Eugeni Preobrazhensky |
por Almir Cezar Baptista Filho
Em 2011 uma dos clássicas do marxismo do século XX completa 80 anos, O Declínio do Capitalismo de Eugeni Preobrazhensky. Se O Declínio do Capitalismo é seu último livro, quase um síntese e "gran finale" de todo o seu trabalho intelectual, será 5 anos antes em A Nova Econômica de 1926 que exporá seu programa de pesquisa sobre crise e desenvolvimento capitalista e a gênese da economia socialista, que se centra na questão da regulação econômica pela "lei do valor trabalho".
O livro A Nova Econômica, ou no original Novaia ekonomika: Opy t teoreticheskogo analiza sovetskogo khoziaistva (Nova econômica: uma tentativa de uma análise teórica da economia soviética) é considerado sua melhor obra, embora seja o livro O ABC do Comunismo co-escrita com Nikolai Bukharin a mais conhecida. Seu Capítulo II foi publicado pela primeira vez como artigo em agosto de 1924, em Moscou, constituiu um dos principais textos do período, tratando-se uma das mais audaciosas e mais profundas obras de análise teórica da economia soviética do período dos anos de 1920, época pautada pela transição da economia nacional de uma economia capitalista subdesenvolvida ao socialismo.
Contudo, tanto sua obra como o autor sofreram um processo orquestrado de invisibilidade. A começar pela intelligentsia comunista e pela Academia burguesa, tudo porque esse autor além de co-liderar a revolução russa de "Outubro" de 1917 foi uma das principais lideranças da oposição ao regime stalinista, junto com o também execrado Léon Tróstki. Apesar disso, a militância e intelectualidade trotskista infelizmente também o ignoram, com um severo prejuízo a sua formação em Economia Política.
O título, A Nova Econômica, alude a idéia que na URSS daquele período seria necessário a constituição de uma nova teoria econômica, própria aos dilemas que uma economia de transição ao socialismo vivência, e que a Economia tradicional não ofereceria respostas, e até mesmo o Marxismo também não. Contudo, a alternativas aos marxistas seriam desenvolver novas formulações teóricas recorrendo as bases metodológicas da economia política marxista. Assim, procurando seguir a metodologia empregada por Marx em O Capital, Preobrazhensky busca apreender as leis que regeriam o desenvolvimento de uma economia socialista numa situação em que a agricultura e o pequeno comércio continuavam a guiar-se pelas leis do mercado, quer dizer, numa situação de economia mista. Assim desenvolver uma necessária nova teoria econômica de matriz marxista. Por isso também utiliza a expressão "nova econômica", à medida que até então o marxismo só haveria se preocupado com o capitalismo e a revolução socialista e ignorado a economia imediatamente posterior à própria revolução.
No centro de A Nova Econômica está a idéia de que no capitalismo a regulação econômica é feita pela lei do valor, enquanto que, numa economia sob a ditadura do proletariado haveria uma regulação sob os organismos de planejamento e as empresas estatizadas sobre a economia mista na fase de transição para o socialismo (concorrencial à lei do valor se mantido o mercado livre). Particularmente, enfatizava a possibilidade da constituição de uma acumulação socialista primitiva ao desenvolvimento econômico nacional, para a substituição do período prévio de acumulação capitalista - e, portanto descartava a necessidade do prosseguimento da NEP, e de quaisquer outras formas de liberalização pró-mercado visando a acumulação.
A acumulação socialista primitiva faria com que a expansão industrial se efetuasse através da transferência de capitais excedente do setor camponês, e da pequena-propriedade em geral, re-acumulando-os no setor industrial pelo planejamento democrático dos preços e pela própria implantação de novas empresas e fábricas estatais. Sendo assim evitável também qualquer coletivização forçada (apropriação dos capitais pela expropriação das propriedades), como acabou empreendendo o stalinismo no fim do ano de 1929.
No capitalismo de livre-mercado a regulação econômica é feita espontânea e autonomamente pela lei do valor. Preobrazhensky diz "numa sociedade que não possui centros diretores de uma regulação planificada, chega-se, graças à ação direta ou indireta desta lei, a tudo que é necessário para um funcionamento relativamente normal de todo o sistema de produção". Assim, a ideia de regulação econômica não deve ser confundida com a regulação estatal, ou mesmo com a regulamentação, onde o Estado através de leis, portarias e intervenções pela política econômica e pelos órgãos públicos direta e indiretamente regulamenta e intervém na vida econômica.
Contudo, a regulamentação legal, os órgãos públicos reguladores, assim como demais práticas estatais de regulação, são partes do complexo de regulação econômica estatal, muito embora, não a regulação em si. Assim também, muito menos, podem esses organismos e marcos regulatórios serem identificadas com o próprio complexo geral de regulação da economia que exercido também como outros componentes do sistema econômico, como sindicatos, trustes, cartéis, etc. Então à medida que o capitalismo se desenvolve de livre-mercado para monopolista, e à medida que inevitavelmente o capitalismo monopolista vira capitalismo monopolista de Estado a partir de que o Estado cada vez mais passa intervir no mercado, o planejamento gerencial das empresas ganha centralidade e por sua vez, órgãos associativos e sindicais também ganham um papel relevante na atuação mercantil, acabam-se constituindo em geral como ferramentas complementares à regulação econômica pela lei do valor.
Todavia em essas ferramentas complementares em variadas momentos e certas circunstâncias também são rivais a lei do valor enquanto regulador. Então a acumulação capitalista ao desenvolver o monopolismo destrói a auto-regulação ao criar um rival a lei do valor, ou pelo menos, passa a ter uma ação limitada. Aí estão as bolhas, os ataques especulativos, os pânicos sistêmicos, as quebradeiras setoriais, como todas as grandes e pequenas crises do capitalismo contemporâneo. O desenvolvimento capitalista conduzido pela lei do valor leva ao impasse do desenvolvimento capitalista. O "suicídio" da lei do valor.
O que a revolução socialista como ato político faz é pôr sob a gestão do poder proletário o capitalismo de Estado e através do planejamento estatal democrático pôr esse mesmo capitalismo de Estado a serviço da construção do comunismo.
A seguir extratos do livro A Nova Econômica, de 1926, que em 2011 celebra 85 anos de sua publicação (Preobrajensky, Eugênio. A Nova Econômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979).
“Para os teóricos marxistas: que leis regulariam a evolução da economia.
O método do materialismo histórico é essencialmente um método de pesquisa altamente abstrato pois, no complexo indivisível do organismo social - onde as relações diretas do processo de produção se misturam muito estreitamente - o marxismo começa a análise a partir do centro evolutivo de todas as modificações e de todo movimento, quer dizer, a partir da economia, separando-a de todo o resto, num momento determinado do estudo, pela força da abstração.
O fato é que o padrão de regularidade do modo de produção capitalista possui seus aspectos particulares. A fim de apreender a lei dialética fundamental do desenvolvimento da economia capitalista e de seu equilíbrio em geral, cumpre, em primeiro lugar, elevar-se acima de todos os fenômenos do capitalismo concreto, que impedem a compreensão desta forma e de seu movimento no que ele tem de mais puro.
Quanto mais pura for nossa representação do capitalismo, mais nitidamente nos aparecem todas as leis imanentes de seu desenvolvimento e de seu equilíbrio, e mais óbvias nos parecem, também, as particularidades do próprio tipo de regulação da economia capitalista e o sentido concreto do termo "lei" na sua aplicação a esta forma. "Geralmente, no regime de produção capitalista, toda lei geral só se realiza como tendência dominante, de modo muito confuso e aproximado, como uma média de oscilações incessantes, que não pode jamais ser estabelecida de modo preciso".
Na presença de tais condições, é somente graças à descoberta da lei valor, como lei central do sistema mercantil-capitalista, que se chega a apreender, através das "irregularidades aparentemente caóticas", o funcionamento de todo o sistema e seu movimento para, depois, deduzir logicamente da ação da lei do valor todas as categorias da economia política, enquanto descrições científicas dessas relações de produção reais do capitalismo, que na vida real se formam espontaneamente com base na ação desta lei.
a economia política não é uma tecnologia social. Ela estuda apenas as relações de produção de uma forma de economia espontânea e não organizada com os tipos de regulação que são inerentes somente a esta forma, isto é, com os tipos de regulação tais como eles se manifestam com base na ação da lei do valor. E estas regulações se manifestam aqui de tal maneira que o resultado da ação da lei do valor não coincide absolutamente com os objetivos, os planos, os desejos e as esperanças dos agentes da produção na medida em que os seus cálculos se limitam a um domínio econômico muito restrito e na medida em que, em razão da própria essência de todo o sistema, eles nunca podem prever qual o resultado, pelas suas conseqüências objetivas finais no conjunto da economia, de suas ações, esforços, e planos descoordenados.
No socialismo, e depois no comunismo, as leis são adaptadas e são utilizadas pelos homens. Deste ponto de vista, os homens as dominam. Mas não se pode dominar senão o que existe. Dominar a força do vapor, dominar a ação espontânea das leis da Natureza em geral, não significa fazer estas leis desaparecerem. Significa somente dirigir sua ação segundo um curso desejável. Não é preciso dizer que dominar "as leis de sua própria atividade social” significa ao mesmo tempo modificar do modo mais profundo possível a forma de manifestação dessas leis. É nisso que consiste a diferença entre as leis da produção capitalista e as regulações econômico-sociais da economia socialista planificada. O determinismo domina aqui também mas são diferentes as formas da dependência e as formas da causalidade.
Através da ação da lei do valor, que a necessidade do equilíbrio entre a produção e a demanda efetiva se impõe. As leis da atividade social dos homens no domínio da produção opõem-se aos agentes da produção enquanto forças externas a eles próprios, alheias, cegas e fora de controle. Do mesmo modo que em qualquer sistema, a fim de se chegar a um equilíbrio no domínio da realidade, é necessário um regulador específico do sistema considerado.
Objeção de caráter metodológico
(A regulação é feita pela lei do valor ou pela superestrutura social?)
A objeção de caráter metodológico colocada por alguns oponentes consiste em indicar que é errado separar, na análise, a economia e a política. Esta objeção não se justifica absolutamente e contraria o método sociológico universal de Marx e a teoria do materialismo histórico.
Não foi por acaso que Marx precedeu sua primeira obra econômica importante - a Crítica da Economia Política - com um prefácio no qual ele expôs seu método sociológico universal Por sua teoria da infra-estrutura e da superestrutura -, Marx fundou seu direito de iniciar a análise da sociedade capitalista pela infra-estrutura embora se possa supor, sempre, que existe também uma determinada superestrutura como fato social objetivo.
Em teoria econômica, a abstração começa desde o começo do estudo, uma vez que esta ciência começa precisamente a partir da infra-estrutura. Isto não diminui o papel da superestrutura nem a importância do estudo deste aspecto das relações humanas na economia mercantil. Porém, não é por aí que começa o estudo. No esboço inicial do plano de O Capital, Marx incluiu uma seção concernente ao Estado, mas ele se propunha a tratar desta questão ulteriormente, depois da análise da economia capitalista no sentido próprio do termo.
Os oponentes abandonam, sem o reconhecer, o método marxista para passar ao campo do conhecido sociólogo alemão Stammler e suas escolas, aliando-se, deste modo, a todos os demais críticos do marxismo que atacam a teoria do materialismo histórico justamente por sua posição metodológica de princípio que consiste em colocar a questão da infra-estrutura e da superestrutura. Eis o que o próprio Stammler escreve sobre o problema que nos interessa.
Em sua obra Economia e Direito escreve ele que, em economia política, um ponto de vista puramente econômico é intrinsecamente impossível, negligenciando uma regulação social perfeitamente definida que logicamente o condiciona. Opondo-se à separação, no estudo, entre a Política e o Direito, de um lado, e a Economia, de outro, e pronunciando-se particularmente contra o prefácio de Marx- na Crítica da Economia Política, Stammler escreve: "Seria correto, portanto, opor, não a vida econômica, a produção econômica ou a estrutura econômica, etc, de um lado, à ordem legal e à superestrutura política, de outro lado, mas a matéria da vida social à sua forma, como dois elementos de um único e mesmo produto da realidade social do homem” E ainda: "Quem quiser tomar como objeto imediato de seu estudo científico a economia social em si enquanto sistema coeso de colaboração não poderá nem expor nem fundamentar nenhuma tese sócio-científica que não suponha uma regulação da vida social previamente determinada. Todo estudo sobre a renda da terra, o salário, os juros do capital ou o lucro patronal depende igualmente da existência de uma ordem legal específica. A mesma coisa poderíamos dizer para todo estudo sobre a moeda, o crédito, a formação dos preços ou qualquer outro capítulo da economia política"
É perfeitamente claro que meus oponentes encontram-se na companhia, muito desagradável para eles, de Stammler, este crítico notório do marxismo, e também de Birman, Diehl, A. Hesse, R. Stolzmann, e dos sociólogos subjetivistas russos, dos quais se arriscam a se aproximar também em outras questões.
Procurando justificar suas objeções, meus oponentes apóiam-se sobre uma frase que Lênin gostava de repetir, segundo a qual a política é a economia concentrada. Entretanto eles não mostram como, para compreender esta concentração, é possível evitar a análise prévia do que se concentra na política. De resto, se lhes agrada começar a análise onde habitualmente os marxistas a terminam, que tentem. Nós os escutamos. De minha parte, permaneço no campo do marxismo e considero que é necessário começar a análise a partir da infra-estrutura, a partir das regulações da vida econômica e explicar, em seguida, a necessidade de uma determinada política. É assim que procedia Marx, tanto para a análise da produção capitalista como para a de todo o sistema da sociedade capitalista.
Respondendo as objeções que lhe tinham sido feitas realmente e às objeções possíveis de lhe serem feitas a propósito de O Capital, Marx escrevia numa carta de 11 de julho de 1868 a Kugelmann: “A tarefa da ciência consiste precisamente em explicar como opera a lei de valor. Conseqüentemente, se pretendemos explicar de uma só vez todos os fenômenos que parecem contradizer esta lei, seria necessário fazer ciência antes da ciência". Meus oponentes acreditam-se visivelmente mais capacitados do que Marx e acham possível "fazer ciência antes da ciência". Esta tarefa, manifestamente, está além das minhas forças. Esperarei que comecem seu estudo segundo seu próprio método. A História lhes será reconhecida se eles apresentarem, "antes da ciência", outra coisa que não seja a economia vulgar sobre uma nova base, da qual já temos amostras suficientes nos jornais e revistas econômicas.
Respondendo as objeções que lhe tinham sido feitas realmente e às objeções possíveis de lhe serem feitas a propósito de O Capital, Marx escrevia numa carta de 11 de julho de 1868 a Kugelmann: “A tarefa da ciência consiste precisamente em explicar como opera a lei de valor. Conseqüentemente, se pretendemos explicar de uma só vez todos os fenômenos que parecem contradizer esta lei, seria necessário fazer ciência antes da ciência". Meus oponentes acreditam-se visivelmente mais capacitados do que Marx e acham possível "fazer ciência antes da ciência". Esta tarefa, manifestamente, está além das minhas forças. Esperarei que comecem seu estudo segundo seu próprio método. A História lhes será reconhecida se eles apresentarem, "antes da ciência", outra coisa que não seja a economia vulgar sobre uma nova base, da qual já temos amostras suficientes nos jornais e revistas econômicas.
A lei do valor
A lei do valor é a lei do equilíbrio espontâneo da sociedade mercantil-capitalista. Numa sociedade que não possui centros diretores de uma regulação planificada, chega-se, graças à ação direta ou indireta desta lei, a tudo que é necessário para um funcionamento relativamente normal de todo o sistema de produção do tipo considerado:
- a divisão das forças produtivas entre os diferentes ramos da economia, que compreende a distribuição dos homens e dos meios de produção;
- a divisão do resultado da produção anual da sociedade entre operários e capitalistas;
- a repartição da mais-valia entre os diferentes ramos ou regiões para fins da reprodução ampliada;
- a distribuição desta mais-valia entre as diferentes classes exploradoras;
- o progresso técnica;
- a vitória das formas econômicas evoluídas sobre as formas ultrapassadas e a subordinação das últimas às primeiras.
A lei do valor e as categorias da Economia Política
O que denominamos de categorias da economia política (a renda, o salário, a mais-valia, o lucro, o preço e a mercadoria) são descrições logicamente puras, ideais, das relações reais de produção, troca e repartição que se estabelecem com base na produção mercantil e mercantil-capitalista.
Neste sistema econômico temos o agrupamento de homens cristalizados no processo de produção e repartição, tais como eles se estabelecem no terreno da auto-regulação espontânea da economia, graças à lei do valor. Estes agrupamentos reproduzem-se incessantemente a cada novo estágio do desenvolvimento capitalista, formando tipos determinados de relações de produção e repartição.
É a descrição científica desses tipos de relações de homens entre si (e não de coisas entre si ou de homens entre coisas), a partir da produção mercantil e mercantil-capitalista que Marx designa por categorias da economia política; estas categorias conseqüentemente, descrevem adequadamente as relações reais quotidianas do capitalismo, mas, na ciência, essas relações são reproduzidas de modo abstrato, sob sua forma pura.
Estas categorias podem ser deduzidas logicamente da lei do valor:
A renda, enquanto categoria do sistema econômico capitalista, não é constituída pelos valores reais que o granjeiro capitalista paga ao proprietário da terra, mas pela relação de repartição entre o granjeiro e o proprietário, que garante a transferência sistemática de uma parte da mais-valia de um para outro.
O salário e a mais-valia constituem a essência das relações de produção, de repartição entre operários e capitalistas.
A categoria do lucro, enquanto forma da mais-valia, constitui uma relação de repartição entre capitalistas que se transforma, graças ao mecanismo da igualização da taxa de lucro e a todo mecanismo da sociedade capitalista, num mecanismo de repartição de trabalho e dos meios de produção. Neste caso, é uma relação de produção de capitalistas com capitalistas, considerados não na qualidade de consumidores (como mais acima), mas na de organizadores da produção.
A categoria preço possui três formas:
Em primeiro lugar, a forma de uma relação de produção que resume tanto o nível de produtividade do trabalho nos diferentes ramos como a distribuição da força de trabalho entre os diferentes ramos da produção.
Em segundo lugar, a forma de uma relação de repartição na medida em que o nível dos preços determina o dos afluxos dos valores que passam das mãos de certos grupos de homens para outros.
Em terceiro lugar, a forma de uma relação de produção [desenvolvimento] porque, graças ao mecanismo de afastamento entre preço e valor, opera-se uma redistribuição das forças produtivas entre os diferentes ramos da economia.
A mercadoria é a categoria mais geral da economia política, categoria que caracteriza no seu conjunto as relações de produção dos homens do tipo determinado enquanto relações de produtores de mercadorias independentes e isolados, ligados num só sistema econômico através do sistema de relações de mercado.
Os quatro tipos de produção mercantil
é a existência da sociedade em cuja base atua esta lei, a existência da produção mercantil. São formalmente produção mercantil:
A economia de uma sociedade de produtores independentes e livres de toda subordinação, trabalhando para o mercado;
O capitalismo clássico, do período concorrencial;
O capitalismo monopolista, organizado em trustes em escala nacional, e por vezes internacional;
O capitalismo estatal alemão dos anos 1914-18, e as tendências muito acentuadas nesta mesma direção na economia da Entente durante a I Grande Guerra.
Mas cada um dos quatro tipos de produção mercantil, a lei do valor poderia, numa mesma medida, desenvolver sua ação e manifestar todos seus traços mais característicos. Mesmo em se tratando do capitalismo em suas origens, que sofria ainda as seqüelas da regulamentação artesanal da produção e da ingerência do Estado feudal no processo de produção.
As condições de possibilidade de ação da lei do valor
Na medida em que a lei do valor é o regulador espontâneo do processo de produção na sociedade mercantil, a ação mais completa, mais característica, deste mecanismo de regulação exige um tipo mais espontâneo das relações de produção, com um mínimo de alteração desta espontaneidade pela intervenção dos princípios organizadores na produção e nas trocas.
É melhor retratar teoricamente a lei do valor sob sua forma pura, no seu elemento natural, quer dizer, no período da livre concorrência do capitalismo, como justamente Marx fez n´O Capital.
Para que a lei do valor se manifeste de modo mais total é necessário:
- Que exista plena liberdade de circulação das mercadorias, tanto no interior do país como entre os países no mercado mundial.
- Que o operário seja livre vendedor de sua força de trabalho e o capitalista livre comprador da força de trabalho enquanto mercadoria.
- Que a ingerência do Estado no processo de produção e o número de empresas de propriedade estatal se reduza ao mínimo
- E também, que não haja regulamentação dos preços de parte das organizações monopolistas dos próprios empresários, etc.
Estas condições ideais de liberdade de concorrência nunca existiram na escala da economia mundial porque as barreiras alfandegárias entre as economias nacionais, a ingerência do Estado no processo de produção e a impossibilidade de uma livre entrada de capitais na agricultura sem sacrificar a propriedade privada da terra significava certa limitação da liberdade de concorrência.
Entretanto, o período relativamente mais perfeito, para a liberdade de concorrência em escala da economia mundial e, conseqüentemente, mais favorável para a ação da lei do valor, foi a época do capitalismo clássico, que precedeu a passagem para a etapa imperialista.
A limitação da ação da lei do valor
A limitação da liberdade de concorrência conduz igualmente à limitação da ação da lei do valor, ao fato de esta lei encontrar uma série de obstáculos para sua manifestação, sendo em parte, substituída por aquela forma de organização da produção e distribuição que o capitalismo pode chegar sem deixar de ser capitalismo.
No que tange à regulação dos preços pela lei do valor, ocorre a seguinte modificação:
- quando da organização em trustes ou sindicatos dos ramos mais importante no interior de um país qualquer, os preços afastam-se sistematicamente do valor, no sentido de um aumento (ainda que isto nem sempre seja necessário).
- Quando há dumping, os preços afastam-se sistematicamente do valor havendo sua diminuição no mercado externo e, como compensação, ocorre seu aumento no interior do país.
A possibilidade de uma igualização da taxa de lucro torna-se extraordinariamente difícil entre os ramos da produção organizados em trustes, que se transformam em mundos fechados, num reino feudal das diferentes associações capitalistas.
Conseqüentemente, é importante observar que a necessidade econômica se impõe então, em grande parte, de um modo diferente da que ocorreria sob a lei do valor; conseqüentemente, a economia política inicia um novo capítulo quando analisa essas formas, na medida em que começa a transformação da própria noção de “lei” com que se lida no regime de livre concorrência.
A regulação de toda a produção capitalista pelo Estado burguês
“Durante a guerra mundial, sob a influência das transformações que ela impôs na economia dos Estados em luta, particularmente na da Alemanha que se encontrava quase isolada do mercado mundial, as tendências monopolistas do capitalismo receberam grande impulso em direção a um desenvolvimento ulterior que conduziu a economia de um país como a Alemanha até ao capitalismo estatal.
As necessidades da defesa obrigaram o Estado a fazer o inventário de todas as possibilidades de produção do país e, segundo um plano determinado, repartir entre os trustes as encomendas militares, levando a uma cartelização forçada das empresas até então desunidas.
Este foi o começo de um desenvolvimento forçado de certos ramos, da compressão de outros ramos e da redistribuição das forças produtivas do país seguindo um plano determinado. Os preços eram fixados pelo Estado e, com isso, o Estado regulamentava o nível da mais-valia, quer dizer, repartia de fato a mais-valia entre os capitalistas. A falta de matéria-prima acarretou a centralização das provisões e fez nascer o famoso comitê de fornecimento de matéria-prima à indústria, dirigido por Rathenau. A regulação de toda a produção capitalista pelo Estado burguês atingiu uma profundidade sem precedentes na história do capitalismo.
Formalmente, a produção mercantil transformava-se, de fato, nos seus principais ramos, numa produção planificada. A livre concorrência foi suprimida e a ação da lei do valor quase inteiramente substituída, em muitos aspectos, pelo princípio da planificação do capitalismo estatal.
Nos países da Entente, o sistema econômico do período da guerra foi um capitalismo estatal num grau bem menor mas aqui também as tendências nessa direção foram poderosas. Particularmente na Inglaterra, o Ministério do Abastecimento, dirigido por Lloyd George, chegou a uma regulação bastante avançada de quase toda grande indústria e não somente da indústria bélica.
No conjunto, o período de guerra pôs a nu a direção na qual evolui o sistema capitalista monopolista. Ela mostrou, com grande evidência, que a economia contemporânea está objetivamente madura para a produção planificada socialista. Quando a guerra terminou, não houve o renascimento da era da livre concorrência, vimos que não somente as tendências monopolistas do capitalismo mundial não cessaram, mas entraram numa fase nova ainda mais avançada.
Entretanto, a recuperação (que quase atingiu o nível do período anterior à guerra no que concerne à importância da produção e das trocas mundiais) de modo algum significou concomitantemente o restabelecimento de todas as leis da economia do período anterior e das antigas proporções na repartição das forças produtivas entre os diferentes países. A limitação da lei do valor, começada com o capitalismo monopolista não somente não parou durante a guerra, como adquiriu, depois dela, uma força ainda maior, se bem que de forma inteiramente original.”
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