domingo, 28 de junho de 2009

Por democracia no transportes públicos

continuação do artigo VLT: alternativa de transporte sobre trilhos para os trabalhadores 
                                                                                                                          
por Almir Cezar Filho

Agora, mais do que um discussão sobre qual matriz ou modal de transporte urbana é o melhor, até porque não estamos fazendo aqui uma elegia do VLT (não represento o lobby desse modal nem desejo sê-lo), o que se deve fazer é uma discussão sobre democratização das políticas sobre transporte.

Por democracia no transporte público

Até hoje a organização do sistema de transporte no Brasil é feito em gabinetes da burocracia ou nos corredores dos parlamentos, nunca em plenários de audiências públicas e debate onde estudos documentais tanto estatísticos, teóricos e prospectivos são confrontados. Em geral, os trabalhadores do setor, os usuários e os moradores das comunidades e suas respectivas entidades não são ouvidas. No Brasil sempre imperou a solução de mercado e força dos lobbies das grandes empresas na questão do transporte.

Na metade do século XX com aceleração da urbanização as cidades viram perder seus transportes sobre trilhos, bondes e trens suburbanos, em geral em mãos de empresas estatais ou privadas à beira da estatização para liberação do emprego de linhas de ônibus. Vimos a pulverização do sistema de transporte em cada cidade, sendo portanto controlado por cartéis locais de empresas. Nossas ruas entupidas de linhas de ônibus sobrepostas e o ar poluído pela carburação dos motores à diesel. Enquanto que bairros inteiros sem nenhuma linha ou vítimas de ônibus lotados ou em pouquíssimos horários.

Linhas de ônibus eram criadas não por estudo e licitação de concessão, mas por pedido e permissão de empresas pelos governos municipais e estaduais. Passagens, que deveriam ser tarifadas a partir de decisão do Poder Público, ficaram sujeitos a caixa-preta de planilhas cujos valores de custos são majorados pelas empresas. O direito ao passe-livre a parcela da população que a precisa ficou sujeita ao beneplácito do conluio das empresas e dos tribunais.

Toda a vez que um governo local se insurgiu contra as empresas (não discutamos o motivo), tentando a criação de empresas públicas, sofriam a represália e resposta ideológica da "interferência no livre mercado". Não esqueçamos que em qualquer lugar do mundo, mesmo no Brasil, transporte urbano não é uma atividade sob as regras do livre mercado, come inúmeros benefícios fiscais e legislação protecionista.

A questão que a alternativa de livre mercado, onde as empresas agiriam atendendo de maneira ótima a população pela concorrência, ao invés de ônibus com ar condicionado e demais confortos, vemos como resultado sobreposição de linhas entupindo ruas e avenidas, superlotação e falta de ônibus em vários horários, linhas e bairros como por fim a própria falência de empresas. Outro resultado é a entrada das vans, que reprimidas pelo Estado, instigado pelos empresários de ônibus, acabaram sendo controladas por máfias, à medida que ficaram na ilegalidade.

Vimos ainda a paulatina extinção do cargo de trocador, o surgimento da dupla função do motorista-trocador, o aparecimento da bilhetagem eletrônica e a limitação do acesso ao passe-livre pela passe eletrônico, com contagem do número de viagem por usuário.

Essas dificuldades tanto prejudicaram os usuários que estudos mostraram que no Brasil houve redução do número de passageiros, que optam mesmo por andar a pé, levaram que vários cartéis do transporte optem por aceitar a organização de seus respectivos sistemas pelo Estado ou que o Estado ou empresas concedentes operem pelo menos a parcela de massas do transporte local.

Vimos o aparecimento de poucos metrôs e trens urbanos, sempre com linhas curtas e superlotadas, quando não associados a privatização e suas tarifas altas. Também surgiram experiência de Curitiba de linhas especiais de ônibus funcionando como um substituto ao metrô, mas também foram surgindo e disseminando-se sistemas integrados ou semi-integrados como o de Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Uberlândia, etc.

Os sistemas integrados permitiram pela primeira vez uma abordagem integral e sistêmica do transporte urbano de passageiros. Permitiram o usuário pagar menor número de tarifas em caso de baldeação, reduzir a sobreposição de linhas e coordenar a circulação dos veículos. Mas trouxeram promessas não cumpridas como menor tarifa e fim da superlotação. O que de fato ocorreu foi que o planejamento central pôs fim a luta da concorrência entre as empresas. E também na maioria dos casos a unificação ficou restritas as linhas de ônibus, outros modais especialmente sobre trilhos ficaram de fora ou sub-aproveitados, enquanto que, as vans e ciclovias ficaram totalmente esquecidas.

Além disso, o que seria natural em um sistema integral não acontece, o excedente financeiro das linhas mais lucrativas não é repassado a operação das linhas deficitárias (com menor número de passageiros) e na implantação de melhorias e de novos modais, principalmente de grande volume de passageiros.

É nesse contexto que linhas troncais do sistema integral são em geral operados por ônibus articulados pois não foi tirada das mãos das empresas de ônibus seu controle sobre o transporte, apenas colocadas sob tutela do estado. Assim o que seriam o principal eixo dos sistemas integrais, e deveria ser operado por transportes de massas, em especial sobre trilhos, tornam-se vítimas de um fator limitante do número de passageiros transportados.

Além disso, as tarifas, número de veículos circulando, horários de circulação, linhas e tipos de modais, tipos de veículos, em resumo tudo ainda são definido nos gabinetes. As pessoas continuam se exprimindo nos veículos, esperando horas nos pontos (e agora nos terminais) e pagando passagens caras. O que temos portanto são sistemas integrados que mais prejudicam os usuários e trabalhadores do que beneficiam. Puseram fim no que havia de bom na livre concorrência (a competição que forçava as empresas a melhorias para buscar o "consumidor") e não puderam constituir condições a usufruir dos benefícios da unificação do sistema. Além do que proporcionam um processo de estrangulamento muito rápido de sua capacidade e eficiência.

O principal fator a se resolver é o planejamento central democrático nos sistemas integrais, onde usuários e trabalhadores decidam os rumos e a estrutura dos respectivos sistemas. Complementados por uma unificação geral dos modais de transporte, incorporando o transporte pesado de passageiros, especialmente de trilhos, quando não o implantando.

Unificação geral verdadeira incluí mexer a fundo, sem melindres quanto a causar prejuízos ou ferir interesses aos donos das empresas de ônibus. Passa pelo abandono da lógica empresarial na gestão do transporte e a criação de empresas públicas, mesmo que passe pela desapropriação.

Nesse contexto, fica mais fácil apontar o VLT como sistema mais eficiente, alternativo quando identificado mais adequado ao metrô e ao ônibus - entraria justamente aí como alternativa nas metrópoles médias ou em linhas de massa de médio porte - como aconteceu nos países da Europa e América do Norte, e as várias promessas por inúmeros e sucessivos governos de sua implantação pelas cidades saiam do papel, pois não serão abortados por lobbies e interesses ameaçados. Assim, o VLT é uma alternativa dos trabalhadores e usuários de transporte coletivo, e só será implantado de fato, pela ação deles.

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