Na contramão do mundo, só Brasil paga mais de 2% de juros
Rogério Lessa, Monitor Mercantil, 21/01/2011
Na última semana, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom/BC) decidiu aumentar ainda mais a taxa básica de juros (Selic), que já era a maior do mundo, de 10,75% para 11,25% ao ano. A Selic incide sobre pelo menos um terço da dívida interna brasileira. E, segundo cálculos da Auditoria Cidadã da Dívida, o novo aumento vai gerar gasto público adicional de R$ 10 bilhões anuais, quantia 20 vezes superior aos recursos que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirma ter recebido da União, em quatro anos, para combater os desastres decorrentes das chuvas.
Disparada
Para o economista Bruno Galvão, doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mantida a atual tendência, cada vez mais o Brasil se distanciará dos demais concorrentes ao título de maior taxa de juros reais do mundo: "Enquanto o nosso tradicional concorrente no campeonato de juros altos, a Turquia, vem reduzindo gradualmente sua taxa de juros, nós cada vez mais aumentamos a nossa. O banco central turco acaba de baixar sua taxa básica para 6,25% ao ano, mesmo com uma inflação mais alta que a brasileira e com a moeda deles muito menos valorizada", compara.
Galvão lembra que a Turquia tem nível de reservas internacionais bem inferior ao brasileiro e também adota o sistema de metas de inflação:
"Há poucos anos, em 2008, a inflação turca foi superior a 10%, enquanto a meta de inflação para o país era de 4%. Naquela oportunidade, o aumento da taxa de juros para conter o estouro da meta foi de apenas 1,75 ponto percentual", destaca..
O economista observa também que choques inflacionários que elevaram o indicador para a casa dos dois dígitos também ocorreram em diversos países com bancos centrais ortodoxos:
"Mas em nenhum deles houve um choque de juros. Há tempos, países, como Rússia, Indonésia, Índia e outros, têm taxa de juros real negativa", exemplificou Galvão.
"The Economist"
Galvão cita tabela elaborada pela revista britânica The Economist, mostrando que países como Venezuela (-7,4%) , Estados Unidos, Grã Bretanha, Canadá, Zona do Euro, República Checa, Dinamarca, Rússia, Turquia, Suíça, Suécia, Hong Kong, Índia, Indonésia, Malásia, Cingapura, Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Chile, Colômbia, Egito, Israel e Arábia Saudita atualmente têm taxa real de juros real negativa:.
"Já entre as nações que praticam juros reais de 0% a 1%, estão China (0,7%), Noruega, Polônia, Paquistão e México. Outros, nos quais o juro real está entre 1% e 2%: Austrália (1,9%), Hungria, Argentina e África do Sul", listou, lamentando que, "ao que tudo indica, a taxa de juros real do Brasil deve ultrapassar os 7% nas próximas reuniões do Copom".
Endividamento crescente
Já Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida, pondera que, embora apenas 46% da dívida interna sejam compostos por títulos indexados à Selic, os investidores exigem taxas iguais ou superiores para comprar os demais títulos, como os pré-fixados ou vinculados a índices de preços.
"Segundo o próprio Tesouro Nacional, no último dia 13 de janeiro, os investidores exigiram taxas de juros de até 13% ao ano para emprestar ao governo nos títulos pré-fixados. Já no dia 11 do mesmo mês exigiram taxas de juros de 6% mais a inflação, o que totaliza cerca de 12% ao ano, para os títulos vinculados a índices de preço. Portanto, na prática, os rentistas já estão ganhando, à custa do povo, taxas de juros muito maiores que a Selic, que já são as maiores do mundo", destaca Ávila.
De acordo com o economista, o aumento de R$ 10 bilhões anuais nos gastos com juros da dívida pode até estar sendo subestimado:
"Esse valor seria suficiente para viabilizar um aumento de R$ 35 no salário mínimo, que desta forma poderia subir dos R$ 545 propostos pelo governo (que apenas repõe as perdas inflacionárias) para R$ 580."
Ele observa que, coincidentemente, R$ 580 é o valor reivindicado por algumas centrais sindicais que serão recebidas pelo governo na próxima semana: "Cabe ressaltar que o salário mínimo poderia aumentar muito mais, caso o país não precisasse destinar a maior parte do Orçamento para a questionável dívida pública, que deveria ser auditada, conforme prevê a Constituição."
CPI
Ávila lembra que o relatório final da CPI, aprovado pela própria base do governo e também pelo PSDB, contém diversas propostas para equacionar a questão da dívida.
"As recomendações incluem a divulgação correta, pelo Tesouro Nacional, dos montantes pagos de juros da dívida. Isso porque, atualmente, uma parcela desse pagamento (referente à correção monetária) é divulgada pelo governo como se fosse amortização, dando a entender que as despesas com juros seriam bem menores do que realmente são", critica.
Hora de agir
Além do impacto na dívida, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi) alerta para os efeitos dos juros na competitividade da indústria brasileira, pois a Selic alta tem influência direta na sobrevalorização do real.
O déficit da indústria de transformação, segundo levantamento realizado pelo Iedi, chegou a US$ 34,761 bilhões, em 2010, o equivalente a 4,17 vezes o déficit apurado em 2009, que foi de US$ 8,346 bilhões.
"Sinais da passagem de saldo positivo para déficit de produtos industriais já se faziam presentes desde 2007, ano em que se deu uma forte queda do saldo. A situação teria um agravamento muito maior em 2008, quando foi registrado o primeiro déficit comercial (US$ 7,141 bilhões) desde 2002."
Segundo o instituto, o processo foi apenas momentaneamente contido em 2009, mas retornaria com força verdadeiramente excepcional em 2010. Os dados do levantamento mostram ainda o extraordinário avanço do déficit em setores de alta e média-alta tecnologia.
"Até mesmo um segmento tradicionalmente superavitário, como o de média-baixa tecnologia, registrou pela primeira vez saldo negativo em 2010. É hora de agir para bloquear o processo em curso, ampliar exportações e dotar de maior competitividade a produção doméstica. Medidas isoladas terão pouco impacto se não compuserem um conjunto articulado de ações em várias áreas, envolvendo necessariamente", defende o Iedi.
"Ações duras para neutralizar a concorrência desleal e efetivar acordos com parceiros comerciais para o combate do dumping e eliminação de subsídios governamentais dos nossos parceiros comerciais", acrescenta o texto.
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