quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ocupações do espaço urbano na Cidade do Rio: grupos de trabalhadores moradores na Região Central e os atingidos pelos Projetos Porto Maravilha e Morar Carioca (SMH)

Estudos sobre Habitação no Rio de Janeiro

Diálogos sobre a questão da moradia popular no Rio de Janeiro

Ocupações do espaço urbano na Cidade do Rio de Janeiro: grupos de trabalhadores moradores na Região Central e os atingidos pelos Projetos Porto Maravilha e Morar Carioca (SMH)


Eduardo Araujo
Historiador e integrante da Frente de Resistência Urbana

Sérgio Pereira
Historiador e Educador

Perscrutar, pesquisar meticulosamente, abordar um assunto de modo atencioso, por todos os lados. Dotado desse objetivo, nos intrometemos pelos caminhos outrora sinuosos da orla da Gamboa, que no olhar de uma viajante estrangeira, a inglesa Mary Graham, na década de 1820, considerava a mais linda visão da Baia da Guanabara ““.

Localizava-se no Morro do Pinto. Parece que os moradores da época, até avançando bem meados do século XIX, não diferenciavam muito distintamente de o morro do Pinto ao conjunto de colinas onde se instalou, e é registrada historicamente como, a primeira favela brasileira.

Ali, antes de a palavra favela (slum em inglês, e lá na Inglaterra já registrada com esse conceito, pra esse sentido, há mais de 200 anos, e tema vigorosamente descrito e bem abordado, e para as condições da estatística do período, bem detalhada em dados, por Frederic Engel em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, texto referência para aqueles que estudam desde então a questão das condições de moradia dos trabalhadores sob o capitalismo) vir a conceituar o que hoje são espaços que servem como moradia geralmente precária em serviços públicos, sem titulação de propriedade, sem regularização fundiária, em regiões não dotadas de plano urbanístico.


A atual comunidade da Providência, onde antes se localizavam chácaras, resultado já então de certo loteamento levado a efeito pela divisão das terras do Barão da Gamboa, o Conselheiro Pinto, daí o topônimo, no fim do século XVIII, precedendo a chegada da família real, portanto, hoje a Favela da Providência, que por razão de acordo não cumprido já no inicio da República, entre o estado e seus servidores, no caso, os soldados, veio a ser a região que tiveram como moradia os soldados oriundos da guerra do Paraguai e de Canudos, no fim século XIX.

Antes um local de ocupações quilombolas de resistência urbana ao regime escravocrata. Durante o século XX manteve a marca da resistência da cultura afro-descendente, formando um pólo de potencial cultural conhecido como Pequena África, compondo com a região da antiga Praça XI um “cinturão” periférico no centro da cidade [antes de ser arrasado pelas “intervenções urbanas” para dar lugar a relocalização e expansão das linhas férreas e da estação Central do Brasil, da abertura da Avenida Presidente Vargas, e mais recentemente para construção do viaduto 31 de março, [destruindo o elo de ligação desta região entre o Centro, propriamente comercial e o bairro do Catumbi e a Cidade Nova e Estácio (década de 60)], ligando o Santo Cristo ao túnel Santa Bárbara, bem como a construção do metrô na década de 70 (Linha 1) - reconhecido pela efevercência desse meio social que está na origem do samba urbano, signo da cultura popular, elo da resistência da região por todo o século passado.

Essa região, hoje, chamada Zona Portuária, uma das partes da região central, a 1ª Região Administrativa do Município do Rio de Janeiro, composta pelos bairros de Santo Cristo, Saúde e Gamboa, que foi uma das primeiras a ser ocupada para os chamados usos sujos, como eram então denominados a função para a qual este espaço da cidade fora destinado, então já quase fora das freguesias centrais da cidade, até então fora do centro antigo dos limites da cidade, que iam dos limites dos Bairros da Glória até o Morro do São Bento, e dotada de referência histórica.

Hoje, está novamente no centro das transformações urbanísticas no Rio de Janeiro, e seus moradores correm sérios riscos de serem removidos para bem longe deste espaço, velozmente valorizado por meios de recursos que sob denominações sofisticadas como operações urbanas, escondem recursos públicos de bilhões de reais cujo destino final são interesses privados.

Assim como em outro momento da história do município, nos anos iniciais do século XX, quando o senhor Haussmann tropical, o então Prefeito da cidade, Pereira Passos retirou os moradores da região onde hoje se situa a Avenida Rio Branco, o Passeio Público, iniciando o desmonte do Morro do Castelo concluído por Carlos Sampaio como Prefeito e dos aterros da Praia da Glória, sob apoio da imprensa oligárquica, já então como hoje vinculadas a interesses imperialistas, mas à época ligados à exportação de café, que depois serviram para abrir espaços para a expansão da cidade para a região da Zona Sul, como também as ocupações do Morro do Desterro, para a hoje Zona Norte, para os arredores da Tijuca e Andaraí, bem como para região de São Cristóvão e para os primeiros acessos para a baixada de Jacarepaguá, e a Fazenda de Santa Cruz.

Hoje, sob as bênçãos de Eduardo Paes e Sérgio Cabral e Jorge Bittar, na grande aliança dos velhos neoliberais e dos neoliberais verdes, e de ONGs patrocinadas pelo Banco Mundial como elo de ligação, os trabalhadores e a população que mora nesta região, que já vivem aí estando sob a mira da intervenção policial-militar, terão que deparar com algo conhecido como gentrificação, um certo enobrecimento local, dado que provavelmente haverá valorização imobiliária local, com o aumento nos preços dos impostos e taxas de serviços públicos que serão cobrados.

Nas palavras hiper-realistas do geógrafo David Harvey, comentando num artigo a despossessão dos trabalhadores moradores nos centros urbanos de seus locais de moradias, e vendo dessa perspectiva a entrega de títulos de propriedade privada a estes moradores beneficiados, mas sem rendas que lhes assegurem o pagamento de taxas e impostos: “Apuesto que en quince años, si continúan las tendencias actuales, la totalidad de las colinas de Rio de Janeiro ocupadas por favelas estarán cubiertas por los altos edificios de viviendas com vistas fabulosas sobre la idílica bahía de la ciudad, mientras que los anteriores habitantes de aquéllas habrán sido filtrados a alguna remota periferia”, e quem poderá diante da velocidade das transformações, dos interesses em jogos envolvendo a economia do petróleo e incorporadoras imobiliárias, sob a batuta do estado empreendedor, por em duvida estes prognósticos? (David Harvey, em El Derecho a la Ciudad, em New Left Review, acessado em www.newleftreview.org).

Conforme dados em matéria sobre o direito a moradia, no site da Revista “Le Monde Diplomatique Brasil”, edição 17 de dezembro de 2008, acessada em 06/07/2010, “ ...mais de 40 milhões de pessoas moram em áreas consideradas irregulares nas cidades brasileiras. Ou porque não tem título de propriedade, ou porque lhes falta acesso a algum item de infra-estrutura básica como água, luz elétrica, coleta de esgoto ou coleta regular de lixo.”. 

O habitante da Região Metropolitana de São Paulo ‘gasta’ quase três horas se deslocando de casa pra chegar ao local de trabalho, por isso uma parcela significativa de trabalhadores e suas famílias buscou ao longo de todo o século XX ficar, mesmo que precariamente, próximos aos centros empregadores. Dados da ONU-Habitat mostram que uma das maiores populações faveladas do planeta vive no Brasil que ocupa a 3ª posição, com 36,6%, proporcionalmente a população urbana, neste “ranking”. Essa pesquisa foi feita em 20 países, o Brasil ficou atrás somente da China e da Índia (Apud Mike Davis, 2006, 34 “Planeta Favela”). Estes dados são estimativas obtidas de estudos de 2003 do programa ONU-Habitat, portanto anterior ao período do Governo Lula.

Por isso, uma resposta programática socialista relativa à questão da moradia popular deve estar ligada e ser elaborada conjuntamente com movimentos sociais urbanos de resistência e por moradia, sindicatos e associações de moradores envolvidos, enraizados na experiência de luta, conectados e dialogando.

Essa questão não será resolvida das migalhas caídas, e incluídas no orçamento, e de forma induzida pelo mercado imobiliário capitalista [embora com recursos públicos da Caixa Econômica Federal e do BNDES, sobretudo], neste momento, inflado por um processo de bolha especulativa, através dos recursos de megaeventos ou mega projetos (como já é o caso da Copa da África do Sul, que deixou um rastro de cerca de 30% da PEA desempregada antes já do inicio do megaevento (Jornal “O Globo”).

Mas, sim com utilização dos recursos estatais, institucionais, oriundos, por exemplo, da suspensão do pagamento dos juros da divida externa, para a construção de casas dignas para garantir o direito social, humano a habitação, parte integrante do direito à cidade, em que estejam garantidas e asseguradas por engenharias e arquiteturas públicas, através programas locais de urbanização sob controle dos trabalhadores e moradores, em locais seguros, próximos a locais de trabalho e renda, com Escolas, Postos de Saúde, e transporte de massa rápido sobre trilhos, eficientes, dotados de infraestrutura de fácil e cômoda acessibilidade como trens urbanos, metrô e veículos-leve-sobre-trilhos (VLTs).

Nos seus 9 anos de existência, os efeitos da formação do Ministério das Cidades continuam a ser uma miragem para os movimentos sociais urbanos que tiveram e tem expectativa no governo encabeçados por Eduardo Paes junto com seu Secretário de Habitação Jorge Bittar, que em aliança com o PMDB de Sérgio Cabral vem promovendo uma das maiores violencias já vista contra a população carioca criando um clima de apreensão e incerteza. A alternativa eco-capitalista mascara uma alternativa efetivamente democrática, social e ambientalmente sustentável.

http://limiaretransformacao.blogspot.com

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