresas já pagam IRPJ e CSLL sobre seus lucros. Esse argumento ignora um ponto fundamental: lucro e dividendos são coisas distintas.
 
O IRPJ e a CSLL incidem sobre o lucro da empresa antes da distribuição aos sócios. A tributação de dividendos recai sobre o rendimento recebido pelo acionista. Isso não configura bitributação, pois são tributos sobre sujeitos distintos: a empresa paga sobre seu lucro, e o acionista paga sobre sua renda. Essa distinção existe em praticamente todas as economias desenvolvidas.
 
3. A Falácia de que Tributar Dividendos Afugentaria Investimentos
Outro ponto levantado no artigo é que a tributação de lucros e dividendos afastaria investidores e sufocaria o setor produtivo. Isso é uma falácia econômica. Países com tributação de dividendos bem estruturada, como os EUA e a Alemanha, não sofrem fuga massiva de investimentos. Pelo contrário, a segurança jurídica e a previsibilidade fiscal são fatores muito mais relevantes para o investimento do que a isenção sobre dividendos.
 
Além disso, no Brasil, a isenção de dividendos não se traduz em maior investimento produtivo. Em vez disso, estimula a distribuição de lucros em detrimento do reinvestimento nas empresas, beneficiando acionistas em detrimento da geração de empregos e do crescimento econômico.
 
4. O Verdadeiro Impacto da Isenção de Dividendos
O artigo ignora um dado crucial: quem mais se beneficia da isenção de dividendos são os super-ricos. Estima-se que os 0,1% mais ricos do Brasil detêm 70% dos rendimentos isentos de tributação. Enquanto trabalhadores assalariados pagam até 27,5% de Imposto de Renda, empresários e investidores recebem dividendos sem qualquer tributação, aprofundando a desigualdade.
 
Se o Brasil adotasse uma alíquota moderada sobre dividendos, seria possível arrecadar mais de R$ 100 bilhões por ano, aliviando a carga sobre o consumo e o trabalho, que hoje sustentam o sistema tributário.
 
5. O Verdadeiro Problema Fiscal
Sayeg acusa o governo de descontrole fiscal e irresponsabilidade, mas ignora que a verdadeira distorção está na falta de progressividade do sistema tributário. O Novo Arcabouço Fiscal não revogou a responsabilidade fiscal, apenas substituiu o teto de gastos, que se mostrou ineficaz e socialmente perverso. Reduzir o tamanho do Estado, como propõe o autor, significaria menos serviços públicos, mais desigualdade e menor capacidade de indução ao crescimento econômico.
 
Conclusão
A crítica de Sayeg à tributação de lucros e dividendos é baseada em premissas equivocadas e falácias econômicas. Tributar dividendos não é bitributação, nem uma aberração, mas uma medida justa, alinhada às melhores práticas internacionais e essencial para reduzir desigualdades. 

Se o Brasil quer um ambiente econômico mais justo e sustentável, deve buscar um sistema tributário progressivo, que onere menos o consumo e a classe trabalhadora e cobre mais de quem realmente pode pagar.

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