segunda-feira, 11 de julho de 2011

A serviço de quem estão os mega-eventos e a atual reforma urbana?

Eduardo Araújo e Sérgio Luiz, do Movimento Resistência Urbana e da CSP-Conlutas

Bairro do Caju, Parque Alegria, próximo a entrada da Linha Vermelha pela Avenida Brasil, local onde D. João VI tomava banho[1]. Hoje local de moradia, há 50 anos, de Dona Maria de Lurdes, de 85 anos de vida. D. Maria chegou ali em 1960 como migrante de Campina Grande, na Paraíba, talvez ainda sonhando com as promessas do velho populismo de desenvolvimento do Brasil Grande.

Depois de 48 anos morando no Rio de Janeiro, em 2009, D. Maria assistia pela tevê à comemoração, juntando Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Lula que abraçados diziam que as obras e os investimentos para os Jogos Olímpicos seriam a redenção do Rio de Janeiro. Mas Dona Maria, paraibana de nascimento, e que adotou o Rio como a sua terra ficou com uma pulga atrás da orelha - chegara no local onde mora e vira tantas promessas de melhorias, “melhorias” anunciadas ao longo do tempo, como a construção da Linha Vermelha, que de uma tacada só removeu cerca de 100 família – mandando vizinhos de décadas para longe de seu convívio.

A situação descrita acima é emblemática da impactante reforma urbana que tem sido levada a cabo na cidade do Rio de Janeiro. Tudo por conta da proximidade de dois dos maiores megaeventos esportivos mundiais: A Copa do Mundo de Futebol de 2014 e as Olimpíadas do Rio de 2016. Em nome de uma suspeita ‘revitalização’ (palavra da moda) a capital fluminense tem atraído altos investimentos para a realização de grandes obras na região portuária do Rio; a construção da linha 4 do Metrô em direção a Barra da Tijuca; o corredor viário ligando o Aeroporto do Galeão à Barra, o teleférico do Morro do Alemão à Vila Cruzeiro e etc.


Não é outro o motivo da sucessão de viagens internacionais feitas pelo governador Sérgio Cabral e pelo prefeito Eduardo Paes, atuando como vendedores. No caso, o produto é uma cidade, a sua imagem, para ser vendida para quem esteja disposto a comprá-la.

Para ‘vendê-la’ estes senhores não hesitarão em investir um bilhão de reais para reformar provisoriamente (!) o Maracanã e outro bilhão para implodir o viaduto da Perimetral (uma obra feita na década de 60, já sob uma ótica rodoviarista, avalizada por Le Corbusier, o mesmo que dizia não gostar de gente na rua, “rua é pra carro”). O objetivo é melhorar a visibilidade desta região da cidade (pois o viaduto esconde a bela visão da região portuária e da Baía de Guanabara) para atrair investimentos nos quais possam ser ‘sócios’ minoritários.

Essa tal ‘revitalização’ tem servido a um sistema de dominação regional, que une os que detêm o controle do aparelho estatal e que articulam a rotina da política paroquial - como a Assembléia Legislativa e a Câmara Municipal de Vereadores, instituições sob hegemonia governista que dão legitimidade e foro de legalidade as maiores traquinagens com os recursos públicos.

Uma ‘santa aliança’
No que se poderia chamar de uma “santa aliança”, entre políticos e a especulação imobiliária, estão desde as ordens católicas como os beneditinos (donos desde o século XVI de boa parcela dos terrenos e imóveis situados no que é hoje o entorno que pega a Avenida Rio Branco, a Praça Mauá e a Presidente Vargas), até grandes incorporadoras imobiliárias e passando pelos fundos de pensão das estatais, que fazem altos investimentos (numa espécie de bolha imobiliária no Rio de Janeiro) - fundos estes controlados majoritariamente pelos setores cutistas, em cotoveladas com setores do PMDB. Essa associação do aparelho estatal, com uma burocracia sindical-rentária e com agentes privados[2] usa como meio para se concretizar as PPP´s - Parcerias Públicos Privadas.

De outra forma, o Estado do Rio, através do tão propalado reerguimento da indústria naval e dos esforços para a descoberta do pré-sal, também está organicamente vinculado aos interesses da indústria petrolífera (seja com Petrobrás e suas subsidiárias; seja com as empresas privadas multinacionais).

Além disso, o aparelho estatal tem favorecido aos interesses das empresas de transporte público, de empresas da construção civil, de grandes fábricas poluidoras e ONG’s vinculadas a “projetos sociais”, usando o seu ‘controle’ sobre o Tribunal de Justiça (estratégico por seu vínculo com os cartórios que lidam com escrituras e registros de bens imóveis), o Detran (Departamento Estadual de Transportes) e o Inea (Instituto Estadual de Meio-ambiente).

Desta forma o aparelho estatal tem feito diretamente o meio de campo entre os interesses estrangeiros e os paroquiais. Em nome de um consenso forjado pelo bem do desenvolvimento que trará empregos e rendas ao povo trabalhador o governo do PT-PCdoB-PMDB, aliado com segmentos vinculados ao fisiologismo e outros grupos associados[3], articula a imposição dos artifícios das OS’s. Com esse nome ONG’s e empresas privadas se disfarçam de “organizações sociais”, usando o mote da eficiência e fazendo coro com o discurso de incapacidade da gestão pública, para privatizarem saúde, educação, esporte, cultura, lazer, e etc.

Vemos como exemplo de uma política de apropriação privada de bens públicos, pelo modelo de gestão apregoado por essas OS’s, as grades colocadas nas calçadas e praças públicas tomadas de publicidade da marca cidadã. As grades no Teatro Municipal, pelo lado da rua 13 de maio, representam bem isso. Assim também como as grades dos condomínios privados espalhados pela cidade. Isto para falarmos da realidade do ‘cidadão comum’ que transita pelas ruas do Centro do Rio e pelos bairros nobres.

Absurdo tão grande como o pacote pesado dos licenciamentos ambientais emitidos na gestão do petista e renomado militante ambientalista Carlos Minc para a CSA (pertencente ao grupo Tyssen-Krüpp), o COMPERJ e o Porto de Açu; concedendo permissões para desmatamento de áreas sob proteção ambiental e emissão de gases tóxicos em áreas urbanas.
Divulgando dados
Dados estatísticos da própria FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), baseados nos investimentos a serem realizados com vistas a Copa de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016, mostram que o Rio de Janeiro manterá um sistema de transporte ainda pouco integrado e considerado de baixíssima qualidade no que diz respeito a quantidade de passageiros e as condições de mobilidade urbana, que continuará a privilegiar o modelo rodoviarista de circulação (caro, excludente e poluente). E assim privilegiando a manutenção da lucratividade das concessionárias desses serviços e da indústria automobilística. E que de quebra ainda ganharão os serviços sob concessão privatizados, como o Metrô e a Supervia, que receberão grandes investimentos, através da garantia de compras de equipamentos (pelo estado) e de empréstimos subsidiados (via BNDES). Enquanto isso segue uma enorme super-exploração do trabalho sob condições precárias e sem direito a liberdade de atuação sindical.

Nesta cidade, que vem se esforçando pelos interesses capitalistas para se alçar à condição de ´Cidade Global’, os recentes estudos feitos, outro que mais nos chama a atenção é o número expressivamente baixo de usuários do metrô (segundo registros de bilheteria da Opportrans[4]) nas estações suburbanas do corredor da linha 2 do metrô fluminense, construída sobre o leito da antiga Estrada-de-ferro Rio D´Ouro, onde se localizam alguns dos bairros de mais baixa renda da cidade (Inhaúma, Engenho da Rainha, Tomás Coelho, Vicente Carvalho, Irajá, Colégio, Coelho Neto, Rubens Paiva - Costa Barros - e Acari/Fazenda Botafogo). Esses bairros, que serpenteiam a região sul do Complexo do Alemão, que pululam diariamente nas páginas dos jornais, especializadas em tratar a pobreza e os movimentos sociais como crime[5] no ano de 2005 a média foi de 4 mil passageiros/dia que deram entrada pela roleta, muito pouco em se tratando desses bairros, populosos mas com baixa oferta de condução e de serviços públicos. Nestes bairros há uma precaríssima integração com o sistema de ônibus, o que acaba não alimentando as estações de potenciais usuários.

Além disso, não há estacionamentos disponíveis. Para as estações não convergem ciclovias, mas também não há bicicletários suficientes. Estas estações não contam com escadas-rolantes para melhor acessibilidade e conforto e a maioria não disponibiliza condições de acesso dignas aos portadores de necessidades especiais. Tudo muito diferente do tratamento super-sofisticado arquitetônico e paisagístico de estações localizadas no centro e na zona sul, regiões consideradas mais nobres da cidade, como Carioca, Copacabana e General Osório. O mesmo se pode dizer da qualidade do tratamento, em geral muito ruim, dado aos usuários dos trens suburbanos pela Supervia, em vias de fusão, pela Rio-Trilhos, com o Metrô.

O que revela muito do tratamento oferecido a esta região da cidade do Rio de Janeiro, onde moram trabalhadores pobres que viram seus lugares de sociabilidade e de convívio familiar (verdadeiro berço da cultura popular carioca, que marcou a cidade nos anos 50, 60 e 70) se transformar nos últimos 30 anos em uma região de ‘bairros degradados’, ‘antros de facções criminosas’, ‘zonas de risco’.

Operação Urbana
A chamada ‘Operação Urbana’ que ora se faz na região portuária, juntando recursos federal, estadual e municipal, pode ser traduzida como uma manifestação cabal de tributação regressiva[6]. Enquanto a grande imprensa volta-e-meia (como nas eleições) invoca para si a condição de portadora da ‘opinião pública’ (por exemplo, alardeando os perigos da taxação sobre grandes fortunas com a ameaça de fuga de capitais) o “estado verdadeiro” decreta, na surdina, que ali, na região que a burguesia outrora caracterizou como degradada, não haverá impostos à pagar para as empresas bilionárias que receberão empréstimos de um banco estatal (o BNDES) para implantar suas marcas milionárias sobre a cidade.

Os trabalhadores pagarão para que grandes empresas imperialistas, principalmente gigantes do petróleo, recebam investimentos públicos para ali instalarem suas sedes regionais; enquanto seus locais de moradia, seus equipamentos urbanos (trens, ônibus, metrôs e vias) e os serviços públicos de educação, saúde e esportes e lazer serão ainda mais reduzidos no orçamento. Podemos estender para outros exemplos este modelo de aplicação de tributação regressiva os casos da CSA, do COMPERJ, do Porto de Açu e a construção do Arco-Rodoviário que ligará o COMPERJ, em Itaboraí, a CSA, em Itaguaí.

Estes são os fatos emblemáticos da privatização de bens e espaços públicos, levada adiante pela coligação PT-PCdoB-PMDB e demais aliados fisiológicos a frente do governo do estado e da prefeitura do Rio em nome da realização dos megaeventos e de uma reforma urbana anti-popular.



[1] Conforme retratada no documentário brasileiro, de 2010, dirigido pelo cineasta Flávio R. Trambellini.
[2] Em boa parte estes grupos estrangeiros são gerenciados por empresários nacionais, contudo assessorados por consultorias internacionais, não muito raros avalizados pelo BIRD (um espécie de ‘mamãe boa’ na visão das ONG’s que tratam de temas referentes ao urbanismo, diferenciando-o do FMI, que faz papel de madrasta.
[3] Escritórios de advocacia que representam os interesses de incorporadoras imobiliárias (interessadas no programa Minha Casa Minha Vida (MCMD) e consultoras estrangeiras de arquitetura e urbanismo (especializadas em designer nos marcos da Sociedade de Espetáculo, como os megaeventos de 2014 e 2016).
[4] O Consórcio Opportrans, desde 1997, com a privatização, adquiriu a administração e operação das estações e linhas do Metrô Rio.
[5] Como se não houvesse relação disso com a situação de vida das populações e o tratamento dispensado às insurreições urbanas dos baileus na periferia das cidades francesas, só para citar um exemplo.
[6] Esta operação, também batizada de ‘Porto Maravilha’, será executada e coordenada pela CDURPRJ (Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro).

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