Tragédia no Rio de Janeiro: Mais uma vez, a culpa é da chuva?
Escrito por Raquel Casiraghi - texto retirado do site da central CSP-Conlutas
Voluntários retiram terra de prédio que desabou e soterrou moradores em Nova Friburgo (RJ).
Tragédia na região serrana do Rio de Janeiro já é considerada o maior desastre "natural" em número de mortes no país. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a tragédia está entre os dez piores deslizamentos do mundo nos últimos 111 anos. E mais uma vez, autoridades tentam culpar a chuva e os pobres que moram em áreas de risco para esconder a sua irresponsabilidade pela falta de políticas públicas de habitação e de conservação do meio ambiente.
No Estado de São Paulo, já foram contabilizadas 14 mortes em decorrência das chuvas: cinco em São José dos Campos, quatro na capital, três em Mauá, uma em Mogi-Guacú e uma em Perói. Somente na cidade de São Paulo, desde o dia 10 de janeiro, 127 pontos de alagamento foram registrados. No Rio de Janeiro, na região Serrana do Estado as mortes já há 510 mortes confirmadas e, muito provavelmente, haverá outras.
Além das dezenas de mortes, outra estatística eleva monstruosamente esses números: a estatística que inclui as famílias atingidas por deslizamentos, desmoronamentos e enchentes; enfim, a estatística dos que permanecem vivos embora tenham que conviver com a destruição das estruturas mínimas de moradia ao qual são sbmetidos.
Nessa triste situação, encontra-se o Jardim Pantanal, na zona Leste de São Paulo. O local, que no ano passado ficou mais de 60 dias embaixo d água, novamente, sofre com as chuvas. Segundo informações do movimento Terra Livre, em 2010, milhares de pessoas tiveram de sair de suas casas, praticamente obrigadas, devido à falta de infra-estrutura, e, até agora, nenhuma alternativa de moradia foi apresentada a essas famílias, por parte dos governos estadual ou municipal. Mas o caos não é localizado.
As regiões do Jardim Ângela, as imediações da M Boi Mirim, toda a região do Grajaú e várias cidades da grande São Paulo já somam suas centenas de desabrigados, pouco a pouco escoados para abrigos e albergues sem nenhuma política de solução definitiva.
Franco da Rocha também está imersa desde o dia 10 de agosto. O que causou a inundação foi que além das chuvas, a Sabesp abriu as comportas da represa Paiva Castro, em Mairopôra, para aumentar a vasão do volume de água. Devido a este fato, o Rio Juqueri, que corta o municipio, transbordou. A cidade sofre com enchetes há 16 anos e nada é feito pelas autoridades.
No Rio de Janeiro, em 2010, assistimos ir abaixo o “morro do bumba”, em 2011, já foram contabilizadas 510 mortes, a maioria delas por desabamento ou soterramentos. Em Minas Gerais, 70 cidades já estão em estado de emergência.
Tragédias que poderiam ser evitadas
Para justificar o cenário trágico, a maioria dos governantes responsabiliza a população por viver em áreas de risco ou a própria a natureza. Esse discurso não convence mais.
Especialistas têm demonstrado que medidas simples, como contenção de encostas, limpeza de bueiros, construção de mecanismos de escoamento de águas em dias de chuva forte, construção de moradias para a população em áreas próprias para habitação, sem que isso signifique a expulsão do povo pobre dos grandes centros urbanos, podem evitar ou pelo menos minimizar os efeitos das chuvas.
Deslizamento de terra atinge supermercado de Teresópolis, no Rio de Janeiro.
Mas como, em geral, a população atingida pela falta de infraestrutura, que se desnuda em momentos de elevada concentração de chuvas, pertence às camadas sociais mais baixas, não há tanto interesse dos governos em atendê-las. Afinal, muitos preferem inaugurar obras de fachadas, que dão votos, a investir em obras que podem não ter o mesmo retorno eleitoral.
Isso ficou bem evidente no último período. Desde que o Brasil foi anunciado como sede da Copa do Mundo de 2014 e o Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, a preocupação dos governos é com a construção de estádios, hotéis e outros nos arredores de onde ocorrerão os jogos. Milhões serão gastos com esses eventos em detrimento de investimentos naquilo que a população pobre e trabalhadora necessita para evitar as tragédias.
Para o Governo Federal, é melhor “remediar do que prevenir”
Segundo dados da ONG Contas Abertas, em 2010, foram gastos R$ 2,3 bilhões com a reconstrução das áreas atingidas pelas catástrofes. Só para se ter uma ideia, o valor gasto para reconstruir Angra dos Reis-RJ, Niterói-RJ, Pernambuco, Alagoas e em diversos outros pontos do país que foram devastados no ano passado é 14 vezes maior do que o destinado à prevenção.
Pousada destruída pelo deslizamento de terra em Itaipava, distrito de Petrópolis.
Para 2011, o orçamento destinado à prevenção de catástrofes será de R$ 137 milhões, 23% a menos que em 2010, quando se investiu R$ 168 milhões. E, agora, depois das inúmeras cidades submersas, como num passe de mágica, o governo federal está editando medida provisória para destinar R$ 700 milhões em ajuda aos municípios atingidos pelas chuvas. Prevalece a lógica inversa, de que “é melhor remediar do que prevenir”.
Há uma explicação clara para essa dinâmica de gastar pouco ou quase nada com a prevenção e muito com a reconstrução. Os governantes colocam a culpa na natureza como se fosse impossível prever alguns eventos naturais. Depois aparecem como bons políticos, doando recursos para a reconstrução das áreas atingidas, com vistas de capitalizar eleitoralmente a “desgraça” da classe trabalhador. O pior é que grande parte destes recursos acabam sendo desviados e a tal reconstrução nem se quer acontece como deveria. Muitas famílias ainda estão sem assistência.
Moradores e membros da equipe de resgate procuram por sobreviventes das enchentes em Teresópolis, no Rio.
A culpa não é da natureza, a luta é ainda o único caminho
A causa destas tragédias não é o excesso de chuvas, mas a má gestão dos governantes. A prioridade destes governos é estar a serviço dos ricos, banqueiros e grandes empresários que vivem nas áreas nobres das cidades com toda assistência do estado. Enquanto a população pobre trabalhadora que vive nas áreas mais desassistidas, é quem mais sofre com toda esta situação.
Milhares dessas famílias já viveram a mesma situação em anos anteriores e – sem solução alguma ou apenas com promessas engavetadas – retornam a seus locais de moradia nas mesmas condições, por falta de opção, depois do período das chuvas.
As soluções e paliativos aplicados pelos governos são apenas a comprovação do fato de que as cidades que temos foram construídas com base na lógica do lucro e não da vida. As pequenas correções que propõem não podem evitar tragédias. Só a luta por um novo modelo de cidade, com possibilidades estruturalmente diversas de sociabilidade e convivência com o meio ambiente poderão concretizar as condições para uma vida digna para o povo pobre de nosso país.
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