por Almir Cezar Filho
A recente notícia de fusão entre a Sadia e a Perdigão (repitindo a sequência de fusão e aquisições como entre o Unibanco e o Itaú e as compras de empresas pela Friboi) trouxe a baila uma questão: a ideia de super-empresas nacionais. Empresas que seriam as "vencedoras", liderando os capitais nacionais, e salvando a honra da dos capitais nacionais contra a concorrência de fora ou a atrofia do desenvolvimento interno.
Apesar da popularidade nas últimas duas décadas da ideologia neoliberal e da não-intervenção do Estado no mercado, não vimos isso. O projeto de desenvolvimento da burguesia brasileira, a partir dos anos 1990, e vigente ainda hoje, para o capital nacional, vai na suposição de que o desenvolvimento brasileiro só se dá através de fusões que criem super-empresas nacionais, que possam ser "vencedores" na concorrência capitalista, cada vez mais brutal e globalizada, especialmente após a abertura econômica feita no início dessa década. Nisso tanto FHC quanto Lula são iguais. A diferença está apenas na escolha dos "vencedores". E onde há vencedores, sempre a "perdedores", que em geral, são sempre os mesmos.
Entre as elites nacionais ao longo da história sempre houve uma forte ligação entre seus capitais e um papel de coordenador ou árbitro na luta que é a concorrência capitalista exercido pelo Estado. Não existe mercado sem Estado, inclusive para que no meio dessa "guerra", pelo menos haja um vencedor para desfrutar da vitória ou limitar o raio de ação da guerra e socorrer os exércitos após os combates. Contudo, a burguesia brasileira ao longo do século XX identificou para seu projeto de desenvolvimento passaria pela criação de "campeões nacionais". É famosa ideia de "campeões nacionais", onde um grupo da burguesia é definido como vencedor previamente, tal como, faz um país nas Olimpíadas, que alimenta e treina melhor um atleta de um modalidade em detrimento dos demais atletas, na crença que esse poderá ter mais chances de trazer medalhas para o país ou estimulará os demais à vitória.
Ao longo do processo brasileiro de industrialização, traçou-se um linha onde os vencedores seriam apenas quatro tipos: os estatais do setor de infra-estrutura e indústria pesada, as multinacionais da indústria de bens de consumo duráveis e as grandes empresas de capital nacional de bens de consumo não-duráveis e as empreiteiras. O que ficou conhecido como "tripé" (ignoram o último vencedor). Outros setores, como os latifundiários e banqueiros, apenas ganhariam compensações (programas especiais, subsidíos, a correção monetária, etc). Houve uma sangria de recursos de todos os setores da sociedade brasileira para que esses quatro "vencedores" fosse "vencedores". Mas esse modelo começou a ruir no fim da década de 1970 e início da de 80. Era o chamada crise do "milagre brasileiro". A década de 1980 foi uma época de instabilidade e crise.
Veio a década de 1990, iniciada com o governo Collor, promovendo a abertura econômica e inicio do processo de privatizações, na mesma época que fortalecia a globalização e se impunha o Consenso de Washington. Grandes grupos privados nacionais desapareceram ou foram comprados por multinacionais. As multinacionais mudaram a seus processos de produção, passando a importadores. As estatais eram desmontadas ou privatizadas. Mas desses escombros surge uma nova versão de vencedores. A ideia agora não era mais de um "tripé", mas de um setor do capital interno seria o campeão, o "vencedor", e esse lideraria a economia.
A versão que dominou no governo FHC era que o gestor do grande capital se faria sob ação de um mercado financeiro em fusão, monopolização acelerada e internacionalização. Assim houve as privatizações de estatais compradas por sua bez pelos bancos, acrescida de uma acentuada e feroz centralização bancária e venda de ações de empresas nacionais e das estatais que sobraram nas bolsas de NY e de Londres. Nisso vimos a emissão de ações da Petrobras e BB na bolsa de NY, o apoio aos bancos pré-falimentar com o PROER, a entrega de estatais (maquiada na forma de leilões de privatização) a bancos (Bradesco, fundos de investimentos, etc) e financistas amigos (Daniel Dantas, Mendonças de Barros, etc).
No caso do governo Lula, as grandes empresas do setor real da economia, vide o apoio a empresas como Perdigão, Sadia, fusão Oi-Brasil Telecom, apoio às compras da Vale lá fora, etc. Como mostra a ofensiva do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para estimular a concentração no mercado de vários setores. Obviamente, que essa versão do projeto de desenvolvimento, que não prioriza os bancos, teve que lhes criar uma compensação, encontrada na política rentista da gestão Meirelles a frente do Banco Central, as taxas de juros reais mais altas do mundo, mesmo na maior crise deflacionária da história em 70 anos.
Nas duas versões sobrou muito pouco espaço para as pequenas empresas e para os empregados e para a importância de equilibrar as relações comerciais nas cadeias produtivas como também uma visão do fornecedor e do consumidor. O pequeno empresário, que é responsável por 80% dos empregos e durante a crise do fim do ano passado e inicio de 2009 foi o que menos demitiu, tem dificuldades hercúleas para regularização, obtenção de crédito, etc. Temos um mercado interno ainda relativamente atrofiado em relação ao potencial, muito devido também a pouca produção voltada ao mercado de massa. Em um país com o mercado bancário mais avançado do mundo, temos uma das taxas de mortalidade de pequenas empresas que se aproxima de índices africanos. Temos o piores índices de qualidade de atendimento pelos concessionárias de serviço público.
Menos ainda houve espaço para os trabalhadores. Nessas duas últimas décadas a produtividade do trabalho no Brasil praticamente dobrou, enquanto que, de conjunto a participação massa salarial sobre a renda nacional fez o caminho inverso, caiu para praticamente a metade, e o salário real, exceto nos últimos 5 anos, caiu, indo a patamar pré-anos 80.
Em suma, os trabalhadores e os pequenos empresários foram os "perdedores".
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