sexta-feira, 21 de junho de 2013

"Nós. Quem somos 'nós'. Quem são 'os outros' ?

por Rodrigo Souza

Este é um título de um ensaio de Immanuel Wallerstein. E é um bom mote para convidar os amigos e amigas a refletir sobre o momento histórico expresso nas manifestações pelo Brasil.

Perpassando nossa leitura das manifestações, passamos por caminhos do cômico, do estimulante e do preocupante. Às vezes misturado.

Vem em primeiro a indagação quanto ao que se pode conseguir no curto prazo. Mas a atenção verdadeira deve ser com os efeitos no médio e longo.

No curto, teremos: - alguns recuos nos aumentos de passagem. Mais importante, pressões contra as mancomunações das empresas com os políticos, em prol de mecanismos mais transparentes de regulação e operação do transporte coletivo. Quiça se isto estimular melhor qualidade para aumentar o uso coletivo.
- Maiores dificuldades para o congresso aprovar a PEC 37 e a “Cura Gay”, ou mesmo derrubá-las. Não se sabe o efeito sobre o Estatuto do Salazarismo ( com o truque de chamá-lo “do Nascituro”).
- Pressão efetiva para que fique mais difícil postergar ou driblar maiores investimentos percentuais na saúde e educação.
- Não há nada claro sobre algum efeito quanto a corrupção. Coisas como “não gosto dos corruptos” não quer dizer nada. Não vemos pressões efetivas para tratar dos mecanismos de financiamento de campanha, presença de lobbistas ou o sistema de emendas parlamentares orçamentárias. No máximo, maior constrangimento de alguns dos maestros da corrupção, afora algo que tantos esquecem: os corruptores.


Não visualizo nada mais quanto ao curto prazo, a não ser o impacto eleitoral sobre alguns caciques locais.

Foi engraçado observar algumas coisas; algumas pessoas nos deixaram a imaginar saindo de casa, empolgados, pensando no quê iria escrever no cartaz, na camisa, no corpo, até que “ah, escreva 'xô corrupção'”. Alguns estudantes simplesmente querendo mostrar que estão “chateados” (hum?...). Muitos mesmo só indo no embalo. Faz parte, e deixa até com mais cores divertidas os protestos. Alguns apetrechos bem criativos, e mesmo frases de efeito, como aquela que questiona o Ronaldo se ele foi parido num hospital ou na marca de escanteio.

Um misto de estimulante com preocupante é o quanto, “nunca antes na história destepaís”, tantas pessoas críticas com as grandes corporações de comunicação. O quanto estão se dando conta de que se recorta e manipula e moldura para darem o seu viés mais conveniente, e o cinismo que impera nestes canais. Poucos já se deram conta de que o viés deles não é apenas corporativista, mas desigualitário e plutocrata. O que se preocupa mais é a constatação do quanto se penetrou na alma das pessoas o discurso destas corporações, pois mesmo enquanto críticos, foram poucos que conseguiram a partir daí pensar fora da caixa; muitos, muitos reproduziam quase como papagaios de pirata as pautas e os direcionamentos que estas corporações dão ao debate público. Pode ser que haja uma luz no fim do túnel agora.

Mais preocupante é a ação organizada agora dos extremismos fanáticos. Não falo de bandidos comuns, pessoas violentas amorais, tirando proveito para saquear e quebrar por diversão e interesse próprio. Não falo de quem vai no calor da massa e perde a consciência. Não falo de quem não se toca que é absurdo questionar que dinheiro para prioridades vão para a Copa, enquanto causam prejuízos que terão que ser cobertos com recursos públicos. 

Trato dos extremismos de esquerda ( travestidos de autoproclamados “anarquistas” ou “maoístas”), de centro (fascistas) e de direita (neonazistas, ultrademófobos, ultraconservadores linha “CCC”, fundamentalismos eclesiásticos). Quanto aos últimos, me indagava até quando se contentariam em falar para si mesmos sobre os arruaceiros “comunistas” - consideram que tudo o que não seja eles é comunismo – subvertendo a ordem, os símbolos nacionais, etc., e partiriam para ação, seja partindo para agressão a pessoas de movimentos organizados, seja instigando a polícia contra os demais, seja buscando formas de desmoralizar os protestos para as pessoas em casa clamarem pela “ordem”. Bom, o “quando” acabou. E a não ser que pessoas se organizem denunciando e expondo-lhes, eles irão continuar.

O estimulante é constatar que agora o “gênio saiu da lâmpada” também no Brasil. Pois tudo isto que vem ocorrendo só vem ocorrendo por ser um fenômeno da manifestação do período histórico no qual o mundo entrou. Há pouco, nos anos 90, após a queda da Cortina de Ferro, se dizia sobre o “Fim da História”. Até hoje há alguns espíritos pequenos e comezinhos que ainda acreditam que o mundo entrou na configuração definitiva de seu arranjo civilizacional. E pelo contrário, foi justamente ali que se acirrou um período de transição. E vemos se manifestar no cinismo e descrença geral nos discursos de legitimidade e reivindicação tradicional das instituições. Na crise de representatividade. Que refletem, por sua vez, a incerteza e instabilidade ressoando nas almas das pessoas. Há o efeito contágio, e os governantes e os poderosos do mundo temem; muitos assistem atônitos e aterrorizados o que vem acontecendo no Brasil, já perguntando-se: “e quando será aqui?”. 

A comunicação hoje acelera contestações expressões coletivas de insatisfação em regiões que demorariam muito mais a acontecer e o povo desacomodar. Muitos veem isto como o “excesso de democracia”, como o presidente da FIFA; tantos outros como revelação de que não se efetivou verdadeiramente a democracia. E tudo será como agora: difuso, complexo, com contradições internas disseminadas e não binárias, heterogêneo e de difícil classificação sistemática. Iremos ver manifestações dignas de aplausos; iremos ver manifestações grossas de xenofobia, intolerância, ódio/medo. Tudo isto imiscuído com impactos de novas tecnologias de comunicação, em genética, neurobiologia, etc., que estão incubadas mas só farão aumentar a sensação de incerteza e imprevisibilidade da vida. 

Estamos em transição, só que sem um direcionamento horizontal. E muitos barris de pólvora com pavios curtos. Não há o que convencer as pessoas mais a ter paciência, com apelos a “processos de desenvolvimento”, “progresso”, “revolução”. Poderemos estar adentrando a algumas décadas em que reivindicar uma “vida normal” seja um luxo, um mimo. A insegurança captará a todos nós. Os altos escalões do poder, a rede da vida material de nós, pessoas comuns. E ficará cada vez mais inadministrável à medida que os jogos e mancomunações ficarem mais expostas. No mundo político, no mundo financeiro, corporativo, geopolítico, comunicações, científico, religioso, e na esfera civil.

Então o horizonte está aberto. Há muitas razões para o medo e até o pessimismo. Quem imprimirá os direcionamentos para o caráter do que há de vir quando uma nova forma de sociedade ganhar corpo? Em nome de quê? Servindo a quais interesses e valores?

A razão para otimismo não é “enfim, a mudança para algo efetivamente e sustentavelmente melhor virá”. Não. Não há margem para o utopismo. Não há garantias. Mas, sim, para o otimismo “enfim, é possível. Temos responsabilidade com esta oportunidade”.

“Somos todos judeus alemães; somos todos árabes palestinos”.

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