quinta-feira, 13 de junho de 2013

Aumento na passagem de ônibus: lucros dos empresários acima da inflação e repressão às manifestações

por Almir Cezar *

Gráfico 1: Evolução das tarifas de metrô e ônibus em SP
desde 1994 em comparação a inflação (índice IPCA).
Uma onda de protestos contra o aumento das passagens de ônibus colocou em xeque as tarifas no Brasil: aumentos e a repressão acontecem porque o central é a necessidade de preservar os altos lucros das empresas de ônibus, e é isso possível porque os empresários são poderosos junto aos políticos e governos.

Há algumas semanas a Justiça diante de manifestações concedeu uma liminar que revogou o reajuste na cidade em Porto Alegre. Agora, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia anunciaram aumentos em suas passagens de transporte público.  No Rio de Janeiro, a tarifa subiu de R$ 2,75 para R$ 2,95. Mas o epicentro do momento é a cidade de São Paulo. O preço das tarifas de ônibus e metrô de São Paulo chegaram ao patamar de R$ 3,20 neste mês de junho, mas segundo as autoridades "abaixo da inflação".

Em meio às manifestações populares e o temor do impacto na inflação, o governo federal isentou as empresas de transporte público de dois tributos, o PIS e o Cofins, com objetivo de facilitar a queda dos preços das passagens. Os impostos zerados levaram Manaus, Campinas e Londrina a baixar a tarifa, mas algumas prefeituras ainda aumentaram o valor das passagens, como Rio e São Paulo. O Ministério Público apresentou proposta de suspender por 45 dias o reajuste, prontamente descartada pelo governador paulista Geraldo Alckmin, que prefere defender a ação da Polícia Militar de SP e criticar os manifestantes.

Por sua vez, segundo a prefeitura, caso fosse feito o reajuste com base na inflação acumulada no período, o valor chegaria a R$ 3,40. "O reajuste abaixo da inflação é um esforço da prefeitura para não onerar em excesso os passageiros", disse. Porém, ao longo dos anos, os reajustes nem sempre seguiram a inflação acumulada, o que gerou um “falso” valor da tarifa do transporte.

Apesar do argumento da prefeitura há uma grande discrepância entre os aumentos das tarifas em São Paulo, de acordo com a variação do índice IPCA da inflação (veja o gráfico 1).  Com uma inflação acumulada em 332%, a tarifa de ônibus deveria custar R$ 2,16 e do metrô, R$ 2,59, enquanto que os salários da maior parte da população não acompanharam a inflação.


Gráfico 2
A discrepância entre o custo do sistema e o quanto, como e quando se cobra por ele evidenciam que as decisões devem estar no campo político, não técnico. Em via de regra as planilhas que geraram a formação de preço da tarifa, altas e com reajustes sempre acima da média da inflação, usadas para os governos autorizar os aumentos, sempre contêm informações equivocadas e inconformidades nas fórmulas de cálculo da depreciação e remuneração da frota de veículos e do pró labore da diretoria das concessionárias, erros  nos cálculos relativos à desoneração da folha de pagamento e do custo de rodagem e reajuste majorado nos preços dos combustíveis.

O duro impacto do aumento no bolso da população fez até mesmo as manifestações extrapolarem os limites do próprio movimento. E as reações violentas da PM de São Paulo, acirrando os ânimos e provocando os manifestantes, levaram os protestos a se transformar em uma espécie de revolta popular. O que a grande mídia deliberadamente divulga imagens com manipulação das informações, afirmando que a cidade está sendo destruída por uma "horda de baderneiros", "vândalos", arruaceiros. Contudo, os aumentos e a repressão acontecem porque o central é a necessidade de preservar os altos lucros das empresas de ônibus, e é isso possível porque os empresários são poderosos junto aos políticos e governos.

Nenhuma mudanças apesar do péssimo serviço
Apesar dos reajustes acima da inflação, em geral, as empresas rodoviárias de passageiros não conseguem mostrar nem requisitos mínimos de atendimento à população, e nos últimos tempos seus serviços ainda pioram mais. É rotina, ao transitar pelas cidades, além da superlotação, ver dezenas de ônibus sujos e quebrados espalhados pelas vias, não cumprindo horários, mudando rotas ou simplesmente não circulando de madrugada ou fora de horários de picos. Para se capitalizar, chantageiam o Poder Público, com constantes atrasos dos salários de seus funcionários, reclamação sobre impostos e preço dos combustíveis, dívidas e débitos trabalhistas em aberto e o boicote a processos de licitação, tudo para conseguir aumentos nas tarifas bem acima da inflação.
As prefeituras e governos estaduais tiveram a oportunidade agora de mudar o sistema de transporte com as iniciativas das obras de mobilidade urbana com a Copa do Mundo, mas segue preservando e mantendo funcionando empresas insustentáveis e maléficas à população. 

Em verdade, em várias cidades os governos mais recentemente foram forçados a tentar implantar mudanças parciais no modelo, especialmente com a adoção de sistemas BRT (em inglês, "bus rapid transit"), um sistema integrado de linhas de ônibus, chamado de "tronco-alimentada" e por "bacia", semelhante aos ) ou BRS ("bus rapid service"), no qual haveria linhas principais ligando terminais e o território da cidade seria dividido em "bacias", onde cada empresa ao invés de administrar linhas, cuidaria de um trecho do território, alimentando os terminais. Mudanças que mantém a matriz rodoviarista e privatista no sistema de transporte.

Essa mudança parcial acontece porque até mesmo o atual sistema está se auto-inviabilizando a um ponto perigoso para o restante da própria burguesia da cidade, devido aos engarrafamentos infernais e os custos de transporte para suas cargas e mesmo de seus funcionários. Por sua vez, a  expansão da especulação imobiliária em várias regiões torna-se inviável pelos trânsito carregado e pela dificuldade de acesso pela carência do transporte coletivo. E ainda, afeta a circulação da burguesia em seus carros particulares, como na próprio negócio da venda desse bem.

Há porém uma questão de fundo por trás dos reajustes, a insistência no modelo privatizado e rodoviarista no transporte público de massa. Este modelo dá enorme lucros à burguesia dona das empresas de ônibus, embora com prejuízos a suas próprias empresas e a seus funcionários, e perdas maiores ainda aos usuários e ao trânsito da cidade. Obviamente que também dá enormes lucros às empresas automobilísticas multinacionais, talvez ainda maiores. Sendo portanto, a razão a preservação desse sistema e dá grande força dos empresários de ônibus.

Crise e poder do empresários do transporte público
O grande poder dos empresários de ônibus e a crise no transporte público pode ser medido de muitas formas. Tal estado de coisas se sustenta apenas porque os empresários de ônibus estão entre os principais financiadores das campanhas dos políticos nas eleições e nos maiores pagadores de propinas aos corruptos. Em Brasília mesmo, o próprio Valmir Amaral, principal controlador do Grupo Amaral, terceiro maior grupo de empresas transporte urbano de passageiros na cidade, denunciou na época do escândalo do governador Arruda (2009), que os empresários de ônibus da cidade haviam pagos uma "caixinha" milionária aos deputados distritais para aprovar uma lei de passe-livre que lhes favorecesse, e que continua ainda em vigor. 

Mesmo assim a crise é grande na setor. Recentemente (25/02) o Governo do Distrito Federal (GDF) realizou algo pouco usual, pôs os serviços das empresas de ônibus do Grupo Amaral sob "assunção", um termo técnico para intervenção na empresa. Apesar da fortuna da família Amaral, o serviço acumulou gravíssimas falhas a muito tempo. Neste episódio o problema na verdade deve ser maior do que o anunciado, senão o governo não interveria - a ação inclusive pode inclusive ter servido para mascarar isso. De fato, a "assunção" não se configura como uma intervenção, muito menos a necessária, e ainda o GDF perdeu a oportunidade de resolver o problema dos trabalhadores, funcionários e usuários, do sistema de transporte da capital do Brasil.

A tal "assunção" é apenas a intervenção na gestão das atividades permissionárias em mãos da empresa, no qual, o GDF para efetivar isso assume apenas o controle das atividades, mas não a posse dos recursos da empresa. E pode no futuro devolver os bens e linhas para os antigos donos do Grupo Amaral, sem prejuízo para eles. Ou mesmo pior, dar brecha para que essa empresa, ou outras que venham estar na mesma situação, exijam (e consigam) indenizações na Justiça. Isto é, a empresa continua proprietária dos bens e recursos da empresa, embora as atividades fique na mera supervisão direta pelo Governo, e por conseguinte poderá exigir compensações.

Um sistema de transporte adequado é possível
O transporte público tem a mesma característica econômica dos serviços públicos gerais, como saúde ou educação, para ser eficiente, efetivo e equitativo, pode ser que seja obrigado a operar com margens de lucros ínfimas ou mesmo em déficit, e teria que ter uma escala de operação tão grande, tão grande, que seria inviável que não se constitua sob forma de um monopólio público.

Por isso que mesmo na teoria burguesa muitos economistas afirmam que este deveria ser gerido pelo Estado, ou sob fortes subsídios públicos, que o inviabilizariam sob operação e gestão privada e atomizada. Mesmo nos EUA, conhecido como bastião da livre-iniciativa, na maioria de suas cidades, seus sistemas de transporte público são estatais e em muitos países europeus, o transporte coletivo é pago através do caixa dos impostos e não pelas tarifas. Não muito diferente do sistema público de saúde ou de educação.
Gráfico 3: Cidades brasileiras têm tarifas entre as mais caras
do mundo em relação renda média/tarifa média ponderada

Porém, aqui no Brasil se consegue que se viole esse princípio da teoria econômica, as empresas  privadas de ônibus obtêm altos lucros. Isto porque, além das altas tarifas, sempre reajustadas acima da inflação, estão cercadas de isenções de impostos e subsídios, e mesmo de socorro direto dos governos. A consequência é que as cidades brasileiras têm tarifas entre as mais caras do mundo. Além disso, há proibição da entrada de novas empresas, ou mesmo do assim chamado "transporte alternativo" (ou "pirata").

O fato que o transporte alternativo ser tratado com tamanha repressão pelo Estado e ser passível de confrontos, inclusive armado entre seus "empresários", semelhante à máfia ou tráfico de drogas, demonstra o quanto é lucrativo o mercado de transporte de passageiros em nosso país. Por sua vez, a sanha de repressão e violência à qualquer manifestação contrária ao aumento das tarifas, como vista agora nos protestos de São Paulo e Rio, demonstra o grau de cooptação dos governos pelos interesses dos empresários de ônibus. 

Outra coisa grande crítica ao atual modelo rodoviarista-privatista é a ausência de uma hierarquia viária entre as matizes de transporte de passageiro e de seu uso combinado e articulado, onde o transporte sobre trilhos são troncais e, por sua vez, alimentadas por outras formas, do ônibus articulado, até vans e mesmo bicicletas e locomoção à pé. Portanto, além da estatização do sistema de transporte, através da expropriação das empresas de ônibus com transferência às empresas estatais, haveria uma transformação estrutural profunda do sistema de transporte, com a priorização da modernização e expansão massiva do metrô, construção de linhas de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, um espécie de metrô leve de superfície, que lembra os antigos bondes) e de terminais de integração multimodal, acrescido do barateamento das passagens e até a construção de ciclovias e melhoria de calçadas e sinalização à pedestre.

Porém, o mais importante é colocar o sistema sob a lógica dos trabalhadores do sistema de transporte, tanto funcionários, como usuários: somente aqueles quem usam e trabalham sabem como funciona bem algo. Isso só é possível pela transformação da própria gestão do sistema, colocando-o sob a gestão democrática dos trabalhadores, sem a interferência da posse e das vontades dos patrões. Portanto, é preciso a retirada das empresas das mãos dos empresários e a gestão planejada, racional e democrática do sistema. Contudo, entendemos que, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad, apesar de ser de um partido que se autodenomina "dos trabalhadores", prefere aumentar as tarifas e apoiar a repressão aos manifestantes, ao invés de resolver o problema pela raiz, sobre quem é o problema: os empresários.

Porém,  não será possível mudar esse modelo em São Paulo ou em outro lugar à menos que haja uma transformação radical no próprio país. É preciso que tenhamos uma governo, que não governe para "todos", mas sim para os trabalhadores e pelos trabalhadores, pois aí sim teremos um sistema de transporte público eficiente e justo.

(Artigo Atualizado às 18h35)

(*) economista, especializado em planejamento econômico, orçamento público e desenvolvimento territorial

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