segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

A "Crise da Tesoura Invertida" no Brasil Contemporâneo: Aplicação da Teoria de Preobrazhenski à Inflação Alimentar, Estagnação Econômica e Desindustrialização

 por Almir Cezar Filho

Resumo

A teoria da "crise da tesoura", formulada por E. A. Preobrazhenski para explicar a divergência de preços entre produtos agrícolas e industriais na União Soviética da década de 1920, pode ser aplicada de forma invertida ao Brasil contemporâneo. No contexto brasileiro, observa-se uma dinâmica oposta: os preços agrícolas sobem mais rapidamente que os industriais, enquanto a indústria nacional se enfraquece e a dependência de importações aumenta. Este artigo explora como o fenômeno pode ser caracterizado como uma "crise da tesoura invertida", analisando suas causas estruturais e as possíveis implicações para a política econômica.

Introdução

No Brasil de 2024-2025, a economia enfrenta um cenário paradoxal. De um lado, há um aumento expressivo nos preços dos alimentos e produtos agrícolas, impulsionado por fatores externos e internos, como a demanda global, eventos climáticos e a especulação de mercado. De outro, a indústria nacional se encontra em estagnação, incapaz de competir com produtos importados e enfrentando dificuldades para expandir sua produção.

Essa situação é diametralmente oposta à "crise da tesoura" identificada pelo economista soviético E. Preobrazhenski na URSS, na qual os produtos industriais subiam mais rapidamente do que os agrícolas, prejudicando os camponeses. No Brasil atual, ocorre o inverso: a agricultura domina o crescimento econômico, enquanto a indústria perde relevância, resultando em um novo tipo de desajuste estrutural – a "crise da tesoura invertida".

O objetivo deste artigo é utilizar os conceitos da economia soviética dos anos 1920, em particular a análise de Preobrazhenski sobre acumulação socialista primitiva, fome de mercadorias e desproporções entre setores produtivos, para explicar a crise atual da economia brasileira.

1. O Conceito da Crise da Tesoura e Sua Aplicação Invertida

Na URSS pós-revolução, a crise da tesoura foi caracterizada pelo aumento dos preços industriais em relação aos agrícolas, tornando difícil para os camponeses adquirir produtos manufaturados. Era a década de 1920. A raiz do problema era a incapacidade da indústria de atender à demanda, gerando um desequilíbrio entre os setores produtivos.


No contexto soviético da década de 1920, uma crise das tesouras era o específico onde os preços dos bens industriais subiam mais rapidamente do que os preços dos produtos agrícolas. Isso prejudicava os camponeses, pois:

  • Eles provavelmente venderiam mais grãos para comprar menos bens fabricados .
  • Isso desincentivava a produção agrícola e agravava a escassez de bens básicos.

Para Preobrajenski, esse desastre entre a indústria e a agricultura reflete um problema estrutural do socialismo em transição, onde a produção industrial não consegue acompanhar o crescimento da produção agrícola.

Se aplicarmos essa lógica ao Brasil atual, argumentamos que o país está enfrentando as características opostas :

  • Os preços dos produtos agrícolas estão subindo rapidamente , impulsionados por fatores como:
    • Aumento da demanda global por alimentos (especialmente soja, milho, carne e açúcar);
    • Fenômenos climáticos (El Niño e secas impactando colheitas);
    • Custos logísticos elevados (transporte, energia e insumos mais caros);
    • Desvalorização do real frente ao dólar, favorecendo exportações agrícolas.
  • A indústria brasileira, por outro lado, está com dificuldades de reajustar seus preços e expandir sua produção , devido a:
    • Baixo crescimento da demanda interna ;
    • Altas taxas de juros restringindo investimentos;
    • Concorrência de produtos importados (China, por exemplo) .

Essa probabilidade poderia ser chamada de crise das tesouras invertidas , pois, diferentemente do caso soviético, os bens agrícolas estão se valorizando mais rapidamente do que os bens industriais , tornando o setor primário mais lucrativo e aumentando a pressão sobre a economia urbana.

No Brasil contemporâneo, observamos o fenômeno similar, porém invertido:

  1. Os preços agrícolas crescem mais rapidamente que os industriais, afetando o custo de vida e a inflação.
  2. A indústria nacional está enfraquecida, sem capacidade de competir com produtos importados.
  3. O setor agrícola capta grande parte dos investimentos e incentivos estatais, deixando a indústria em segundo plano.
  4. Há um crescente descompasso entre a demanda interna por bens manufaturados e a capacidade da economia de produzi-los, levando à dependência de importações.

Essa dinâmica reflete o que Preobrazhenski chamou de "fome de mercadorias", mas aplicada ao setor industrial: o país não consegue produzir os bens manufaturados necessários para equilibrar sua estrutura econômica. Atualmente, são fornecidos pela importados da indústria chinesa.

2. Fatores que Contribuem para a Crise da Tesoura Invertida no Brasil

2.1. A Ascensão da Agricultura e a Inflação Alimentar


O Brasil consolidou-se como um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. No entanto, essa posição fortaleceu a lógica do agronegócio voltado para exportação, deslocando a produção de alimentos básicos para o mercado externo. Isso resulta em:

  • Escassez de alimentos no mercado interno, elevando os preços.
  • Aumento da especulação no setor de alimentos, amplificando a inflação.
  • Transferência de recursos para o setor primário, enquanto a indústria e os serviços ficam estagnados.

Esse fenômeno se assemelha ao que Preobrazhenski descreveu como a "superacumulação no setor agrícola", que pode prejudicar o desenvolvimento industrial se não for acompanhada por políticas adequadas de redistribuição do investimento.

2.2. Estagnação da Indústria Nacional

Enquanto os preços dos alimentos sobem, a indústria brasileira se torna menos competitiva. Algumas razões para isso incluem:

  • Concorrência com produtos importados mais baratos, principalmente da China.
  • Baixo nível de investimento em inovação e modernização industrial.
  • Custo Brasil elevado, com altos encargos trabalhistas e tributários.
  • Ausência de uma política industrial robusta para estimular a produção nacional.

Na análise de Preobrazhenski, a indústria soviética enfrentava dificuldades devido à baixa acumulação primitiva. No Brasil, a falta de investimentos industriais e políticas estatais eficazes resultam em um quadro semelhante de descapitalização da indústria e dependência de importações.

3. As Consequências da Crise da Tesoura Invertida

3.1. O Impacto sobre o Poder de Compra e o Consumo

A inflação dos alimentos reduz o poder de compra da população, especialmente das classes médias e baixas. Como os salários não acompanham o aumento dos preços dos produtos básicos, o consumo de bens industriais cai ainda mais, agravando a crise do setor manufatureiro.

Isso remete à análise de Preobrazhenski sobre a queda do consumo dos camponeses na URSS devido à crise da tesoura original. No Brasil, os consumidores urbanos estão sendo afetados pelo efeito contrário, pois a alta nos alimentos impede que gastem com produtos industriais. Uma inflação do custo de vida, especialmente os dos alimentos.

3.2. A Expansão das Importações e a Desindustrialização

Sem uma base industrial forte, o Brasil compensa a falta de produção interna com importações, aumentando a dependência externa. Esse fenômeno já foi descrito por Preobrazhenski como uma tentativa de resolver crises de escassez por meio do comércio internacional, o que, a longo prazo, pode enfraquecer a estrutura produtiva de um país.

A substituição da produção industrial por importações cria um desequilíbrio cambial, pressionando ainda mais a moeda e tornando a inflação um problema recorrente.

4. Propostas para Reverter a Crise da Tesoura Invertida

Como Preobrajenski analisaia essa situação? A lógica de Preobrajenski indica que essa “crise das tesouras invertidas” reflete um problema estrutural: o Brasil continua dependente do setor primário, sem uma estratégia robusta de industrialização . Se a União Soviética enfrentou dificuldades para desenvolver sua indústria, o Brasil enfrentou um problema semelhante, mas no sentido contrário: a indústria não cresce porque o setor agrícola se expande desproporcionalmente e absorve grande parte dos investimentos e incentivos estatais .

Ele defenderia que:

  • É necessário um planejamento estratégico para equilibrar a relação entre agricultura e indústria , garantindo que os ganhos do setor primário sejam convertidos em investimentos produtivos na produção.
  • A dependência de exportações agrícolas pode gerar instabilidade no longo prazo , pois as commodities estão sujeitas a flutuações de preços internacionais.
  • O Estado deveria intervir para evitar a “desindustrialização” e promover uma estrutura produtiva mais direcionada .

Para enfrentar a crise da tesoura invertida, o Brasil precisa adotar uma estratégia de reindustrialização, equilibrando a relação entre os setores agrícola e industrial. Algumas medidas possíveis incluem:

  1. Política industrial ativa: estímulos fiscais e investimentos públicos em inovação e infraestrutura.
  2. Controle da inflação alimentar: regulação de estoques, incentivos à produção de alimentos para consumo interno e políticas contra a especulação.
  3. Reforma tributária progressiva: maior taxação sobre setores de exportação agrícola para financiar investimentos industriais.
  4. Fortalecimento da moeda e do mercado interno: política cambial que favoreça a produção local e reduza a dependência de importações.
  5. Integração produtiva entre agricultura e indústria: estímulos para o desenvolvimento de cadeias produtivas que gerem valor agregado à produção primária.

Conclusão

O Brasil não enfrentou uma crise das tesouras como a URSS dos anos 1920, mas sim uma “crise das tesouras invertida” , onde os produtos agrícolas se valorizaram mais rapidamente do que os bens industriais , impactando a inflação e o equilíbrio econômico. Esse cenário reforça a primarização da economia brasileira , tornando-a vulnerável às oscilações do mercado global de commodities.

A solução, sob a ótica de Preobrajenski, seria usar os ganhos do setor agrícola para financiar um novo ciclo de industrialização, garantindo um modelo de desenvolvimento mais sustentável e menos dependente de envios primários.

O Brasil enfrenta uma crise estrutural semelhante à crise da tesoura identificada por Preobrazhenski, mas em sentido inverso. O setor agrícola cresce enquanto a indústria encolhe, criando um desajuste econômico que agrava a inflação, reduz o poder de compra e amplia a dependência de importações.

A solução para esse problema passa por uma nova estratégia de desenvolvimento, baseada no fortalecimento da indústria, na regulação da inflação alimentar e na redistribuição equilibrada dos investimentos produtivos.

Se essa crise não for enfrentada com políticas concretas, o Brasil corre o risco de aprofundar sua desindustrialização e dependência externa, tornando-se cada vez mais vulnerável às oscilações do mercado global de commodities.

Referência

  • The Preobrazhensky Papers: Documentos e materiais de arquivo: Volume I, 1886–1920. [2014] Richard B. Day e Mikhail M. Gorinov, trad. e eds. Chicago: Haymarket Books, 2015.
  • EA Preobrajenski ,"Ekonomicheskie zametki: O posledstviyakh tovarnovo goloda" ,
    publicado em Bol'shevik , 1926, nº 6, 31 de março, pp.

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