A chave para um transporte público, gratuito e de boa qualidade
são as planilhas de custos e o orçamento público
por Almir Cezar
Assustado com os protestos, prefeito de São Paulo Fernando Haddad, anunciou suspender reajuste no preço das passagens, porém, ainda mantém o discurso fiscalista, e insiste em que o aumento do subsídio às tarifas de transporte urbano deveria compensado. Contudo, essa Prefeitura destina R$ 3 bi/ano a gasto financeiro, esse gasto com juro é 60% do passe livre.
Porém, o problema do preço da passagem não está no baixo subsídio, mas em reajustes acima da inflação, mantendo ou ampliando a margem de lucro dos empresários rodoviários. No Rio passagem corrigida pelos custos, custaria R$ 2, e não R$ 2,75 tanto pela inflação, como pela qualidade do serviço.
Por sua vez, gastos de R$ 7 bilhões com estádios seriam suficiente para executar projetos de 1,4 mil km de ferrovias, e apenas a diferença entre o orçamento inicial das arenas e a despesa final, daria para ampliar enormemente a rede de metrô nessas cidades.
Portanto, um transporte público, gratuito e de boa qualidade é possível
Haddad e Alckimin voltam atrás
A pressão sobre o prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin aumentou depois que governos de várias cidades do país reduziram os preços das passagens. Várias cidades já haviam anunciado a redução de norte a sul do país: Blumenau (SC), João Pessoa (PB), Foz do Iguaçu e Curitiba (PR), Recife (PE), Cuiabá (MT), Porto Alegre e Pelotas (RS).
Apesar de revogar o aumento no valor na passagem, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad,com o discurso fiscalista, ainda alega que os usuários paulistanos arcam com 70% dos custos do sistema, sendo o restante dividido entre poder público (20%) e empresários (10%), e portanto seria compensado ou com aumento nos impostos ou redução dos gastos em outros serviços públicos.
Nos Estados Unidos, porém, esse subsídio é bem maior. Segundo a Associação de Transporte Público dos EUA (APTA, na sigla em inglês) os usuários norte-americanos desembolsaram, em média, pouco menos de 33% dos custos operacionais em 2011.
Quando da revogação no aumento das passagens no Rio de Janeiro, tanto pelo governo do estado como pela prefeitura municipal, anunciada nesta terça-feira pelo prefeito Eduardo Paes, este disse que a medida geraria um ônus anual com subsídio de mais R$ 200 milhões, que deveria ser coberto com redução de "investimento". E que a tarifa zero não seria possível, alegação repetida pelo prefeito de SP Haddad.
Tarifa zero é totalmente possível
A adoção da tarifa zero na cidade de São Paulo custaria segundo a conta da própria prefeitura R$ 5,5 bilhões ao ano. Contudo, a Prefeitura gasta cerca de 60% desse valor com pagamento de juros com a rolagem da dívida à União. Todo ano essa mesma prefeitura gasta R$ 3 bilhões com uma dívida injustificável e impagável, enquanto que o Estado de São Paulo despende anualmente R$ 13 bilhões com a dívida.
Em 1997, o Estado de São Paulo renegociou suas dívidas, que estavam em R$ 41 bilhões. Já pagou R$ 68 bilhões e ainda deve R$ 177 bilhões à União. No caso da Prefeitura de São Paulo, a dívida refinanciada em 2000 era de R$ 11 bilhões, e mesmo tendo pago à União R$ 19,5 bilhões, ela atingiu absurdos R$ 53 bilhões em 2012.
Por sua vez, a União paga ao ano mais de 45% do seu orçamento geral com pagamento e rolagem com juros da dívida pública. Ao total, o Brasil transfere de recursos públicos 17% do PIB aos rentistas, acrescido da dívidas privadas esse percentual chega a 30%, isto é, quase 1/3 da riqueza nacional, que abastece nem 0,1% das famílias brasileiras.
Levantamentos do movimento Auditoria Cidadã da Dívida apontam que 80% dessa dívida já foi paga ao longo dos anos, em base aos critérios legais em vigor. A manutenção se presta a manter mecanismos similares à agiotagem.
O segredo está nas planilhas
Em via de regra as planilhas que determinam o preço da tarifa apresentas pelas empresas, altas e com custos reajustados sempre acima da média da inflação, usadas para os governos autorizar os aumentos, sempre contêm informações equivocadas e inconformidades nas fórmulas de cálculo da depreciação e remuneração da frota de veículos e do pró-labore da diretoria das concessionárias, erros nos cálculos relativos à desoneração da folha de pagamento e do custo de rodagem e reajuste majorado nos preços dos combustíveis.
A eliminação dessas inconformidades, como também a redução (ou supressão) da margem de lucro, é outra forma de determinar um preço menor ou mesmo zerar a tarifa. Porém, não vem sendo explorada pelo movimento Passe Livre, muito menos lembrada pelos governos.
Corrigida pelos custos, passagem no Rio custaria R$ 2
Segundo alguns cálculos a passagem de ônibus no Rio custaria R$ 2, em vez de R$ 2,95 (após o reajuste) ou R$ 2,75, valor anterior e restabelecido nesta quarta-feira pela Prefeitura da cidade.
As tarifas cobradas são largamente incompatíveis com o comportamento dos custos das empresas de ônibus. Segundo o Ministério das Cidades, o preço dos combustíveis subiu 424,0% entre janeiro de 1995 e junho de 2013, enquanto o salário mínimo cresceu 868,6%. Isso equivale a aumento de 604,9% no custo das empresas, inferior em 130 pontos ao reajuste concedido no período (742,9%).
No Rio de Janeiro, uma pessoa que ganhe o mínimo (R$ 678,00), na melhor das hipóteses, gastará, em média, R$ 123,90 por mês, ou 18,3% do seu salário mensal. A Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 do IBGE aponta que 16% das despesas mensais das famílias se destinam ao transporte, atrás só de alimentação e habitação.
Cidades brasileiras têm tarifas de transporte, um serviço público desde sempre privatizado, entre as mais caras do mundo em relação renda média/tarifa média ponderada.
O serviço de transportes nas cidades brasileiras não atendem a nenhum dos oito requisitos da Lei 8.987/1995, sobre concessão de serviços públicos: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. A discrepância nas cidades brasileiras entre o custo do sistema e o quanto, como e quando se cobra por ele evidenciam que as decisões devem estar no campo político, não técnico.
Apesar dos reajustes acima da inflação, em geral, as empresas rodoviárias de passageiros não conseguem mostrar nem requisitos mínimos de atendimento à população, e nos últimos tempos seus serviços ainda pioraram mais. É comum ao transitar pelas cidades, além da superlotação, ver dezenas de ônibus sujos e quebrados espalhados pelas vias, não cumprindo horários, mudando rotas ou simplesmente não circulando de madrugada ou fora de horários de picos. Além de pagar salários relativamente baixos para motoristas e cobradores.
Para se capitalizar ainda mais, chantageiam o Poder Público, com constantes atrasos dos salários de seus funcionários, reclamação sobre impostos e preço dos combustíveis, dívidas e débitos trabalhistas em aberto e o boicote a processos de licitação, tudo para conseguir aumentos nas tarifas. E ainda, os empresários de ônibus estão entre os principais financiadores das campanhas dos políticos nas eleições e nos maiores pagadores de propinas aos políticos e burocratas corruptos.
Sem legado com a Copa
A Copa das Confederações, evento teste para a realização do mundial de 2014, evidenciou a incoerência dos gastos do governo. Com filas em hospitais, falhas na educação e problemas de infraestrutura históricos, os investimentos do governo para os megaeventos esportivos tornaram-se um dos principais alvos dos protestos.
E ainda as prefeituras e governos estaduais tiveram a oportunidade de mudar o sistema de transporte no Brasil com as iniciativas das obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo, mas segue preservando e mantendo funcionando empresas insustentáveis e maléficas à população, sob a lógica rodoviarista e privatista, controlado por meia dúzia de família proprietárias de empresas de ônibus.
A realização da Copa do Mundo vai custar R$ 28 bilhões. Desse total, segundo o Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU), R$ 8,9 bilhões estão previstos para mobilidade urbana, R$ 7 bilhões para aeroportos e R$ 2,2 bilhões para segurança pública, aplicações que deixariam legado, mas que estão custando a sair do papel. Apenas 12,7% dos recursos destinados a esses itens específicos foram executados e menos da metade está contratado.
A construção dos 12 estádios, por sua vez, já tem 60% dos recursos executados e 96% contratados. Ao todo, R$ 7,1 bilhões estão orçados para os “monumentos do futebol”. Com os recursos destinados às arenas da Copa do Mundo de 2014, seria possível construir 8 mil escolas para as séries iniciais do ensino fundamental ou adquirir 39 mil ônibus escolares. Além disso, 28 mil quadras poliesportivas poderiam ser instaladas ou modernizadas para o esporte educacional.
Em outras comparações, os R$ 7,1 bilhões investidos nos estádios poderiam também ser utilizados para a construção de 2,84 mil quilômetros de trechos rodoviários, mais da metade da extensão da BR-116, a principal rodovia brasileira, passando por dez estados. O montante também pode ser equiparado a construção de 1,42 mil quilômetros de trechos ferroviários. Na área social, o valor aplicado nos templos do futebol equivale a aproximadamente 128 mil casas populares do programa Minha Casa, Minha Vida.
Campeão em 'saltos orçamentais'
Além da questão das opções, há também a questão da explosão dos orçamentos com as obras. Nessa Copa, o Brasil pode sair sem o caneco, mas sairá como verdadeiro campeão em "saltos orçamentais". O valores previstos na maioria das arenas ficaram quase 30% mais caras, embora no anúncio de que o país seria sede havia a promessa que as arenas seriam totalmente custeadas pela iniciativa privada, o que não aconteceu.
O estádio do Maracanã no Rio o valor inicial era R$ 800 milhões e terminou em R$ 1,3 bilhões. Não diferente do Estádio Nacional de Brasília estimando no mesmo valor e que alcançou R$1,1 bi, com uma capacidade de 70 mil torcedores, embora o campeonato estadual de futebol não tenha alcançado 7 mil ingressos vendidos por jogo. Apenas com a diferença dava para construir 100 km de linhas de metrô em cada uma dessas cidades. Porém, tudo drenado pelas empreiteiras através do desperdício e superfaturamento.
Com informações:
* Auditoria Cidadã da Dívida
* Portal da Transparência
* Jornal Monitor Mercantil
* Contas Abertas
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