quinta-feira, 31 de maio de 2012

Livro reflete sobre o capitalismo e saúda movimento 'Occupy'


Reflexão sobre o capitalismo em forma de texto saúda movimento
Leonardo Vieira | O Fluminense |  29/05/2012

Em 'Occupy', seis brasileiros estão entre os 11 pensadores de importante obra que reune textos curtos e discursos de teóricos de esquerda. Livro incentiva 'chama' do protesto

A História realmente terminou após a queda do Muro de Berlim, como sacramentou o teórico liberal americano Francis Fukuyama? Ou ainda vivemos períodos de transformações sociais e revoltas que derrubam governos e colocam novas ideias na ordem do dia?

Para os autores do livro 'Occupy', lançado este ano pela editora Boitempo, os acontecimentos políticos de 2011 provam que o capitalismo vitorioso da Guerra Fria não garantiu um sistema estável e igualitário a todos. Daí que teriam surgido os protestos que dominaram as principais ruas do mundo.

Reunindo textos curtos e discursos de 11 teóricos de esquerda, Occupy busca refletir sobre o que teria gerado as instabilidades que começaram com a Primavera Árabe, e logo se espalharam pela Europa, Rússia e Estados Unidos. Entre os nomes do índice, figuram acadêmicos de peso como Immanuel Wallerstein, Slavoj Žižek, Emir Sader e Edson Telles.


O consenso entre todos é que a crise financeira de 2008 não só expôs as mazelas do sistema capitalista, como também trouxe de volta às ruas movimentos de protesto que revelam a angústia e a indignação diante das históricas desigualdades sociais. E é sobre esses manifestantes que o livro joga seus holofotes.

“O livro defende a posição de não defender nada no momento. O próprio protesto já é um mérito em si. E não é pouca coisa, apesar da grande mídia culpar os manifestantes de não ter proposto nada de novo”, explica o cientista social Kim Dória, responsável pela divulgação de obras, blogs e livros eletrônicos da Boitempo.

Segundo Dória, a intenção da editora foi compor um livro curto e objetivo exatamente para expressar as “aflições” do momento, como uma fotografia. Houve também a preocupação de fazer um equilíbrio entre autores nacionais e estrangeiros – dos 11 pensadores, seis são brasileiros. Toda a produção da obra foi feita seguindo a linha do baixo custo, o que se traduziu no preço final no mercado: R$ 10. Dória explica que o objetivo da estratégia de unir baixo preço a textos curtos é divulgar ao máximo o conteúdo do livro, a fim de manter a “chama acesa” dos protestos.

“Se trabalhássemos apenas com perspectiva histórica, já estaríamos fechando a História. Mas o livro encoraja o leitor à proatividade, tendo consciência de que os acampamentos e protestos são apenas o primeiro passo. O que queremos é o debate, e o livro pode ser classificado como um manual de encorajamento ao debate”, resume Dória.

De fato, o debate é garantido. Cada autor ressalta pontos de vista às vezes conflitantes. Enquanto Mike Davis e Slavoj Žižek defendem o anarquismo ao sistema como estratégia para vencer o neoliberalismo, outros mais moderados, como Emir Sader e Edson Teles afirmam que ainda é muito cedo para se decretar o fim do capitalismo e vislumbrar algo alternativo.

“O capitalismo é um sistema excludente, mas não vejo outro modelo alternativo. Se pudermos desmembrar a subordinação das políticas sociais à lógica de mercado, o capitalismo seria melhor”, afirma Teles, Doutor em Filosofia Política pela USP.

Outro ponto polêmico são as propostas alternativas. Movimentos como o Occupy Wall Street - que tomou as ruas do centro financeiro de Nova York denunciando a desigualdade entre o 1% rico e os 99% pobres dos Estados Unidos - receberam pesadas críticas por não elaborarem uma pauta unificada de reivindicações. No livro, há desde mais otimistas como David Harvey e Slavoj Žižek, que entendem os movimentos como um fim em si mesmo, até os mais prudentes como Emir Sader.

“Os ‘ocupas’ surgiram numa crise irremediável do liberalismo e puderam expressar a indignação que atinge a sociedade como um todo. Mas até agora eles não propuseram nada significativo. E se eles não elaborarem nada, o movimento vai ficar dando voltas e não vai sair do lugar”, afirma Sader.

E no Brasil? Para autores como Edson Teles, autor do capítulo sobre as desigualdades brasileiras, o País ainda vive uma euforia ilusória do crescimento econômico da última década, mas que não se traduziu em avanços sociais. Prova disso seriam os recentes episódios como a desocupação de sem-tetos de Pinheirinhos, em São Paulo, taxado por Teles como parte de uma política “higienista” a serviço do mercado. Já Giovanni Alves chama atenção para as condições precárias e frágeis dos novos postos de trabalho.

‘Ocupas’ por todo o Brasil

Euforia ilusória ou não, o fato é que o Brasil também teve seus “ocupas” em algumas cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. E Niterói não ficou atrás. No último mês de dezembro, um grupo de cerca de 40 estudantes da Universidade Federal Fluminense chegou a levantar acampamento na Praça Getúlio Vargas, em Icaraí, mas foram logo depois despejados para as areias da praia do bairro. E por ali permaneceram até a virada do ano novo.

De acordo com o mestrando em arquitetura Rafael Koury, um dos méritos do Ocupa Niterói foi retomar a estratégia de reunir corpos no espaço, ou seja, reunir pessoas em locais públicos para tornar visível a indignação.

Ele afirma que, em Niterói, as maiores reclamações do grupo são contra os serviços prestados pelas Barcas S/A e a suposta especulação imobiliária. No entanto, segundo o jovem, o que os “ocupas” querem mesmo é promover o debate.

“Não levantamos bandeiras partidárias nem líderes. Não queremos ser imperativos, mas sim promover o debate para transformar o capitalismo. A gente tem que quebrar o tabu e ultrapassar essa incapacidade de pensar alternativas”, resume Rafael.

Depois do ano novo, o Ocupa Niterói levantou acampamento, mas as atividades continuaram. Além de montar um site na internet ligado a todos os movimentos “ocupas” no mundo, o grupo tem promovido intervenções como no último dia 12 de maio, onde protestaram em Icaraí e se uniram depois aos integrantes da Marcha da Maconha, que passavam pelo bairro no mesmo horário.

Segundo Rafael, que leu o livro Occupy, a estratégia do grupo em Niterói para os próximos meses é promover uma “anticampanha” eleitoral, onde os manifestantes pretendem discutir os melhores governantes para assumir a cidade a partir do ano que vem.

“A gente continua se reunindo já tendo como tema central as eleições”, finaliza.

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