Para dobrar a renda per-capita em 15 anos
por José Luis Oreiro,
no Jornal Valor Econômico
Recentemente participei do 10º Fórum de Economia de São Paulo, cujo tema principal diz respeito à estratégia necessária para que o Brasil possa dobrar a sua renda per-capita em 15 anos. A taxa de crescimento da renda per capita requerida para tanto é 4,66% ao ano. Considerando que a população brasileira cresce anualmente em torno de 0,6%, o PIB terá que crescer a taxa de 5,26% ao ano durante todo esse período. Como nos últimos 20 anos (1992-2012) o crescimento médio da economia brasileira foi de 2,96% ao ano, para dobrar a renda per-capita brasileira num espaço tão curto de tempo seria necessário aumentar a taxa de crescimento do PIB em quase 80%.
Dado que a taxa de desemprego da força de trabalho se encontra atualmente em torno de 6%, número próximo a uma situação de pleno emprego, uma aceleração dessa magnitude na taxa de crescimento do PIB real só será possível por intermédio de um aumento significativo da produtividade do trabalho, o que exige um aumento bastante expressivo do investimento, dado que as novas tecnologias vêm, em geral, incorporadas em novas máquinas e equipamentos.
Tomando como base o modelo de crescimento Harrod-Domar, e supondo uma relação capital-produto igual a 3 e uma taxa de depreciação do capital fixo igual a 3,5% ao ano, a taxa de investimento requerida para dobrar a renda per-capita em 15 anos é de 26,28% do PIB.
Aumento de quase 80% do PIB só será possível com expressivo aumento da produtividade do trabalho
Quais são as políticas que podem ser adotadas para induzir um ritmo mais forte de acumulação de capital e, por conseguinte, um crescimento mais acelerado do PIB real?
Embora o lado da oferta da economia possa ser relevante em algumas situações para explicar as restrições ao crescimento de longo prazo, o autor deste artigo acredita que a restrição fundamental ao crescimento se encontra no lado da demanda da economia. Existem bons argumentos teóricos e fortes evidências empíricas a favor da hipótese de “demand-led growth”. Nesse contexto, a restrição ao crescimento de longo prazo é dada pela condição de equilíbrio do balanço de pagamentos a qual dá origem a assim chamada “lei de Thirwall”, segundo a qual a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio de longo prazo do balanço de pagamentos é igual à razão entre a elasticidade-renda das exportações e a elasticidade- renda das importações, ambas multiplicadas pela taxa de crescimento da renda mundial.
Até recentemente a literatura de “demand-led growth” desconsiderava a existência de uma relação entre as elasticidades-renda e o nível de taxa real de câmbio. Contudo, os economistas ligados à macroeconomia estruturalista do desenvolvimento têm argumentado a favor da existência de uma relação entre o nível da taxa real de câmbio e as elasticidades- renda do modelo de Thirwall. Mais especificamente, argumenta-se que desvios da taxa real de câmbio com respeito ao nível de equilíbrio industrial resultam em mudanças perversas na estrutura produtiva do país (e no ritmo de acumulação de capital) e nas elasticidades-renda das exportações e das importações, as quais dão ensejo a uma redução da taxa de crescimento compatível com o equilíbrio no balanço de pagamentos.
A relação entre câmbio real e investimento foi corroborada com base num modelo de dados em painel, desenvolvido pelos pesquisadores do grupo de estudos de “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento” do departamento de economia da UnB, Flavio Basilio e Gustavo Souza, para 30 setores da indústria de transformação e extrativa brasileira no período compreendido entre 1996 e 2007. Nesse modelo constatou-se que o (log da variação do) investimento em capital fixo por trabalhador é positivamente influenciado pela (log da variação da) taxa real efetiva de câmbio, negativamente influenciado pela (log da variação da) volatilidade da taxa real de câmbio, positivamente influenciado pelo (log da variação do) Q de Tobin, negativamente influenciado pelo (log da variação da) TJLP e negativamente influenciado pelo (log da variação do) custo unitário do trabalho. Outro resultado interessante do modelo econométrico é que a influência positiva do câmbio sobre o investimento por trabalhador não depende do grau de intensidade tecnológica do setor analisado, de maneira que o investimento de setores de média-alta intensidade tecnológica – como, por exemplo, fabricação de produtos químicos – também é negativamente afetada pela apreciação da taxa real de câmbio.
Os resultados do modelo econométrico mostram que, para aumentar de forma significativa o investimento em capital fixo, é urgente uma mudança na política cambial brasileira no sentido de permitir uma expressiva desvalorização da taxa real de câmbio, ao mesmo tempo em que se reduz consideravelmente a volatilidade cambial. Se tomarmos como base a relação taxa real efetiva de câmbio/salário prevalecente em maio de 2005, período no qual a indústria brasileira de transformação ainda não apresentava sinais de perda de competitividade, a sobrevalorização cambial existente hoje na economia brasileira é da ordem de 48%.
Dessa forma, é urgente que se discuta seriamente a adoção de um regime de “crawling peg” ativo no qual o Banco Central fixe uma taxa mensal de desvalorização do câmbio nominal de forma a eliminar essa sobrevalorização cambial num período de 2 a 3 anos. Para evitar movimentos especulativos no mercado de câmbio sugere-se também a adoção de controles temporários à saída de capitais do país, combinados com a regulação das operações de derivativos cambiais. Por fim, para reduzir o efeito inflacionário da desvalorização cambial é necessária a mudança do regime fiscal, com a adoção de um sistema de meta de poupança pública, de forma a se alcançar, a médio-prazo, uma poupança pública como proporção do PIB da ordem de 5%.
José Luis Oreiro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e presidente da Associação Keynesiana Brasileira.
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